“O partido deve ser um instrumento dos movimentos sociais”. Entrevista com André Machado, novo presidente do PT de Curitiba
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8 anos atrásem

Por Davi Macedo, Gibran Mendes e Manoel Ramires, com fotos de Leandro Taques, especial para os Jornalistas Livres
André Machado Castelo Branco. Esse é o nome que comandará o PT de Curitiba nos próximos anos. Dirigente sindical, foi candidato a vereador por duas vezes. Na primeira, em 2012, fez 3.211 votos e na eleição seguinte, em 2016, foram 3.986. Formado em história pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em tecnologia do trabalho pela UTFPR, Machado tem uma missão considerada pr lá de difícil. Organizar o partido na cidade que virou sinônimo de resistência contra o PT: Curitiba.
O novo dirigente foi aclamado neste domingo (9) em uma eleição com chapa única. Resultado da articulação de diversas correntes em torno de um nome que possa agregar forças sem a disputa das forças internas do partido. André, aliás, diz não ser de nenhuma corrente específica, mas de um movimento que prega a reorganização do partido em torno de suas bases. “O partido é que deve servir de sustentação para os movimentos sociais e não o contrário”, enfatizou durante a entrevista.
Lava-jato, Sérgio Moro, jantares com empresários da mídia, Lula em 2018, mobilizações em Curitiba em busca das diretas e agora em busca da direita, tudo entrou na pauta e Machado não fugiu das perguntas.
Ele recebeu, na sede estadual do partido, os jornalistas Davi Macedo, Gibran Mendes, Leandro Taques e Manoel Ramires para uma entrevista onde falou dos seus planos para o PT, sua visão da atual política e sobre como renovar o partido voltando para suas bases.
Jornalistas Livres: Você assumirá o comando do PT na cidade que se autointitulou de “República de Curitiba”. É algo semelhante a presidir o partido de oposição ao regime na Coreia do Norte?
André Machado: (risos). Eu vejo que passamos por um processo intenso de ataques ao partido, que continua existindo, mas estamos em uma situação diferente. Estamos em uma situação onde o governo começa a mostrar a que veio. O golpe começa a mostrar seu real conteúdo político e as reformas apresentadas são tão intensas que o povo começa a compreender de fato o que está acontecendo no País.
Tivemos a primeira grande medida que foi a PEC que corta os gastos sociais por 20 anos. Mas para a população em geral isso é muito nebuloso, de difícil compreensão sobre quais serão os reais impactos em suas vidas. Mas quando isso chega à Reforma da Previdência e fazem a conta, vendo o tempo a mais que deverão trabalhar antes da aposentadoria, começa a cair a ficha.
É inegável que o PT passa por um processo difícil e em Curitiba é muito mais difícil que no resto do Brasil. Aqui é o epicentro de todo esse desgaste do PT por conta da Lava-Jato. É verdade também que há uma oportunidade de retomada, que aqui existe resistência. Creio que é esse contraponto que me motiva, que me anima a assumir o PT nesse momento. Esse discurso de vítima não funciona, precisamos fazer uma retomada dos princípios do partido e voltar a organizar as bases sociais.

Foto: Leandro Taques
Jornalistas Livres: Mas isso não está atrasado? Esse discurso de retomada vem há tempos. E ainda: existe esquerda em Curitiba? Nos atos são sempre as mesmos e não há pessoas diferentes…
André Machado: Existe um processo. O PT passou por um processo diferente nos últimos 13 anos. Foi assumido um discurso de que tudo se resolvia dentro do estado e obviamente isso tem consequências na organização popular do partido. Todas as lutas sociais de massa que participamos, e foi ali que comecei a minha militância, no final do governo FHC, nas lutas que fizemos contra a venda da Copel (Estatal de Energia Elétrica do Governo do Paraná que Jaime Lerner tentou privatizar em 2001) por exemplo, foram lutas de massa. No próprio movimento estudantil, quando fizemos luta contra a privatização das universidades, naquele período do Lerner, existia uma esquerda mobilizada. Existia massa na rua para lutar pelas pautas da esquerda, por um outro modelo de desenvolvimento, por outras pautas sociais. Isso ficou adormecido. Mas não significa que não seja possível resgatar. Curitiba já foi palco de grandes manifestações, mesmo antes dessas…
Jornalistas Livres: Continua sendo?
André Machado: Continua sendo, mas com pautas conservadoras, principalmente. É possível que essas mobilizações populares sejam resgatadas? Eu acredito que sim. Até por conta do que falei. Acredito que a situação concreta e objetiva das pessoas leva à resistência. É o papo que está rodando no ônibus. A discussão hoje não é somente a Lava-Jato, sem desconsiderar sua influência, mas a pauta é: vai acabar a aposentadoria no País, principalmente para os mais pobres.
Então, é isso. Existe hoje um novo caldo e desse novo caldo é possível retomar essa mobilização. Acredito que não é tarde. Existiu um discurso durante os 13 anos de governo do PT de que era possível fazer uma conciliação. A direção do PT alimentou isso, de que era possível fazer um acordo com o Sarney, com algumas oligarquias locais, com o PMDB, para manter uma governabilidade. Esse discurso acabou. Com quem vai fazer o acordo?
Jornalistas Livres: Você fala que esse período acabou, mas o que vemos na prática é o contrário. O que vemos em certas lideranças do PT é a continuidade desta tentativa de conciliação e de alianças com a direita, como aconteceu no caso de eleições em mesas diretoras nas casas legislativas, até mesmo no Senado e na Câmara. Isso mostra uma diferença do que a militância pede e o que as decisões políticas mostram. Acrescento: como o diretório municipal pode atuar neste sentido?
André Machado: Quando eu digo que acabou é porque não há mais condição de alimentar um discurso de que essa conciliação pode apresentar resultados positivos, ou seja, aquele discurso que ouvíamos muito: “é necessário fazer um grande acordo para que possamos implementar políticas positivas para a população”. Era esse o discurso da governabilidade. Isso não tem mais espaço, isso acabou. Não significa que as pessoas que estão hoje na cúpula do partido, ou estão assumindo mandatos no congresso, senadores e deputados, mudaram sua concepção. Eu acredito que muitos continuam errando.
Por isso neste processo de discussão do PT nós temos que discutir uma nova direção nacional. Nessa questão toda, fizemos um acordo aqui em Curitiba por uma direção municipal que tem essas questões como princípio: a mudança dentro do partido em relação à política de alianças, o papel que o PT deve desempenhar nesse período, como ele deve se organizar, radicalizar a democracia interna do partido “nucleando” o PT. Tudo isso são os acordos que chegamos para que pudéssemos ter somente uma chapa. É uma chapa de mudança, não de continuidade. Mas isso do ponto de vista nacional ainda é um debate a ser feito.
Jornalistas Livres: Você é identificado como um militando da corrente do Trabalho, minoritária dentro do partido. Como fazer um acordo para que alguém deste grupo possa comandar o partido em Curitiba?
André Machado: Eu não sou dessa corrente, que tem sua própria organização e dinâmica, mas que construiu junto neste processo. Nós temos um grupo chamado “PT Novo de Novo”, que é um agrupamento dentro do partido que tentou impulsionar esse debate de mudanças e aglutinou várias lideranças, lideranças importantes e lideranças populares do partido. Nós indicamos algumas direções zonais importantes, temos uma influência dentro do PT de Curitiba.
