Quantas vezes uma mulher merece ser chamada de ‘noiada’?

 

Conheço-o há um ano, mas saímos raríssimas vezes. Ele é bacana, bonito, de esquerda. O que eu quero contar aqui é como o feminismo me ajuda a enxergar relações abusivas quando estou cega de amores.

Anteontem, ele me convenceu a não usar camisinha, isso depois de enfatizar várias vezes que eu era noiada. No dia seguinte, o arrependimento. Fui a uma farmácia comprar uma bomba atômica hormonal humana, vulga pílula do dia seguinte. Pedi um copo d’água e engoli aquilo junto a meu sentimento de culpa. Passado o susto, comecei a pensar no impacto da frase “você é muito noiada” sobre a minha vida e toda a minha relação com a sociedade na condição de mulher.

“Quando ele me disse isso, automaticamente, fui parar no vale das mulheres loucas, neuróticas, desesperadas, do qual tentei sair de prontidão, cedendo àquele pedido implícito.”

Há dois dias nesse vale, me sentindo um lixo, comecei a me identificar com ele e com todas as mulheres que o habitam (que são todas, mas todas as mulheres do mundo, mesmo).

Sim, somos todas noiadas. Noiadas porque passamos meses tentando acreditar que não contraímos nenhuma doença. Noiadas porque sempre tomamos as nossas pílulas do dia seguinte sozinhas. Noiadas porque ainda assim, corremos o risco de engravidar. Noiadas porque se resolvermos levar a gestação e ter um filho, toda a responsabilidade reprodutiva vai cair sobre nós. Noiadas porque se não quisermos, é o nosso corpo que vai passar pela turbulência de um aborto.

Se existisse uma espécie de Google translator para traduzir simultaneamente todas as merdas que já ouvi de macho, talvez essa noite tivesse sido diferente: Ele — Você é muito noiada. Tradução — O meu pinto é mais importante que a sua saúde, que a sua vida.

 

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