Dentre os 1.600 representantes de organizações civis paraguaias que foram convidados a participar de um encontro com o Papa Francisco no último sábado (11), no Estádio Leon Concou, em Assunção, estava o presidente do grupo Somosgay, Simon Cazal. É a primeira vez que um lider homossexual é convidado para um encontro público com o papa.
Simon saiu do encontro animado, declarando: “Eu tenho a impressão de que, realmente ele deseja mudar… falou sobre a diversidade da vida, que a diversidade é necessária para a sociedade e que uma sociedade sem diversidade não pode ser considerado saudável. Nós tomamos o discurso como uma espécie de ruptura com a igreja local.”
Recentemente o Paraguai recebeu cobranças de entidades internacionais de direitos humanos quando uma menina de 10 anos, estuprada pelo padastro, não pôde fazer o aborto porque ele é proibido no país, exceto se a mãe estiver em risco de vida. A religião católica considera o aborto um pecado passível de excomunhão porque acredita que a alma habita o feto desde o momento em que o espermatozóide se encontra com o óvulo.
Há um ano, manifestantes lgbts em Assunção, capital do Paraguai, foram agredidos pela polícia quando tentaram fazer pressão na 44ª Assembleia Geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), para que o país assinasse a Resolução Sobre Direitos Humanos, apresentada pelo Brasil. A polícia disse que reagiu depois de os manifestantes atacarem. Confiram no vídeo a verdade!
Em maio desse ano, vários casais homossexuais e militantes lgbts promoveram um beijaço em frente ao Congresso paraguaio, em protesto contra a discriminação por orientação sexual e em defesa do casamento igualitário. “O casamento é um direito, não um privilégio heterossexual” lia-se nos cartazes.
O Somosgay fez uma ampla campanha com outdoors que foram posicionados em lugares por onde o pontífice passaria usando uma frase que o Papa proferiu quando perguntado sobre o tema homossexualidade: “Se eles aceitarem o senhor e terem boa vontade, quem sou eu para julgá-los?” e em nota a Somosgay declarou : “Desejamos que este gesto possa ajudar as comunidades religiosas a abraçar seus membros LGBT e respeitar toda a nossa dignidade. Você pode ser gay, lésbica ou trans e católico ao mesmo tempo; não há contradição entre ser uma pessoa LGBT e ser católico ou católica. O respeito pelas crenças pessoais é inerente à democracia.”
Já a Associação Panambi de travestis, transexuais e trangêneros do Paraguai decidiu não participar do encontro e publicou a seguinte nota em seu site:
“Consideramos oportuna explicitar nossa postura institucional de não ir ao encontro, atendendo nosso caráter de organização de sociedade civil que promove e defende os direitos humanos da população T do Paraguai, mantendo a nossa linha de coerência na exigência de um estado laico.”
A presidenta do Panambi, Yren Rotela, denunciou a polícia paraguaia, que tem o consentimento e apoio da igreja católica, como a instituição que mais ameaça a população de travestis e transexuais em seu país. Disse que os policiais tiram fotos dos clientes, das chapas dos seus carros e depois os ameaçam para tirar dinheiro deles. “O pior proxeneta da população T é a polícia, porque é ela que a cada noite fica assediando as companheiras travestis, aproveitando-se dos clientes , ameaçando”. Ressalta também que desde 1989 ocorreram mais de 50 assassinatos de travestis que não foram investigados pela polícia.
Yren manda um recado para o Papa:
“Eu gostaria que o Papa exortasse os fiéis e sacerdotes que incitam a violência contra nós em seus sermões para parar com isso, porque eles violam os direitos das pessoas sob uma ideologia que Deus condena. Eu interpreto a Bíblia de forma muito diferente. Tenho colegas trans que são crentes e são discriminadas”.
Sobre a transexualidade, a posição contrária do Papa Francisco é muito clara, quando declarou em 15 de abril de 2015, em discurso na praça São Pedro que: “ Deus, depois de ter criado o universo e todos os seres vivos, criou a obra-prima, ou seja, o ser humano, que fez à própria imagem: “à imagem de Deus os criou: homem e mulher os criou” (Gen 1, 27), assim diz o Livro do Gênesis.” Alterar a “obra prima” de Deus com cirurgias e hormônios se constitui um pecado e uma heresia. “Não se pode desfigurar a face de Deus”. Segundo São Tomás de Aquino, teólogo da idade média, “extirpar um órgão sadio é considerado uma aberração”.
Sobre relações homoafetivas, Francisco declarou que não tem condições de julgar, mas que gays devem ser incluídos na comunidade católica. Sob sua orientação, em 13 de outubro de 2014, o Vaticano elaborou um documento para ser apreciado pelo Sínodo de bispos convocado pelo próprio papa, onde se dizia que “ homossexuais tem dons e qualidades a oferecer’’, e perguntava se seria possível a inclusão e uma convivência compassiva com casais homossexuais dentro da comunidade católica. Depois de duas semanas de discussões, a ala conservadora barrou o conteúdo inclusivo. Relações homoafetivas continuam a ser repudiadas no catolicismo como relações que carregam intrinsicamente o pecado. O ex-papa Bento 16 já havia definido homossexuais como “intrinsicamente desordenados”. Ser homossexual não constitui um pecado no catolicismo, mas a prática da homossexualidade sim. Por isso os homossexuais só podem ser incluídos na comunidade católica se não estiverem em pecado, ou seja, tem de se abster do sexo. Para ser incluídos, são convidados ao celibato!
O Papa Francisco, em dezembro de 2013, foi escolhido “personalidade do ano” pela tradicional revista americana pró-direitos dos gays “The Advocate” dos EUA.
Mas mesmo ele tem suas limitações quando o assunto esbarra na doutrina católica. Condenou o ativismo LGBT como defesa e propaganda da orientação sexual, declarando inclusive que homossexuais deveriam, em vez disso, buscar a Deus. Em sua vida pregressa, quando era bispo de Buenos Aires, Bergoglio era ligado a setores conservadores na Argentina que se opuseram firmemente contra a legalização do casamento homossexual, do aborto e da lei de identidade de gênero. E, recentemente, o papa rejeitou a nomeação do diplomata indicado pela França para a embaixada do Vatican,o Laurent Stefanini, por ser católico e homossexual assumido.
O catolicismo se fundamenta em rígidos dogmas, que são a “verdade revelada”, pela tradição ou pelas escrituras, e a fé é a adesão incondicional a essa doutrina. Um dogma não pode jamais ser contestado, porque sua negação se constitui uma heresia. Nem o Papa pode contestar um dogma, mas em contrapartida, um dos dogmas católicos reza que: “o papa goza do instituto da infalibilidade por força do seu cargo quando, na qualidade de pastor e doutor supremo de todos os fiéis e encarregado de confirmar seus irmãos na fé, proclama, por um ato definitivo, um ponto de doutrina que concerne á fé ou aos costumes.” (Catecismo da Igreja Católica, 891)
Então, se alguém pode mudar alguma coisa dentro da igreja, esse alguém é o Papa.
Que seja Francisco!