“O partido deve ser um instrumento dos movimentos sociais”. Entrevista com André Machado, novo presidente do PT de Curitiba

Foto: Leandro Taques

Por Davi Macedo, Gibran Mendes e Manoel Ramires, com fotos de Leandro Taques, especial para os Jornalistas Livres

 

André Machado Castelo Branco. Esse é o nome que comandará o PT de Curitiba nos próximos anos. Dirigente sindical, foi candidato a vereador por duas vezes. Na primeira, em 2012, fez 3.211 votos e na eleição seguinte, em 2016, foram 3.986. Formado em história pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em tecnologia do trabalho pela UTFPR, Machado tem uma missão considerada pr lá de difícil. Organizar o partido na cidade que virou sinônimo de resistência contra o PT: Curitiba.

 

O novo dirigente foi aclamado neste domingo (9) em uma eleição com chapa única. Resultado da articulação de diversas correntes em torno de um nome que possa agregar forças sem a disputa das forças internas do partido. André, aliás, diz não ser de nenhuma corrente específica, mas de um movimento que prega a reorganização do partido em torno de suas bases. “O partido é que deve servir de sustentação para os movimentos sociais e não o contrário”, enfatizou durante a entrevista.

 

Lava-jato, Sérgio Moro, jantares com empresários da mídia, Lula em 2018, mobilizações em Curitiba em busca das diretas e agora em busca da direita, tudo entrou na pauta e Machado não fugiu das perguntas.

 

Ele recebeu, na sede estadual do partido, os jornalistas Davi Macedo, Gibran Mendes, Leandro Taques e Manoel Ramires para uma entrevista onde falou dos seus planos para o PT, sua visão da atual política e sobre como renovar o partido voltando para suas bases.

 

Jornalistas Livres: Você assumirá o comando do PT na cidade que se autointitulou de “República de Curitiba”. É algo semelhante a presidir o  partido de oposição ao regime na Coreia do Norte?

 

André Machado: (risos). Eu vejo que passamos por um processo intenso de ataques ao partido, que continua existindo, mas estamos em uma situação diferente. Estamos em uma situação onde o governo começa a mostrar a que veio. O golpe começa a mostrar seu real conteúdo político e as reformas apresentadas são tão intensas que o povo começa a compreender de fato o que está acontecendo no País.

 

Tivemos a primeira grande medida que foi a PEC que corta os gastos sociais por 20 anos. Mas para a população em geral isso é muito nebuloso, de difícil compreensão sobre quais serão os reais impactos em suas vidas. Mas quando isso chega à Reforma da Previdência e fazem a conta, vendo o tempo a mais que deverão trabalhar antes da aposentadoria, começa a cair a ficha.

 

É inegável que o PT passa por um processo difícil e em Curitiba é muito mais difícil que no resto do Brasil. Aqui é o epicentro de todo esse desgaste do PT por conta da Lava-Jato. É verdade também que há uma oportunidade de retomada, que aqui existe resistência. Creio que é esse contraponto que me motiva, que me anima a assumir o PT nesse momento. Esse discurso de vítima não funciona, precisamos fazer uma retomada dos princípios do partido e voltar a organizar as bases sociais.

 

Foto: Leandro Taques

 

Jornalistas Livres: Mas isso não está atrasado? Esse discurso de retomada vem há tempos. E ainda: existe esquerda em Curitiba? Nos atos são sempre as mesmos e não há pessoas diferentes…

 

André Machado: Existe um processo. O PT passou por um processo diferente nos últimos 13 anos. Foi assumido um discurso de que tudo se resolvia dentro do estado e obviamente isso tem consequências na organização popular do partido. Todas as lutas sociais de massa que participamos, e foi ali que comecei a minha militância, no final do governo FHC, nas lutas que fizemos contra a venda da Copel (Estatal de Energia Elétrica do Governo do Paraná que Jaime Lerner tentou privatizar em 2001) por exemplo, foram lutas de massa. No próprio movimento estudantil, quando fizemos luta contra a privatização das universidades, naquele período do Lerner, existia uma esquerda mobilizada. Existia massa na rua para lutar pelas pautas da esquerda, por um outro modelo de desenvolvimento, por outras pautas sociais. Isso ficou adormecido. Mas não significa que não seja possível resgatar. Curitiba já foi palco de grandes manifestações, mesmo antes dessas…

 

Jornalistas Livres: Continua sendo?