A primeira coisa que fizemos foi lançar um documento colocando as críticas a esse caminho que o PT assumiu nos últimos anos e propondo uma mudança de rumos. Tivemos a adesão de muitas lideranças importantes aqui de Curitiba e a partir desse texto começamos a discutir a chapa, que vem a partir de um processo de debate político desse manifesto. Democratização do partido e retomada do PT como um instrumento de organização da classe trabalhadora. Porque o que colocamos como um sintoma desse PT que foi se burocratizando aos poucos é que as lideranças do partido passaram a compreender a democracia a partir, somente, da disputa do Estado.
Isso leva a uma adaptação ao sistema político como ele é hoje, um sistema apodrecido, mas é o que temos. Então, a partir do momento que se vê como única forma de democracia a disputa do estado, você começa a compreender os movimentos sociais como um instrumento do partido passa a ter uma visão de instrumentalizar o partido a partir dos movimentos sociais para conseguir voto. É simples assim, não é? Porque a lógica é essa. É o que está incutido como lógica de construção da democracia.
O que estamos propondo é uma inversão disso. O movimento social não pode ser instrumento do partido, o partido é que deve ser um instrumento dos movimentos sociais. Então, quando você pensa a lógica assim, o que você entende? Que inclusive a disputa eleitoral deve servir para a disputa real que está sendo feita da luta de classes, da luta popular nos bairros, dos sindicatos que estão lutando para ter reajustes salariais, condições de trabalho. Essa inversão é que estamos propondo, é o PT da década de 80, o princípio do partido.
Jornalistas Livres: Mas como fazer isso na prática, a partir de um diretório municipal?
André Machado: Eu vejo dois papéis. O primeiro deles é na disputa do congresso estadual. Não está definido o que será do PT. Nós fazemos parte deste processo que vai discutir a mudança de rumo do partido. Esse é um primeiro aspecto. O segundo é que estamos em uma das principais capitais brasileiras. Não é um lugar qualquer, uma “cidadezinha”, que não fará diferença no cenário nacional. Eu acredito que temos um papel importantíssimo no cenário nacional.
Por ter esse papel importante, mesmo que no diretório nacional ainda tenhamos questões não alteradas que desejamos mudar, creio que possamos fazer a diferença aqui para que apareça como exemplo para os militantes. Eles querem essa retomada do PT. Basta ver o que aconteceu quando a maioria dos deputados desejava fazer um acordo para eleger o Rodrigo Maia. Mas por não terem coragem de aprovar, eles jogaram essa decisão para o diretório nacional, que por sua vez, devolveu para os deputados. Mas por conta da mobilização que aconteceu na base do partido – que foi impressionante, com reuniões, plenárias, atos em todos os lugares do Brasil – a bancada dos deputados decidiu votar contra.
Esse movimento “Petista Não Vota em Golpista” foi um movimento de baixo para cima, que mudou uma posição. É verdade que alguns deputados não votaram no candidato que o PT apoiou? É verdade. Na matemática você vê isso. Mas é secundário nesse processo. O principal é que quando a base se movimenta e impõe sua vontade, nós conseguimos fazer as mudanças que o PT precisa. Porque precisamos desse instrumento, o PT está construído.
O PT é um instrumento fabuloso. Tem 1,7 milhão de filiados. É o principal instrumento de transformação na América Latina e um dos principais do mundo. Não podemos abrir mão disso, mesmo que tenhamos crítica, que tenha problemas. O que precisamos é trabalhar para tentar mudar e essas mudanças eu acredito que podemos implementar em Curitiba, fazendo diferente, construindo uma forma de organização mais interessante. Mostrar como exemplo e participar desse processo de disputa nacional.
Jornalistas Livres: Mas insistimos e na prática? Como fazer isso? O André, presidente eleito do PT de Curitiba, chega no diretório pela manhã, senta na cadeira e muda isso como?
André Machado: Eu não acho que é o André. Foi um acordo em todas as correntes organizadas do partido aqui [em Curitiba], entre todas as lideranças regionais do partido, de que esse seria o nosso objetivo nesse mandato.
Nós tivemos um mandato passado que teve vários avanços, com mudanças importantes, mas em um momento difícil de organizar o partido. O momento era de encontrar uma saída. Era muito difícil. Mas existia essa busca por uma unidade, uma tentativa de caminhar junto e que se concretizou agora.
Acredito que não é o André. É um novo diretório que está sendo eleito com 112 membros que vão buscar “renuclear” o partido, principalmente, a partir das zonais. O que significa isso? A ideia é que a pessoa não seja só filiada ao partido, mas que ela viva o partido e o utilize para se organizar a partir de suas lutas.
As zonais têm papel geográfico. Já os núcleos funcionam com os militantes de uma certa região, de uma certa rua, de uma certa categoria profissional, que tenham afinidades e desejem se reunir porque tem uma disponibilidade de horário ou pauta em comum. Eles se encontram e discutem. Precisamos dar política para esses núcleos discutir. É isso que falta. Precisamos estimular, dar um filme para debaterem, um texto para lerem e debaterem, sobre a reforma da previdência, sobre a conjuntura. Precisamos estimular pautas, propor agendas e os núcleos vão surgindo. As pessoas querem se organizar.

Foto: Leandro Taques
Pergunta: Qual o projeto para o partido? Não é preciso discutir plataformas, além de nomes como vem sendo declarado exaustivamente o nome de Lula?
André Machado – Eu acredito que o Lula dentro do PT é um nome inquestionável. Não só pela história dele, mas do ponto de vista pragmático eleitoral. Ele tem uma capacidade eleitoral que nenhum outro filiado ao partido no Brasil inteiro tem. Então, eu não acredito que a questão seja questionar a candidatura do Lula, que está colocada e vai ser importante para o partido em 2018, e que está sendo duramente atacada para que ela não possa ocorrer pelo golpe que está colocado no país. Temos que ter clareza disso. Agora, eu acredito que transformar o congresso do partido, que justamente é aonde podemos definir isso, para definir que caminho vai o PT.
A gente está discutindo isso. Qual vai ser o projeto de Lula 2018? Qual é o projeto econômico que nós queremos? Quais vão ser as estratégias de organização do partido? Porque se não é a conciliação, tem que mudar alguma coisa. Se você não faz um acordo com o PMDB, você tem que fazer um acordo com alguém para poder governar. Na nossa concepção, esse é um acordo estreito com os movimentos sociais. Quando queremos aprovar alguma coisa, e sempre foi assim, mesmo nos governos Lula e Dilma, para aprovar alguma coisa e passar no Congresso Nacional, o que definiu foi a mobilização.
Foi parar carro de som na frente da casa de deputado, foi fazer mobilização de rua, enfim, é isso que define, muito mais do que fazer um grande acordo nacional. Eu acho que a grande disputa nesse congresso do PT, onde pode-se discutir os rumos, é um setor querer transformar o congresso em um lançamento da campanha do Lula 2018 sem conteúdo, abandonando o que é imediato. Porque a gente tem que passar por 2017.