 

André Machado: Continua sendo, mas com pautas conservadoras, principalmente. É possível que essas mobilizações populares sejam resgatadas? Eu acredito que sim. Até por conta do que falei. Acredito que a situação concreta e objetiva das pessoas leva à resistência. É o papo que está rodando no ônibus. A discussão hoje não é somente a Lava-Jato, sem desconsiderar sua influência, mas a pauta é: vai acabar a aposentadoria no País, principalmente para os mais pobres.

 

Então, é isso. Existe hoje um novo caldo e desse novo caldo é possível retomar essa mobilização. Acredito que não é tarde. Existiu um discurso durante os 13 anos de governo do PT de que era possível fazer uma conciliação. A direção do PT alimentou isso, de que era possível fazer um acordo com o Sarney, com algumas oligarquias locais, com o PMDB, para manter uma governabilidade. Esse discurso acabou. Com quem vai fazer o acordo?

 

Jornalistas Livres: Você fala que esse período acabou, mas o que vemos na prática é o contrário. O que vemos em certas lideranças do PT é a continuidade desta tentativa de conciliação e de alianças com a direita, como aconteceu no caso de eleições em mesas diretoras nas casas legislativas, até mesmo no Senado e na Câmara. Isso mostra uma diferença do que a militância pede e o que as decisões políticas mostram. Acrescento: como o diretório municipal pode atuar neste sentido?

 

André Machado: Quando eu digo que acabou é porque não há mais condição de alimentar um discurso de que essa conciliação pode apresentar resultados positivos, ou seja, aquele discurso que ouvíamos muito: “é necessário fazer um grande acordo para que possamos implementar políticas positivas para a população”. Era esse o discurso da governabilidade. Isso não tem mais espaço, isso acabou. Não significa que as pessoas que estão hoje na cúpula do partido, ou estão assumindo mandatos no congresso, senadores e deputados, mudaram sua concepção. Eu acredito que muitos continuam errando.

 

Por isso neste processo de discussão do PT nós temos que discutir uma nova direção nacional. Nessa questão toda, fizemos um acordo aqui em Curitiba por uma direção municipal que tem essas questões como princípio: a mudança dentro do partido em relação à política de alianças, o papel que o PT deve desempenhar nesse período, como ele deve se organizar, radicalizar a democracia interna do partido “nucleando” o PT. Tudo isso são os acordos que chegamos para que pudéssemos ter somente uma chapa. É uma chapa de mudança, não de continuidade. Mas isso do ponto de vista nacional ainda é um debate a ser feito.

 

Jornalistas Livres: Você é identificado como um militando da corrente do Trabalho, minoritária dentro do partido. Como fazer um acordo para que alguém deste grupo possa comandar o partido em Curitiba?

 

André Machado: Eu não sou dessa corrente, que tem sua própria organização e dinâmica, mas que construiu junto neste processo. Nós temos um grupo chamado “PT Novo de Novo”, que é um agrupamento dentro do partido que tentou impulsionar esse debate de mudanças e aglutinou várias lideranças, lideranças importantes e lideranças populares do partido. Nós indicamos algumas direções zonais importantes, temos uma influência dentro do PT de Curitiba.

 

A primeira coisa que fizemos foi lançar um documento colocando as críticas a esse caminho que o PT assumiu nos últimos anos e propondo uma mudança de rumos. Tivemos a adesão de muitas lideranças importantes aqui de Curitiba e a partir desse texto começamos a discutir a chapa, que vem a partir de um processo de debate político desse manifesto. Democratização do partido e retomada do PT como um instrumento de organização da classe trabalhadora. Porque o que colocamos como um sintoma desse PT que foi se burocratizando aos poucos é que as lideranças do partido passaram a compreender a democracia a partir, somente, da disputa do Estado.

 

Isso leva a uma adaptação ao sistema político como ele é hoje, um sistema apodrecido, mas é o que temos. Então, a partir do momento que se vê como única forma de democracia a disputa  do estado, você começa a compreender os movimentos sociais como um instrumento do partido passa a ter uma visão de instrumentalizar o partido a partir dos movimentos sociais para conseguir voto. É simples assim, não é? Porque a lógica é essa. É o que está incutido como lógica de construção da democracia.

 

O que estamos propondo é uma inversão disso. O movimento social não pode ser instrumento do partido, o partido é que deve ser um instrumento dos movimentos sociais. Então, quando você pensa a lógica assim, o que você entende? Que inclusive a disputa eleitoral deve servir para a disputa real que está sendo feita da luta de classes, da luta popular nos bairros, dos sindicatos que estão lutando para ter reajustes salariais, condições de trabalho. Essa inversão é que estamos propondo, é o PT da década de 80, o princípio do partido.

 

Jornalistas Livres: Mas como fazer isso na prática, a partir de um diretório municipal?

 

André Machado: Eu vejo dois papéis. O primeiro deles é na disputa do congresso estadual. Não está definido o que será do PT. Nós fazemos parte deste processo que vai discutir a mudança de rumo do partido. Esse é um primeiro aspecto. O segundo é que estamos em uma das principais capitais brasileiras. Não é um lugar qualquer, uma “cidadezinha”, que não fará diferença no cenário nacional. Eu acredito que temos um papel importantíssimo no cenário nacional.

 

Por ter esse papel importante, mesmo que no diretório nacional ainda tenhamos questões não alteradas que desejamos mudar, creio que possamos fazer a diferença aqui para que apareça como exemplo para os militantes. Eles querem essa retomada do PT. Basta ver o que aconteceu quando a maioria dos deputados desejava fazer um acordo para eleger o Rodrigo Maia. Mas por não terem coragem de aprovar, eles jogaram essa decisão para o diretório nacional, que por sua vez, devolveu para os deputados. Mas por conta da mobilização que aconteceu na base do partido – que foi impressionante, com reuniões, plenárias, atos em todos os lugares do Brasil – a bancada dos deputados decidiu votar contra.

 

Esse movimento “Petista Não Vota em Golpista” foi um movimento de baixo para cima, que mudou uma posição. É verdade que alguns deputados não votaram no candidato que o PT apoiou? É verdade. Na matemática você vê isso. Mas é secundário nesse processo. O principal é que quando a base se movimenta e impõe sua vontade, nós conseguimos fazer as mudanças que o PT precisa. Porque precisamos desse instrumento, o PT está construído.

 

O PT é um instrumento fabuloso. Tem 1,7 milhão de filiados. É o principal instrumento de transformação na América Latina e um dos principais do mundo. Não podemos abrir mão disso, mesmo que tenhamos crítica, que tenha problemas. O que precisamos é trabalhar para tentar mudar e essas mudanças eu acredito que podemos implementar em Curitiba, fazendo diferente, construindo uma forma de organização mais interessante. Mostrar como exemplo e participar desse processo de disputa nacional.

 

Jornalistas Livres: Mas insistimos e na prática? Como fazer isso? O André, presidente eleito do PT de Curitiba, chega no diretório pela manhã, senta na cadeira e muda isso como?

 

André Machado: Eu não acho que é o André. Foi um acordo em todas as correntes organizadas do partido aqui [em Curitiba], entre todas as lideranças regionais do partido, de que esse seria o nosso objetivo nesse mandato.

 

Nós tivemos um mandato passado que teve vários avanços, com mudanças importantes, mas em um momento difícil de organizar o partido. O momento era de encontrar uma saída. Era muito difícil. Mas existia essa busca por uma unidade, uma tentativa de caminhar junto e que se concretizou agora.