Esse é o problema, nós temos que atravessar 2017 e esse ano é fundamental, porque se perdemos a previdência, se passa a reforma trabalhista, e ela vai ser brutal. Porque liberar, como o Rodrigo Maia tá dizendo ou como o Temer está dizendo, as terceirizações como está proposto, é muito brutal para o mundo do trabalho. Vai ser terrível, é muito acelerado o processo de retirada de direitos. O terceirizado não só ganha menos, mas tem uma organização muito mais frágil do ponto de vista sindical. A partir do momento que se permite também que o negociado prevaleça sobre o legislado, em organizações frágeis como é a dos terceirizados, você contrata sob qualquer regime. Estamos rumando na prática para um regime de trabalho extremamente precário.
Deixar passar tudo isso, em nome de um projeto de 2018 que vai fazer uma política diferente, é uma irresponsabilidade. O que temos que colocar hoje é o Fora Temer. Temer tem menos de 10% de aprovação, é menos do que Dilma no seu pior momento de avaliação. Ele anda numa corda bamba, se o PT empurrar ele cai. O que a gente não pode é abandonar a pauta que está na rua e que está na boca do povo, que é o Fora Temer. O Fora Temer é importante hoje não só porque teve o golpe e tiraram a Dilma da Presidência, mas porque se ele continuar vão passar todos esses projetos de aniquilação da classe trabalhadora. Os laços da classe trabalhadora se dão pelos seus direitos também. A capacidade da classe trabalhadora para poder impor um projeto diferente para o Brasil passa também por defender os seus direitos que estão constituídos, porque se não houver direitos a gente vai caminhando para um processo de desagregação social tão violento que não consegue nem mais se ter uma relação de classe entre os trabalhadores.
Jornalistas Livres: Sobre essa campanha difamatória contra o PT que sempre existiu, desde a fundação do partido, mas que foi intensificada no governo Dilma e arranhou a imagem do partido. Como pode ser recuperada a credibilidade que o PT tinha no final da década de 90, a pujança social que o partido tinha?
André Machado: Não é o debate de se igualar aos outros que vai recuperar a imagem do PT. Nem é tanto por se fazer o debate que é imposto pela Lava Jato. O PT ganhou uma audiência na massa por conta das suas decisões políticas corretas de se alinhar de forma correta na década de 80 e conseguiu estabelecer raízes na classe trabalhadora, principalmente por conta do processo de diretas já, naquele momento de redemocratização do país, o PT teve um papel fundamental quando ele recusou o colégio eleitoral, ali o PT ganha massa. Acredito que a saída hoje também é a partir da política. Se o PT tiver uma política certa hoje, se o PT tiver uma política que as pessoas compreendam que está do lado delas, ele vai retomar o prestígio que já teve e que vai ter no futuro se tomar as decisões certas. O problema é se o PT não acordar. Se continuar repetindo a fórmula que foi aplicada nos governos que passaram, a gente não conseguir dar essa guinada.

Foto: Leandro Taques
Jornalistas Livres: Me parece um pouco mais difícil agora, porque no final da década de 90 existia uma sensação de grandes anseios sociais, inclusive por meio da política. Agora que parece que a campanha contra o PT fez com que as pessoas desacreditassem na política. O que se escuta hoje do cidadão comum é nem direita, nem esquerda, tudo ladrão. Um discurso construído justamente por quem de fato é ladrão. Isso não torna a recuperação mais complicada?
André Machado: Está difícil não só por isso. Acredito que isso contribui, mas, por exemplo, quando a Dilma indicou o Levi e o Barbosa para comandar a economia do país, o que ela estava mostrando para as pessoas, que só existe um caminho. E o caminho era o que o Aécio estava dizendo na eleição, inclusive. Foi ao contrário da plataforma da campanha da Dilma. O que eu acho que as pessoas dizem que é tudo igual, elas dizem que é tudo igual porque, do ponto de vista político, mesmo que hoje a gente veja claramente que a velocidade do processo é muito maior com o Temer, sem dúvida nenhuma, mas a gente vê que o caminho também estava sendo apontado desde o final de 2013 até o impeachment também era um caminho errado.
As pessoas olham e veem que do ponto de vista político só tem uma saída e todo mundo diz a mesma coisa e do ponto de vista ético atacam o PT através da mídia dizendo que o PT é o partido da corrupção e tal, aí as pessoas realmente confundem. A saída para tudo isso está justamente na política. Se as pessoas enxergarem o PT fazendo uma política de fato diferente e é esse o nosso desafio enquanto direção que vai assumir o partido, eu acredito que as pessoas retomem a confiança no PT. O partido já teve essa confiança, principalmente daqueles que foram mais favorecidos pelos governos do Lula e da Dilma. Precisamos retomar a confiança dessas pessoas. Acredito que um ponto é esse, apresentarmos uma política responsável, com os anseios da classe trabalhadora; o outro é recusarmos esse sistema político.
Jornalistas Livres: Qual é o peso da comunicação para a recuperação da imagem do PT e quão estratégica é ou deveria ser a comunicação para o partido? E quando a esquerda vai ter a Folha de São Paulo dela?
André Machado: Quando se fala em estratégia, a comunicação sozinha não responde. Então a gente precisa reencontrar um caminho, que aí a gente encontra aonde quer chegar. A partir do momento que a gente sabe aonde quer chegar, nós buscamos comunicar para as pessoas o que a gente quer. O problema da comunicação do PT nesse período de governo é que se perdeu aonde se queria chegar. O que se produziu nesses anos todos de governo? Se produziu políticas interessantes do ponto de vista da educação e saúde, o Estado foi gerido de uma forma muito mais republicana.
Se você for ver hoje como estão as estruturas dos ministérios, você percebe a diferença brutal entre os governos. Agora, você não mudou as estruturas e a gente perdeu isso, perdeu a discussão sobre a estrutura política. A própria rediscussão das instituições que estava coloca ficaram intactas. Então, acredito que nesse debate de comunicação a gente precisa resolver juntos aonde queremos chegar. Precisamos ter um debate estratégico novamente sobre o PT. Qual que é a estratégia petista? A gente ainda acredita no socialismo? E se a gente ainda acredita no socialismo, a mudança mais radical, mais estrutural da sociedade, qual que é o caminho para se chegar lá? Mesmo aqueles que não acreditam mais no socialismo, mas são críticos ao capitalismo, como faremos para reduzir os danos que esse sistema econômico produz, as desigualdades sociais que ele produz?
Eu acredito que hoje no Brasil nós temos uma tarefa fundamental que é a discussão da Constituinte. Retomar esse debate, porque como é que nós vamos fazer essas mudanças com esse Congresso que está aí? Ou com esse modelo de financiamento eleitoral? Ou com essas estruturas das instituições que impedem que se faça qualquer mudança? Então, a gente precisa retomar esses debates, uma Constituinte para uma reforma política, uma Constituinte soberana onde se elejam deputados constituintes para fazer esse debate, para poder aprovar uma mudança na estrutura política do país. Sem isso eu acho que não vai mudar nada. As pessoas vão se reeleger na próxima eleição de 2018 sobre a mesma base. Aí entra a discussão da comunicação. O PT governo, mesmo com os pontos positivos do governo Lula, mas o Lula mais que a Dilma acreditou nessa conciliação com os grandes meios de comunicação.
Jornalistas Livres: Você acredita nessa conciliação?
André Machado: Eu acredito que ela é impossível. Os caras têm lado. É claro que a gente não pode abrir mão de escrever um artigo de um jornal desses de grande circulação, de disputar espaços, de dar entrevistas. Não sou radicalmente contra, mas é claro que páginas amarelas da Veja eu acho que já é um exagero, mas acredito que são espaços que têm que ser disputados nessa microesfera pública, porque não é uma esfera pública que nós temos no país. No entanto, é uma inocência acreditar que a partir disso a gente comunica, que a gente consegue dialogar do ponto de vista ideológico, que a gente consegue fazer contraposição a esse discurso que está colocado das classes dominantes.
Existem elites dominantes no Brasil. Quando se abandonou o discurso de luta de classes, eu acho que a direção do PT por um momento achou que isso não existia mais, o impeachment só que foi dar um banho de água fria em muita gente, quando se esqueceu da luta de classes, se acreditou que a classe dominante no país não tinha posição ideológica, não tinha seus meios de comunicação, não comunicava com seus aparelhos ideológicos. Acredito que precisa sim constituir um novo projeto, um projeto com retomada dos princípios da década de 80, aqueles princípios de fundação do PT, e nós precisamos aprender a comunicar. Ter um jornal de alcance nacional eu acredito que hoje é uma necessidade central do PT. Se ele quer comunicar ele precisa ter um jornal nacional. Precisa ter um portal incrível que tenha uma posição mais à esquerda.
Jornalistas Livres: Institucional?
André Machado: Precisa ser um jornal amplo, com jornalismo que vá cobrir a realidade política, o cotidiano, enfim, que vá fazer suas matérias baseado numa linha editorial progressista. Uma linha editorial que de certa forma a Carta Capital faz. Com todas suas peculiaridades, como o Brasil de Fato, ainda muito incipiente, muito menor do que a nossa necessidade, apesar de ser o caminho. A gente precisaria ter um jornal Brasil de Fato com dimensões nacionais. Ele é amplo, tem uma linha editorial que busca agregar setores mais progressistas. Eu acredito que o problema é de escala. Tem aquela discussão se teria que ser de papel ou não, mas acredito que as pessoas ainda leem o papel.

Foto: Leandro Taques
Jornalistas Livres: Mas a discussão não é mais ampla do que apenas um jornal?
André Machado: Eu falei um negócio que não é verdade. Assim, o PT não tem um jornal, não é? Eu acho que as coisas têm que se combinar. Tem que ter esse jornal como o Brasil de Fato em escala nacional, que a gente possa estar distribuindo para o povo, enfim, que chegue no povo, por meio digital ou por meio impresso e precisa ter a comunicação do partido. Não precisamos ter a ilusão de que os meios de comunicação numa sociedade capitalista vão reproduzir as ideias que não são hegemônicas. Quem tem o domínio do mundo econômico, tem o domínio do mundo espiritual, como dizia o Marx. Tem o domínio do mundo das ideias. A gente não pode ser idealista, achar que teremos uma mídia progressista em um sistema econômico conservador, capitalista, não vai ter…
O que a gente precisa é constituir nossos instrumentos de comunicação e construindo unidade com amplos setores para além do PT. Também ter um bom instrumento dentro do PT que comunique a sua estratégia, que passa pela organização popular. Em Curitiba, entendo que a gente pode ter um jornal com essa pauta. Um veículo que ajude a organizar o povo pela luta pela regularização fundiária, pela luta do transporte, da saúde. A cidade já teve um movimento muito forte na saúde e o partido era o coração nessa luta. Mas antes, a gente precisa entender onde a gente quer chegar. Consequentemente, a gente vai comunicar e envolver as pessoas.
Jornalistas Livres: Queria a sua opinião sobre o juiz Sérgio Moro. A postura dele é parcial e inquisitória? E como está sendo preparada a recepção para o presidente Lula, que deve depor no dia 3 de maio em Curitiba.
André Machado: A Lava Jato cada vez mostra que tem entre seus objetivos o desgaste do PT. Esse é um dos seus panos de fundo: a disputa política. Evidente que a operação nasce devido a problemas da estrutura política em que o partido se envolveu, como todos outros partidos também se envolveram. Afinal, as últimas campanhas políticas foram bilionárias e alguém financiou isso tudo. Quem tem estrutura para isso são as grandes empreiteiras. E quem paga a banda escolhe a música. O “retorno” dado em âmbito federal ou estadual foi manter um sistema de privilégios para essas empresas. Quanto ao Moro, ele parte de um problema real, mas se restringe a condenar o PT.
Essa seletividade da Lava Jato condiciona o resultado. A gente sabe que todos os partidos tiveram relações com as empreiteiras, mas apenas a campanha do PT está sendo criminalizada. E, na maioria das vezes, se percebe que não houve enriquecimento das pessoas. Bem diferente de Eduardo Cunha, de outros que receberam dinheiro em paraísos fiscais. A gente percebe que os delatados próximos ou do PSDB não sofrem as consequências. Portanto, para mim, a operação é um tribunal de exceção. Todo esse processo ocorreu para criar uma base social e legitimar o impedimento da presidente Dilma e aplicar esse caminho político e econômico adotado por Michel Temer. Do PT, é evidente que quem roubou deve pagar pelo o que fez. Só que o problema não é esse. A questão é acreditar que a operação pune quem roubou. Isso é uma ilusão.
Quanto ao Lula, eles vivem esquentando denúncias contra o presidente. É até um clichê no Brasil. A direita tenta desmoralizar as lideranças não pelo caminho da disputa política ou ideológica, mas a partir de questões pessoais, questionando valores éticos. É muito baixo. Portanto, a vinda do Lula, para nós, vai ser um dia para se marcar um processo de defesa da democracia. O que temos visto nesse país são direitos sendo desrespeitados, como no caso do Lula, que teve a condução coercitiva. Portando, na vinda do Lula, nós vamos reafirmar a bandeira democrática, independente de partido político.
Jornalistas Livres: Mas definindo o perfil do Moro. Qual é a sua percepção sobre ele?
André Machado: Ele é um instrumento que serve a um propósito que se utiliza do seu cargo e de instrumentos que ele tem para atacar o PT. Moro é o cara que não investiga o Aécio Neves, mas pune com rigor o José Dirceu.
Jornalistas Livres: Mas você o define como uma pessoa com perfil à direita?
André Machado: Eu tenho convicção que ele é conservador de direita que está atacando o PT por conta de um projeto maior. As motivações mais íntimas dele, não posso especular.
Jornalistas Livres: A Dilma Rousseff foi muito crítica, ainda no seu primeiro mandato, por participar de jantares comemorativos de donos dos grandes veículos de comunicação. Recentemente, o Chico Alencar foi criticado por beijar a mão do Aécio Neves. Você iria em um jantar de aniversário de um Lemanski (família empresarial do Paraná, dona da RPCTV, filiada da Rede Globo)?