 

Acredito que não é o André. É um novo diretório que está sendo eleito com 112 membros que vão buscar “renuclear” o partido, principalmente, a partir das zonais. O que significa isso? A ideia é que a pessoa não seja só filiada ao partido, mas que ela viva o partido e o utilize para se organizar a partir de suas lutas.

 

As zonais têm papel geográfico. Já os núcleos funcionam com os militantes de uma certa região, de uma certa rua, de uma certa categoria profissional, que tenham afinidades e desejem se reunir porque tem uma disponibilidade de horário ou pauta em comum. Eles se encontram e discutem. Precisamos dar política para esses núcleos discutir. É isso que falta. Precisamos estimular, dar um filme para debaterem, um texto para lerem e debaterem, sobre a reforma da previdência, sobre a conjuntura. Precisamos estimular pautas, propor agendas e os núcleos vão surgindo. As pessoas querem se organizar.

 

Foto: Leandro Taques

 

Pergunta: Qual o projeto para o partido? Não é preciso discutir plataformas, além de nomes como vem sendo declarado exaustivamente o nome de Lula?

 

André Machado – Eu acredito que o Lula dentro do PT é um nome inquestionável. Não só pela história dele, mas do ponto de vista pragmático eleitoral. Ele tem uma capacidade eleitoral que nenhum outro filiado ao partido no Brasil inteiro tem. Então, eu não acredito que a questão seja questionar a candidatura do Lula, que está colocada e vai ser importante para o partido em 2018, e que está sendo duramente atacada para que ela não possa ocorrer pelo golpe que está colocado no país. Temos que ter clareza disso. Agora, eu acredito que transformar o congresso do partido, que justamente é aonde podemos definir isso, para definir que caminho vai o PT.

 

A gente está discutindo isso. Qual vai ser o projeto de Lula 2018? Qual é o projeto econômico que nós queremos? Quais vão ser as estratégias de organização do partido? Porque se não é a conciliação, tem que mudar alguma coisa. Se você não faz um acordo com o PMDB, você tem que fazer um acordo com alguém para poder governar. Na nossa concepção, esse é um acordo estreito com os movimentos sociais. Quando queremos aprovar alguma coisa, e sempre foi assim, mesmo nos governos Lula e Dilma, para aprovar alguma coisa e passar no Congresso Nacional, o que definiu foi a mobilização.

 

Foi parar carro de som na frente da casa de deputado, foi fazer mobilização de rua, enfim, é isso que define, muito mais do que fazer um grande acordo nacional. Eu acho que a grande disputa nesse congresso do PT, onde pode-se discutir os rumos, é um setor querer transformar o congresso em um lançamento da campanha do Lula 2018 sem conteúdo, abandonando o que é imediato. Porque a gente tem que passar por 2017.

 

Esse é o problema, nós temos que atravessar 2017 e esse ano é fundamental, porque se perdemos a previdência, se passa a reforma trabalhista, e ela vai ser brutal. Porque liberar, como o Rodrigo Maia tá dizendo ou como o Temer está dizendo, as terceirizações como está proposto, é muito brutal para o mundo do trabalho. Vai ser terrível, é muito acelerado o processo de retirada de direitos. O terceirizado não só ganha menos, mas tem uma organização muito mais frágil do ponto de vista sindical. A partir do momento que se permite também que o negociado prevaleça sobre o legislado, em organizações frágeis como é a dos terceirizados, você contrata sob qualquer regime. Estamos rumando na prática para um regime de trabalho extremamente precário.