André Machado: Eu já vi políticos – inclusive do PT – posando para colunas sociais com esses figurões da mídia e do empresariado paranaense. Eles acreditavam que podiam fazer parte desse campo, que seriam aceitos por essa turma. Eu não tenho essa vontade, nem essa ilusão. Eu prefiro jantar com os militantes do partido, dos sindicatos e dos movimentos sociais. Eu acredito que muitos mudaram a partir desses pequenos gestos.

Foto: Leandro Taques
Jornalistas Livres: Qual é a sua história com o PT e porque não deixou o partido em momentos críticos.
André Machado: Eu entrei no PT em 1999, aos 18 anos. Meu pai e minha mãe eram petistas, sendo que meu pai foi dirigente da CUT. Logo, eu vivo o PT desde criança. Eu dormia nos sofás dos militantes durante as reuniões, entre outras coisas. Essa foi minha adolescência. Eu podia ter seguido dois caminhos: podia amar ou odiar. Dias desses, meu pai publicou no Facebook uma foto da última greve geral que teve, na década de 1980. Ele estava caminhando com a gente no meio do povo. Portanto, aos 18 anos me filiei. Só que a minha militância começou na universidade. Na primeira semana já me envolvi com centro acadêmico, participei do DCE e no segundo ano universitário já estava na direção nacional da UNE. Cheguei lá por conta da luta contra a venda da Copel. Toda essa turma despontou bastante. Eu aprendi muito nessa época. Depois do movimento estudantil, em 2005, eu fui para o movimento sindical por meio dos bancários.
Eu nunca me coloquei essa questão de sair do PT. Eu tinha muitas críticas ao partido. O PT não é um dogma. Só penso que eu “não deixaria o PT de barato”. Ninguém tem propriedade sobre o partido. E eu vou disputar esse partido enquanto ele tiver importância para a classe trabalhadora. Portanto, não que isso não seja um problema real. Contudo, entendo que o partido é um espaço importante para ser abandonado. Quem conhece o PT por dentro, conhece sua base popular, os movimentos sociais, que o partido ocupa um lugar no imaginário das pessoas. O PT ainda tem potencial de mobilização e transformação. E é isso que a gente precisa dar movimento. Esse é o meu desafio na direção do PT Municipal.

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Por Dirce Waltrick do Amarante*
Quando o escritor francês Honoré de Balzac teve acesso ao vídeo da audiência de Mariana Ferrer, ele decidiu escrever o Código dos homens honestos, isso nos idos de 1875, mas só agora estou tornando públicas suas palavras, que estavam sob segredo de justiça.
Em uma análise bastante rigorosa, Balzac lembra, em primeiro lugar, que sabemos perfeitamente bem que “em princípio, ficou estabelecido que a justiça seria para todos, mas […]” . A tradução é de Léa Novaes, pois Balzac tinha dificuldade em escrever em português.
Dito isso, ele fala da figura do procurador. Em tempos idos, diz Balzac, os procuradores “levavam tão a sério o interesse de um cliente que chegavam a morrer por eles”. Além disso, eles “nunca frequentavam a sociedade”, e se a frequentassem eram vistos como “monstros”, mas hoje, “hoje tudo está monetarizado: já não se diz que Fulano foi nomeado procurador-geral, vai defender os interesses de sua província […]. Não, nada disso; o senhor Fulano acaba de conquistar um belo posto, procurador-geral, o que equivale a honorários de vinte mil francos […]”.
Balzac ia falar da figura do juiz e do defensor público, mas depois de tudo que assistiu ficou sem as palavras justas para descrevê-los.
Então, o escritor francês decidiu se debruçar sobre o papel do advogado, que “frequenta bailes, festas […] despreza tudo o que não é elegante”. E, diz Balzac, “Justiça seja feita aos advogados […]! São os decanos, os chefes, os santos, os deuses da arte de fazer fortuna com rapidez e com uma sagacidade que os torna merecedores de muitos elogios”.
Enfim, “de todas as mercadorias deste mundo, a mais cara é sem dúvida a justiça”.
Não citei na íntegra o texto do Balzac, porque foram esses os únicos fragmentos aos quais tive acesso, os outros foram apagados.
*Formada em Direito, em 1992, na Universidade Federal de Santa Catarina
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Nos EUA voto popular não significa vitória. Biden terá mais votos do que Trump e ainda assim o resultado da eleição continuará indefinido por algum tempo. Apesar dos descalabros que marcaram a gestão Trump antes e durante a pandemia, o seu desempenho na atual corrida eleitoral será muito forte.
Mateus Pereira, Valdei Araujo e Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG
A disputa está sendo muito mais acirrada do que era inicialmente previsto pela maior parte dos institutos de pesquisa e da mídia americana, embora a cautela e o medo nunca deixaram de estar presentes. Sob esse ponto de vista, as eleições deste ano são como uma repetição do que vimos em 2016, ainda que o resultado possa ser a derrota eleitoral para Trump. Em 2016 foram os democratas que denunciaram a interferência russa, agora é o presidente-agitador que se apressa em questionar a legitimidade do pleito, sem mostrar nenhuma prova. Sabemos que no ambiente do atualismo provas têm como base apenas convicções.
Um sistema eleitoral que sobreviveu por séculos, sem grandes mudanças, pode ter se tornado obsoleto desde a eleição de Bush, em 2000. Um lembrete do possível declínio da democracia americana: das últimas oito eleições presidenciais desde 1992, os democratas venceram no voto popular as últimas sete, mas em apenas quatro ocasiões ganharam o colégio eleitoral e fizeram o presidente.

Acreditamos que as eleições nos EUA são um exemplo do confronto entre duas estratégias e duas concepções sobre fazer política: de um lado, Trump e sua promessa de eterna atualização da atualidade em modo nostálgico; e Biden, com sua aposta moderada no cansaço na agitação atualista que seu adversário republicano encarna e radicaliza, e a retomada da política em moldes liberais. Essa retomada é feita sem uma crítica efetiva ao modelo neoliberal abraçado pela cúpula do partido democrata. Uma aposta radical, como Sanders, teria se saído melhor? É difícil dizer, mas tudo leva a crer que não, tendo em vista o complicado xadrez do voto estado a estado.
A escolha entre as duas estratégias/concepções se mostrou muito mais difícil e apertada do que se imaginava. A tal “onda azul” anunciada por parte da imprensa estadunidense esteve longe de acontecer. De fato, Trump se mostrou eleitoralmente muito mais forte do que os analistas supunham. Considerando que esta não é a primeira vez que os institutos de pesquisa falharam em captar esse movimento no eleitorado americano, e considerando também que fenômeno semelhante ocorreu no Brasil em 2018, coloca-se a questão de saber se as tradicionais pesquisas de opinião tornaram-se de alguma forma obsoletas em um mundo atualista. Esse quadro muda pouco, mesmo com uma eventual vitória de Biden ou pior, com uma inconveniente reeleição de Trump.