 

Deixar passar tudo isso, em nome de um projeto de 2018 que vai fazer uma política diferente, é uma irresponsabilidade. O que temos que colocar hoje é o Fora Temer. Temer tem menos de 10% de aprovação, é menos do que Dilma no seu pior momento de avaliação. Ele anda numa corda bamba, se o PT empurrar ele cai. O que a gente não pode é abandonar a pauta que está na rua e que está na boca do povo, que é o Fora Temer. O Fora Temer é importante hoje não só porque teve o golpe e tiraram a Dilma da Presidência, mas porque se ele continuar vão passar todos esses projetos de aniquilação da classe trabalhadora. Os laços da classe trabalhadora se dão pelos seus direitos também. A capacidade da classe trabalhadora para poder impor um projeto diferente para o Brasil passa também por defender os seus direitos que estão constituídos, porque se não houver direitos a gente vai caminhando para um processo de desagregação social tão violento que não consegue nem mais se ter uma relação de classe entre os trabalhadores.

 

Jornalistas Livres: Sobre essa campanha difamatória contra o PT que sempre existiu, desde a fundação do partido, mas que foi intensificada no governo Dilma e arranhou a imagem do partido. Como pode ser recuperada a credibilidade que o PT tinha no final da década de 90, a pujança social que o partido tinha?

 

André Machado: Não é o debate de se igualar aos outros que vai recuperar a imagem do PT. Nem é tanto por se fazer o debate que é imposto pela Lava Jato. O PT ganhou uma audiência na massa por conta das suas decisões políticas corretas de se alinhar de forma correta na década de 80 e conseguiu estabelecer raízes na classe trabalhadora, principalmente por conta do processo de diretas já, naquele momento de redemocratização do país, o PT teve um papel fundamental quando ele recusou o colégio eleitoral, ali o PT ganha massa. Acredito que a saída hoje também é a partir da política. Se o PT tiver uma política certa hoje, se o PT tiver uma política que as pessoas compreendam que está do lado delas, ele vai retomar o prestígio que já teve e que vai ter no futuro se tomar as decisões certas. O problema é se o PT não acordar. Se continuar repetindo a fórmula que foi aplicada nos governos que passaram, a gente não conseguir dar essa guinada.

 

Foto: Leandro Taques

 

Jornalistas Livres: Me parece um pouco mais difícil agora, porque no final da década de 90 existia uma sensação de grandes anseios sociais, inclusive por meio da política. Agora que parece que a campanha contra o PT fez com que as pessoas desacreditassem na política. O que se escuta hoje do cidadão comum é nem direita, nem esquerda, tudo ladrão. Um discurso construído justamente por quem de fato é ladrão. Isso não torna a recuperação mais complicada?

 

André Machado: Está difícil não só por isso. Acredito que isso contribui, mas, por exemplo, quando a Dilma indicou o Levi e o Barbosa para comandar a economia do país, o que ela estava mostrando para as pessoas, que só existe um caminho. E o caminho era o que o Aécio estava dizendo na eleição, inclusive. Foi ao contrário da plataforma da campanha da Dilma. O que eu acho que as pessoas dizem que é tudo igual, elas dizem que é tudo igual porque, do ponto de vista político, mesmo que hoje a gente veja claramente que a velocidade do processo é muito maior com o Temer, sem dúvida nenhuma, mas a gente vê que o caminho também estava sendo apontado desde o final de 2013 até o impeachment também era um caminho errado.

 

As pessoas olham e veem que do ponto de vista político só tem uma saída e todo mundo diz a mesma coisa e do ponto de vista ético atacam o PT através da mídia dizendo que o PT é o partido da corrupção e tal, aí as pessoas realmente confundem. A saída para tudo isso está justamente na política. Se as pessoas enxergarem o PT fazendo uma política de fato diferente e é esse o nosso desafio enquanto direção que vai assumir o partido, eu acredito que as pessoas retomem a confiança no PT. O partido já teve essa confiança, principalmente daqueles que foram mais favorecidos pelos governos do Lula e da Dilma. Precisamos retomar a confiança dessas pessoas. Acredito que um ponto é esse, apresentarmos uma política responsável, com os anseios da classe trabalhadora; o outro é recusarmos esse sistema político.

 

Jornalistas Livres: Qual é o peso da comunicação para a recuperação da imagem do PT e quão estratégica é ou deveria ser a comunicação para o partido? E quando a esquerda vai ter a Folha de São Paulo dela?

 

André Machado: Quando se fala em estratégia, a comunicação sozinha não responde. Então a gente precisa reencontrar um caminho, que aí a gente encontra aonde quer chegar. A partir do momento que a gente sabe aonde quer chegar, nós buscamos comunicar para as pessoas o que a gente quer. O problema da comunicação do PT nesse período de governo é que se perdeu aonde se queria chegar. O que se produziu nesses anos todos de governo? Se produziu políticas interessantes do ponto de vista da educação e saúde, o Estado foi gerido de uma forma muito mais republicana.

 

Se você for ver hoje como estão as estruturas dos ministérios, você percebe a diferença brutal entre os governos. Agora, você não mudou as estruturas e a gente perdeu isso, perdeu a discussão sobre a estrutura política. A própria rediscussão das instituições que estava coloca ficaram intactas. Então, acredito que nesse debate de comunicação a gente precisa resolver juntos aonde queremos chegar. Precisamos ter um debate estratégico novamente sobre o PT. Qual que é a estratégia petista? A gente ainda acredita no socialismo? E se a gente ainda acredita no socialismo, a mudança mais radical, mais estrutural da sociedade, qual que é o caminho para se chegar lá? Mesmo aqueles que não acreditam mais no socialismo, mas são críticos ao capitalismo, como faremos para reduzir os danos que esse sistema econômico produz, as desigualdades sociais que ele produz?

 

Eu acredito que hoje no Brasil nós temos uma tarefa fundamental que é a discussão da Constituinte.  Retomar esse debate, porque como é que nós vamos fazer essas mudanças com esse Congresso que está aí? Ou com esse modelo de financiamento eleitoral? Ou com essas estruturas das instituições que impedem que se faça qualquer mudança? Então, a gente precisa retomar esses debates, uma Constituinte para uma reforma política, uma Constituinte soberana onde se elejam deputados constituintes para fazer esse debate, para poder aprovar uma mudança na estrutura política do país. Sem isso eu acho que não vai mudar nada. As pessoas vão se reeleger na próxima eleição de 2018 sobre a mesma base. Aí entra a discussão da comunicação. O PT governo, mesmo com os pontos positivos do governo Lula, mas o Lula mais que a Dilma acreditou nessa conciliação com os grandes meios de comunicação.

 

Jornalistas Livres: Você acredita nessa conciliação?

 

André Machado: Eu acredito que ela é impossível. Os caras têm lado. É claro que a gente não pode abrir mão de escrever um artigo de um jornal desses de grande circulação, de disputar espaços, de dar entrevistas. Não sou radicalmente contra, mas é claro que páginas amarelas da Veja eu acho que já é um exagero, mas acredito que são espaços que têm que ser disputados nessa microesfera pública, porque não é uma esfera pública que nós temos no país. No entanto, é uma inocência acreditar que a partir disso a gente comunica, que a gente consegue dialogar do ponto de vista ideológico, que a gente consegue fazer contraposição a esse discurso que está colocado das classes dominantes.

 

Existem elites dominantes no Brasil. Quando se abandonou o discurso de luta de classes, eu acho que a direção do PT por um momento achou que isso não existia mais, o impeachment só que foi dar um banho de água fria em muita gente, quando se esqueceu da luta de classes, se acreditou que a classe dominante no país não tinha posição ideológica, não tinha seus meios de comunicação, não comunicava com seus aparelhos ideológicos. Acredito que precisa sim constituir um novo projeto, um projeto com retomada dos princípios da década de 80, aqueles princípios de fundação do PT, e nós precisamos aprender a comunicar. Ter um jornal de alcance nacional eu acredito que hoje é uma necessidade central do PT. Se ele quer comunicar ele precisa ter um jornal nacional. Precisa ter um portal incrível que tenha uma posição mais à esquerda.