São vários fatores que devem ser considerados para avaliar essa questão. Os próprios institutos se apressaram a ensaiar algumas explicações ao público. O diretor da Trafalgar Group, Robert Cahaly, afirmou que muitos eleitores “esconderam”, como já havia acontecido, sua preferência por Trump por algum receio ou constrangimento social.[1] Não podemos desconsiderar algum tipo de boicote/sabotagem dos eleitores republicanos, já que na retórica do trumpismo as pesquisas de opinião fazem parte da mídia vendida. Outros recorreram à justificativa de que as pesquisas anteriores representavam apenas fotografias do momento específico em que as entrevistas foram feitas, e não o que se poderia esperar na eleição propriamente dita. Isso poderia ter sido de fato observado pela tendência de redução da vantagem de Biden nos últimos 15 dias. Afinal, o episódio da contaminação de Trump e sua rápida recuperação pode ter tido um saldo positivo, ao menos na mobilização de sua base, como já havíamos especulado em coluna anterior.
Aceite-se ou não essas justificativas, fato é que os institutos de pesquisa sairão dessas eleições com sua credibilidade e imagem pública mais arranhadas, sobretudo diante das especificidades do sistema eleitoral americano. Como afirmamos, muitos fatores concorrem para esse desgaste. Um deles está relacionado à condição atualista que caracteriza o nosso presente e como cada um dos candidatos se coloca frente a tal condição.

Trump é um político bastante sintonizado com o ambiente da comunicação atualista onde as provas dispensam comprovação factual. Seja nas redes sociais, seja em seus concorridos comícios, o presidente se revela um comunicador difícil de ser batido. Dentre os aspectos associados à condição atualista, destacamos a intensidade e velocidade sem precedentes do fluxo de notícias, em detrimento dos protocolos de verificação e checagem da informação veiculada. Esse ambiente infodêmico[2] é particularmente fértil para a produção de desinformação e sua disseminação como misinformação.[3] Além das informações imprecisas, para não dizer apenas falsas, que a infodemia trumpista ajuda a difundir, é preciso levar em consideração a agitação/ativação que produz. É como se a oposição se agitasse confusamente e a base trumpista se ativasse a cada um de seus comentários polêmicos. Assim, o uso constante das redes sociais para disseminar fake news ou comentários faz com que, seja de modo positivo ou negativo, o presidente esteja sempre no foco da mídia. O acúmulo de notícias sobre suas falas ou atos inconsequentes faz com que seja difícil recuperar qual foi o absurdo dito ou feito na semana anterior. Na condição atualista há um valor excepcional em estar mais atualizado (e exposto) que o seu adversário.
Ainda assim, a manipulação das fake news como ferramenta política supõe uma linguagem organizada para se tornar eficaz. Essa afirmação pode soar chocante à primeira vista: como podemos atribuir coerência a um discurso fundamentado em desinformação e que frequentemente e sem o menor pudor afirma hoje o contrário do que disse ontem, como o exemplo do uso de máscaras na pandemia?[4] O ponto aqui é que a condição atualista coloca muitos obstáculos para que o passado, mesmo o mais recente, seja trazido à reflexão. Assim, quando confrontados com suas próprias contradições, políticos atualistas como Trump e Bolsonaro simplesmente atualizam suas narrativas e afirmações quando as anteriores se tornam insustentáveis. Com muita frequência, os seus discursos mudam em função da conveniência da atualidade, sem a mínima necessidade de se prestar conta da contradição com o que eles mesmos diziam no dia anterior.
Essa estrutura atualista do discurso político só se torna eficaz, porém, no interior de uma linguagem organizada e facilmente identificável pelo público que a compartilha, no interior de uma condição material de reorganização do mundo do trabalho e do capital. A crise de 2008, concentração de renda, neoliberalismo, capitalismo de vigilância e a formação do atual “precariado” são elementos, dentre outros, fundamentais para entender a emergência de líderes que governam e são eleitos por pequenas maiorias mobilizadas pela historicidade e ideologia atualista. Só assim podemos entender a força de Trump na eleição independente do resultado final, ainda que sua derrota interesse a todos os democratas do mundo.

Trump lança mão de artifícios retóricos quando confrontado com suas afirmações evidentemente baseadas em mentiras e contradições, de tal maneira que ele consegue, mesmo em tais situações, transmitir e reforçar o código entre o seu público. O código se estrutura em uma lógica antagonista, na qual o portador é sempre vítima de perseguição por parte do establishment e da imprensa vendida para a “esquerda corrupta” ou as corporações globalistas.
O ponto principal a ser considerado é que para ser politicamente eficaz não é necessário que o código seja compartilhado por todos; mas que seja continuamente ativado junto aqueles que já o compartilham. Por mais que esteja sustentado em desinformações, o fato é que o código é bastante poderoso na ativação de afetos políticos centrais como o medo, ódio e ansiedade, vetores de forte engajamento e agitação política que Trump e Bolsonaro sabem tão bem promover.
O sucesso dessa estratégia se coaduna com a popularização das redes sociais e dos smartphones, bem como das novas tecnologias de processamento de dados manipulados para fins políticos. Nesse contexto, tornou-se possível criar e difundir mensagens sob medida para cada tipo de público, cada indivíduo ou grupo formula suas próprias percepções sobre o mundo a partir de narrativas (códigos) que não mais precisam ser expostos publicamente a todos para serem eficazes. Após alguns reconhecimentos iniciais, os algoritmos se encarregam de abastecer-nos das notícias que nos mobilizam, sempre com o mesmo teor e formato. Reforça-se, assim, o fenômeno das “bolhas”.[5] Esses códigos podem circular de forma subterrânea, de tal modo que o que parece absurdo e chocante para uns, é perfeitamente aceitável e normalizado para outros.
Esse ambiente de circulação de notícias e códigos é condizente com a ordem atualista de nosso tempo e, ao nosso ver, é um fator importante a ser considerado no desempenho surpreendente de Trump nestas eleições. E um dos preços a se pagar para tal sucesso é a radicalização do clima de agitação que tem marcado a nossa época. Esse quadro tem resultado inclusive em distúrbios psicológicos cada vez mais comuns, como o “transtorno do estresse eleitoral”, que segundo estimativas afeta sete em cada dez cidadãos estadunidenses.[6]

Os políticos atualistas claramente não se importam em pagar esse preço, na verdade eles têm lucrado com isso. Mas, ao fim e ao cabo, eles não podem evitar completamente os efeitos colaterais de suas apostas. Agitação e dispersão geram também cansaço no eleitorado. Biden e os democratas tomaram esse efeito como vetor de suas estratégias para estas eleições. Frente à irrefreável agitação de Trump, Biden se vendeu como a opção mais “centrista”, de moderação e convergência. A divergência entre as duas estratégias foi mais uma vez demonstrada logo após o fechamento da votação: enquanto Trump se apressou em declarar-se vencedor e dizer que irá judicializar a eleição em caso de derrota, Biden classificou tal postura como “ultrajante” e pregou calma aos seus apoiadores[7].
Mesmo que a vitória do democrata seja confirmada, é inegável que o preço desse lance foi bastante alto. A imprensa americana noticiou como parcelas importantes do eleitorado negro, que o próprio Biden afirmou ser “a chave para a vitória”, relataram estarem pouco motivados a votarem no candidato democrata.[8] O mesmo ocorreu entre parte do eleitorado hispânico, em especial na Flórida e no Texas. O conservadorismo nos costumes, a adesão a denominações evangélicas que tem crescido entre hispânicos e a tradição anticomunista dos cubanos, e agora também venezuelanos, na Flórida, são fenômenos a serem considerados. Enquanto fechamos essa coluna Trump ainda lidera na Pensilvânia, estado no qual o operariado branco migrou dos democratas para o trumpismo. No último debate, Biden acabou por reconhecer que teria que acabar com a exploração do altamente poluente gás de xisto, o que foi imediatamente explorado por Trump: “Eis uma declaração importante”, ironizou o presidente. Caso perca por margem apertada na Pensilvânia, onde os trabalhadores dessa indústria são amplamente sensíveis ao tema, talvez essa declaração tenha custado a eleição.