 

Jornalistas Livres: Institucional?

 

André Machado: Precisa ser um jornal amplo, com jornalismo que vá cobrir a realidade política, o cotidiano, enfim, que vá fazer suas matérias baseado numa linha editorial progressista. Uma linha editorial que de certa forma a Carta Capital faz. Com todas suas peculiaridades, como o Brasil de Fato, ainda muito incipiente, muito menor do que a nossa necessidade, apesar de ser o caminho. A gente precisaria ter um jornal Brasil de Fato com dimensões nacionais. Ele é amplo, tem uma linha editorial que busca agregar setores mais progressistas. Eu acredito que o problema é de escala. Tem aquela discussão se teria que ser de papel ou não, mas acredito que as pessoas ainda leem o papel.

 

Foto: Leandro Taques

 

Jornalistas Livres: Mas a discussão não é mais ampla do que apenas um jornal?

 

André Machado: Eu falei um negócio que não é verdade. Assim, o PT não tem um jornal, não é? Eu acho que as coisas têm que se combinar. Tem que ter esse jornal como o Brasil de Fato em escala nacional, que a gente possa estar distribuindo para o povo, enfim, que chegue no povo, por meio digital ou por meio impresso e precisa ter a comunicação do partido. Não precisamos ter a ilusão de que os meios de comunicação numa sociedade capitalista vão reproduzir as ideias que não são hegemônicas. Quem tem o domínio do mundo econômico, tem o domínio do mundo espiritual, como dizia o Marx. Tem o domínio do mundo das ideias. A gente não pode ser idealista, achar que teremos uma mídia progressista em um sistema econômico conservador, capitalista, não vai ter…

 

O que a gente precisa é constituir nossos instrumentos de comunicação e construindo unidade com amplos setores para além do PT. Também ter um bom instrumento dentro do PT que comunique a sua estratégia, que passa pela organização popular. Em Curitiba, entendo que a gente pode ter um jornal com essa pauta. Um veículo que ajude a organizar o povo pela luta pela regularização fundiária, pela luta do transporte, da saúde. A cidade já teve um movimento muito forte na saúde e o partido era o coração nessa luta. Mas antes, a gente precisa entender onde a gente quer chegar. Consequentemente, a gente vai comunicar e envolver as pessoas.

 

Jornalistas Livres: Queria a sua opinião sobre o juiz Sérgio Moro. A postura dele é parcial e inquisitória? E como está sendo preparada a recepção para o presidente Lula, que deve depor no dia 3 de maio em Curitiba.

 

André Machado: A Lava Jato cada vez mostra que tem entre seus objetivos o desgaste do PT. Esse é um dos seus panos de fundo: a disputa política. Evidente que a operação nasce devido a problemas da estrutura política em que o partido se envolveu, como todos outros partidos também se envolveram. Afinal, as últimas campanhas políticas foram bilionárias e alguém financiou isso tudo. Quem tem estrutura para isso são as grandes empreiteiras. E quem paga a banda escolhe a música. O “retorno” dado em âmbito federal ou estadual foi manter um sistema de privilégios para essas empresas. Quanto ao Moro, ele parte de um problema real, mas se restringe a condenar o PT.

 

Essa seletividade da Lava Jato condiciona o resultado. A gente sabe que todos os partidos tiveram relações com as empreiteiras, mas apenas a campanha do PT está sendo criminalizada. E, na maioria das vezes, se percebe que não houve enriquecimento das pessoas. Bem diferente de Eduardo Cunha, de outros que receberam dinheiro em paraísos fiscais. A gente percebe que os delatados próximos ou do PSDB não sofrem as consequências. Portanto, para mim, a operação é um tribunal de exceção. Todo esse processo ocorreu para criar uma base social e legitimar o impedimento da presidente Dilma e aplicar esse caminho político e econômico adotado por Michel Temer. Do PT, é evidente que quem roubou deve pagar pelo o que fez. Só que o problema não é esse. A questão é acreditar que a operação pune quem roubou. Isso é uma ilusão.