Para entender melhor essas flutuações teríamos que fazer algo pouco praticado durante a campanha, uma avaliação retrospectiva fundada em boa informação acerca das políticas públicas implementadas por democratas e republicanos, em especial nos governos Obama e Trump. O apoio ao republicano não é apenas resultado da mágica da comunicação, deriva também da tibieza das políticas democratas e dos acertos de Trump. Reforma do sistema criminal, política externa menos intervencionista, foco na economia e na criação de empregos, com bons resultados, ao menos até a pandemia.
A decisão das eleições primárias do Partido Democrata em nomear um candidato “centrista” para concorrer nessas eleições – ao contrário de uma opção mais radical do populismo de esquerda como Bernie Sanders – foi importante para unificar o partido (em especial o seu establishment) e angariar o apoio do eleitorado “cansado” da agitação radicalizada. Por outro lado, a figura moderada de Biden não se mostrou capaz de promover um grau de engajamento e mobilização do público à altura do seu adversário agitador, nem está claro ainda se seu discurso de união nacional conseguiu atrair eleitores de Trump. Essa diferença é importante em um contexto onde o voto não é obrigatório e, no caso particular das eleições deste ano, ainda mais desencorajado pela pandemia do coronavírus.
Mesmo assim, a moderação pode ter sido eficaz para para derrotar a agitação, mas não para desativá-la. E ainda não podemos assegurar como os EUA sairá dessas eleições, pois Trump continua sendo quem é. Há ainda o risco de o agitador perder e não aceitar sair, e as consequências disso poderão ser catastróficas. E mesmo que ele saia, o trumpismo – o negacionismo, o anti-esquerdismo, o desejo de retorno a um passado glorioso e mítico – ainda permanecerá em parcelas consideráveis da população.

O que tudo isso ensina para o campo democrático brasileiro, que tem de enfrentar a sua própria versão de agitador atualista? Desde o início da votação nos EUA, Bolsonaro disparou freneticamente uma série de tweets ressoando as alegações infundadas de seu ídolo sobre as eleições serem “fraudadas” a favor dos democratas, o que seria um risco para a “liberdade” e para o Brasil. Afinal, nosso agitador atualista tupiniquim sabe bem que a permanência de Trump é uma força de sustentação fundamental para ele. As relações entre EUA e Brasil deixaram de ser uma relação entre Estados, mas sim uma relação de “amizade” (leia-se emulação e, do nosso ponto de vista, subserviência) entre os chefes de turno da Casa Branca e do Palácio do Planalto.
Assim, e seguindo o estilo atualista de fazer política, Bolsonaro ressoa as afirmações sem fundamento de Trump, sem se preocupar com a veracidade e desprezando o princípio diplomático básico da impessoalidade. Mas Bolsonaro também tem seu próprio código “alternativo”, cujo enfrentamento é a tarefa prioritária das forças democráticas no Brasil, que deverá avaliar e tomar suas próprias escolhas para vencer o confronto. Assim como o trumpismo, nos Estados Unidos, o bolsonarismo é um fenômeno que não necessariamente depende da permanência de Bolsonaro no poder: ele mobiliza parcelas consideráveis da população através de seus discursos, que defendem o conservadorismo nos costumes, o liberalismo na economia, a luta contra “o sistema”, a religião e a admiração pelo militarismo.
Será que a aposta moderada e centrista será suficiente para derrotar o bolsonarismo aqui? Mesmo que por pouco? Ou, em nosso contexto particular, faz-se necessário redobrar a aposta na radicalização pela via da esquerda? Mesmo que a vitória de Biden seja confirmada, ainda não está claro qual das duas vias parece a mais indicada para o Brasil. Enfim, tudo indica um destino trágico da democracia liberal de “pequenas maiorias” em tempos de agitação atualista. Sem negar a nossa atual realidade, cabe a nós pensar e imaginar alternativas, por mais difícil que pareça ser em nosso atual nevoeiro e impregnados por uma sensação de asfixia. Além disso, a lentidão com que a apuração avança em alguns estados decisivos promete nos deixar hipnotizados pelos mapas eleitorais na expectativa da atualização decisiva.
(*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Ambos são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto, em Mariana (MG). Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição. Agradecemos à Márcia Motta e ao grupo Proprietas pelo apoio e interlocução nesse projeto.
[1] https://noticias.uol.com.br/colunas/thais-oyama/2020/11/04/o-eleitor-oculto-de-trump-e-o-novo-erro-dos-institutos-de-pesquisa.htm
[2] PEREIRA, Mateus; MARQUES, Mayra; ARAUJO, Valdei. Almanaque da COVID-19: 150 dias para não esquecer, ou a história do encontro entre um presidente fake e um vírus real. Vitória: Editora Milfontes, 2020.
[3] Usamos aqui um neologismo para dar conta da diferença que em inglês é mais clara entre a produção deliberada de notícias falsas (disinformation) e sua disseminação involuntária (misinformation).
[4] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/07/20/trump-muda-discurso-e-agora-diz-que-usar-mascara-e-patriotico.htm
[5] EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algorítimos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019.
[6] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/10/quase-sete-em-cada-dez-americanos-relatam-transtorno-do-estresse-eleitoral.shtml
[7] https://br.noticias.yahoo.com/em-pronunciamentos-biden-prega-calma-e-trump-faz-acusacao-de-roubo-065922289.html
[8] https://www.aljazeera.com/news/2020/9/12/biden-battles-trump-lack-of-enthusiasm-among-black-voters
Feminismo
Que tal ajudar Mariana Ferrer a obter Justiça?
Não basta lacrar. Um chamamento a todas as feministas e a todas as mulheres para que enfrentemos a misoginia dos tribunais brasileiros
Publicadoo
5 anos atrásem
05/11/20
A reportagem do Intercept Brasil sobre a denúncia de estupro da influencer Mariana Ferrer tornou-se viral nas redes. Sob o título JULGAMENTO DE INFLUENCER MARIANA FERRER TERMINA COM SENTENÇA INÉDITA DE ‘ESTUPRO CULPOSO’ E ADVOGADO HUMILHANDO JOVEM, o texto da repórter Schirlei Alves serviu de base para milhares e milhares de postagens sobre a excrescência jurídica que teria embasado a absolvição do empresário André de Camargo Aranha. Até as 15h30 de ontem (4/11), o Google devolvia 781.000 resultados, quando se procurava pela expressão “estupro culposo”. Memes, charges, textões e textinhos foram produzidos em escala industrial para provar que um estuprador havia conseguido sentença absolutória graças a uma invencionice jurídica obrada pela Justiça, com vistas a proteger um macho branco, amigo de poderosos e, ele mesmo, “filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, que já representou a rede Globo em processos judiciais”, segundo a reportagem do Intercept.
Lida toda a sentença de 51 páginas do juiz do caso, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, entretanto, constata-se que, em nenhum momento da sentença é dito que houve “estupro culposo” contra a jovem. Ao contrário, é dito que não existe essa tipificação e que o estupro é necessariamente doloso. Portanto, está errada a formulação do título do Intercept Brasil.
Está tão errada que o próprio site The Intercept Brasil foi obrigado, às 21h54, nada menos do que 19 horas e 50 minutos depois de publicada a história, a fazer uma “atualização” que diz assim:
“A expressão ‘estupro culposo’ foi usada pelo Intercept para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. O artíficio é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo.”
O Intercept faz como a música de Tom Zé: “Eu tô te explicando pra te confundir. Eu tô te confundindo pra te esclarecer.” Uma explicação que confunde. E, sim, o Intercept disse que a sentença inédita baseou-se no “estupro culposo”.
É só ler o título indigitado de novo:
JULGAMENTO DE INFLUENCER MARIANA FERRER TERMINA COM SENTENÇA INÉDITA DE ‘ESTUPRO CULPOSO’ E ADVOGADO HUMILHANDO JOVEM
Com as redes ajudando a espalhar a bobagem, todo mundo louco atrás de cliques, de “bombar”, da lacração, poucos deram-se ao trabalho de ler a sentença que, sim, absolveu o réu André de Camargo Aranha por “falta de provas”.
Uma pena.
Se, em vez da lacração, tivessem mirado no fato em si da absolvição do crime de estupro “por falta de provas”, talvez tivessem ajudado muito mais. Sabe-se que a cada 8 minutos uma mulher ou menina é estuprada no Brasil. Mas a maior parte desses crimes jamais será nem sequer investigada pela falta de indícios e elementos probatórios, já que ocorrem escondidos e, preferencialmente, sem testemunhas.
Mariana Ferrer, diz a sentença, não conseguiu provar a acusação que fez contra André de Camargo Aranha. Será? Está na sentença que o exame toxicológico não apontou o consumo de substâncias estupefacientes, como seria de se esperar se ela tivesse ingerido involuntariamente alguma droga do tipo “Boa Noite Cinderela”. A maioria das testemunhas ouvidas, várias mulheres inclusive, disse que a vítima não cambaleava e que não parecia dopada. As câmeras internas do Café de la Musique, onde teria ocorrido o estupro, mostram Mariana Ferrer subindo para um camarote e descendo, seis minutos depois, sem necessidade de ajuda (e de salto!!!!, como faz questão de ressaltar a sentença). Teria transcorrido nesses seis minutos o crime de estupro, de que Mariana Ferrer não tem memória.
Mas Mariana Ferrer diz ter inúmeras provas irrefutáveis do estupro e que nem sequer foram levadas em consideração pelo julgador.
E, no entanto, todas as mulheres sabem da dificuldade de “provar” a violência sexual, quando ela ocorre entre quatro paredes, sem testemunhas. Mariana Ferrer não seria exceção. Nos trechos da vídeo-conferência que foi o julgamento, assombra a solidão da menina que denuncia, vítima de outros homens violentos, que a acusam de ser (ela sim), um monstro querendo prejudicar a reputação de um “pobre milionário”.
Como sempre acontece, a vítima deixa de ser vítima para se transformar no monstro sensual e ardiloso que precisa ser contido. A qualquer custo.
A verdade é que Mariana Ferrer estava sozinha.
Desde o dia em que alega ter sido estuprada (15/dezembro/2018), Mariana Ferrer tem pedido ajuda pelas redes sociais e tem narrado todo o sofrimento e a depressão que a assolam em decorrência do fato.
Quem foi ajudá-la a reunir provas? Quem foi ajudá-la a colher testemunhos que aumentassem a credibilidade de sua acusação? Quem foi ao Café de la Musique, onde ocorreram os fatos julgados, procurar indícios de que ali funcionaria um “abatedouro” de meninas destinadas ao gozo masturbatório de machos alfa? Quem?
Ou achamos razoável condenar alguém sem elementos probatórios que apoiem a denúncia?
Não, não é razoável.
Apenas a voz da vítima não pode embasar uma condenação. E quem defende isso precisa saber que abdicar de provas é apenas a reedição do velho punitivismo, é vingança. Não é Justiça. Pior, resultará na condenação sem provas dos mesmos criminalizados de sempre: os pretos, pobres e periféricos.
A única forma de evitar a perpetuação desse ciclo perverso requer de nós nós, feministas, que encaremos o estupro, cada estupro, como um problema nosso!
Temos de ajudar as vítimas a robustecer as provas da violência que sofreram. Temos de afrontar a Justiça machista, exigindo a presença de mulheres no julgamento. Tem de ser um trabalho nosso enfrentar a misoginia cuspida e escarrada de gente como Cláudio Gastão da Rosa Filho, o advogado de defesa de André de Camargo Aranha, que humilhou e ofendeu Mariana Ferrer enquanto exibia fotos dela que nada tinham a ver com o processo! Que nenhuma mulher mais tenha de enfrentar um julgamento de estupro apenas diante de homens, na solidão absoluta, como acontecia com as antigas feiticeiras.
Temos de incentivar a solidariedade entre nós, mulheres, para que acolhamos as vítimas, em vez de fingir que se trata de um problema só delas. Não há mulher ou menina que não tenha sido atacada ao menos uma vez em sua vida pela violência sexual. E nós sabemos disso em nossos próprios corpos!
É o pai, é o tio, é o avô, é o tarado que mostra o pinto para a adolescente, é o abusador que se acha no direito de ejacular na mulher dentro do trem lotado…
Temos de organizar o “Socorro Feminista”, para apoiar as mulheres que decidem denunciar a violência sexual.
Os tribunais brasileiros são câmaras de tortura contra mulheres, negros, indígenas e pobres em geral. As cenas de humilhação de Mariana Ferrer não são, infelizmente, exceções. São a regra.
É preciso atuar sobre esse front.
Então, precisamos entender que não se trata de um problema privado de Mariana Ferrer o desenlace de sua denúncia. É de todas nós!
Lembro da França, em 1971, quando uma mulher foi presa e julgada pelo crime de aborto, na época punível com a pena de morte pela guilhotina!
Em vez de “solidariedades”, textões de repúdio, e essas lacrações inúteis, 343 mulheres, entre elas as atrizes Catherine Deneuve e Jeanne Moreau, assinaram o manifesto escrito por Simone de Beauvoir, e assumindo que haviam feito, elas também, um aborto. A força desse texto e a coragem das signatárias empolgaram intelectuais como Françoise Sagan e Annie Leclerc, jornalistas conhecidas, de muitas feministas, a começar por Antoinette Fouque, da advogada Gisèle Halimi ou ainda da deputada socialista Yvette Roudy. Todas declararam ter realizado um aborto, como forma de quebrar o tabu de uma injustiça social.
A Justiça no Brasil é machista, é racista e é classista. Só incidindo juntas sobre ela será possível mudar esse regramento que sempre condena a vítima e libera o agressor.
Mariana Ferrer deve recorrer da sentença em primeira instância. Agora, é organizar a luta para mudar o rumo da História. Quem se dispõe?
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