 

Quanto ao Lula, eles vivem esquentando denúncias contra o presidente. É até um clichê no Brasil. A direita tenta desmoralizar as lideranças não pelo caminho da disputa política ou ideológica, mas a partir de questões pessoais, questionando valores éticos. É muito baixo. Portanto, a vinda do Lula, para nós, vai ser um dia para se marcar um processo de defesa da democracia. O que temos visto nesse país são direitos sendo desrespeitados, como no caso do Lula, que teve a condução coercitiva. Portando, na vinda do Lula, nós vamos reafirmar a bandeira democrática, independente de partido político.

 

Jornalistas Livres: Mas definindo o perfil do Moro. Qual é a sua percepção sobre ele?

 

André Machado: Ele é um instrumento que serve a um propósito que se utiliza do seu cargo e de instrumentos que ele tem para atacar o PT. Moro é o cara que não investiga o Aécio Neves, mas pune com rigor o José Dirceu.

 

Jornalistas Livres: Mas você o define como uma pessoa com perfil à direita?

 

André Machado: Eu tenho convicção que ele é conservador de direita que está atacando o PT por conta de um projeto maior. As motivações mais íntimas dele, não posso especular.

 

Jornalistas Livres: A Dilma Rousseff foi muito crítica, ainda no seu primeiro mandato, por participar de jantares comemorativos de donos dos grandes veículos de comunicação.  Recentemente, o Chico Alencar foi criticado por beijar a mão do Aécio Neves. Você iria em um jantar de aniversário de um Lemanski (família empresarial do Paraná, dona da RPCTV, filiada da Rede Globo)?

 

André Machado: Eu já vi políticos – inclusive do PT – posando para colunas sociais com esses figurões da mídia e do empresariado paranaense. Eles acreditavam que podiam fazer parte desse campo, que seriam aceitos por essa turma. Eu não tenho essa vontade, nem essa ilusão. Eu prefiro jantar com os militantes do partido, dos sindicatos e dos movimentos sociais. Eu acredito que muitos mudaram a partir desses pequenos gestos.

 

Foto: Leandro Taques

 

Jornalistas Livres: Qual é a sua história com o PT e porque não deixou o partido em momentos críticos.

 

André Machado: Eu entrei no PT em 1999, aos 18 anos. Meu pai e minha mãe eram petistas, sendo que meu pai foi dirigente da CUT. Logo, eu vivo o PT desde criança. Eu dormia nos sofás dos militantes durante as reuniões, entre outras coisas. Essa foi minha adolescência. Eu podia ter seguido dois caminhos: podia amar ou odiar. Dias desses, meu pai publicou no Facebook uma foto da última greve geral que teve, na década de 1980. Ele estava caminhando com a gente no meio do povo. Portanto, aos 18 anos me filiei. Só que a minha militância começou na universidade. Na primeira semana já me envolvi com centro acadêmico, participei do DCE e no segundo ano universitário já estava na direção nacional da UNE. Cheguei lá por conta da luta contra a venda da Copel. Toda essa turma despontou bastante. Eu aprendi muito nessa época. Depois do movimento estudantil, em 2005, eu fui para o movimento sindical por meio dos bancários.

 

Eu nunca me coloquei essa questão de sair do PT. Eu tinha muitas críticas ao partido. O PT não é um dogma. Só penso que eu “não deixaria o PT de barato”. Ninguém tem propriedade sobre o partido. E eu vou disputar esse partido enquanto ele tiver importância para a classe trabalhadora. Portanto, não que isso não seja um problema real. Contudo, entendo que o partido é um espaço importante para ser abandonado. Quem conhece o PT por dentro, conhece sua base popular, os movimentos sociais, que o partido ocupa um lugar no imaginário das pessoas. O PT ainda tem potencial de mobilização e transformação. E é isso que a gente precisa dar movimento. Esse é o meu desafio na direção do PT Municipal.

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