É muito comum mulheres que sabem do seu privilégio racial, imputar a homens negros comportamentos negativos de toda ordem, para desqualificá-los ou tirá-los de circulação, existe até um termo na literatura para isso, chama-se “Karen”.
Antes de começar a desenvolver o texto, preciso pontuar duas coisas:
Primeiro ponto: este texto não é um ataque à participante do reality show, não é um ataque à sua honra ou pessoa, é apenas uma reflexão acerca de seu comportamento e atitudes em relação às pessoas socialmente racializadas dentro do programa, especialmente, no que tange ao episódio ocorrido no dia 06 de abril de 2023, durante a prova do líder em que ela acusou o colega de confinamento Cesar Black de machista.
Segundo ponto, você aí do outro lado pode verbalizar que se trata de um programa onde as pessoas estão ali para jogar e que não cabe trazer pautas como raça, gênero, classe, sexualidade, dentre outras para o programa, pois esvaziaria uma discussão séria. Que as pessoas tocam em assuntos sensíveis e caros na esfera social apenas para se vitimizar, lacrar ou “pagar de coitadismo”, como é comum lermos comentários quando assuntos dessa natureza emergem, lembrando que expressões como lacrar, vitimista, coitadismo, dirigidas a grupos minorizados politicamente é política de silenciamento.
Discordo e vou pontuar o porquê. O programa passa em rede nacional e lá estão pessoas que convivem em sociedade e ao entrar no jogo, continuam sendo quem elas sempre foram, elas não mudam de nome, CPF e DNA, e suas falas e ações precisam ser analisadas e responsabilizadas, um exemplo, é o que vimos acontecer a dois participantes que ao importunarem sexualmente uma colega foram expulsos e estão sob investigação policial.
Sara de Araujo
Voltando à participante que dá título a este texto, ao longo desses mais de 80 dias de programa, assistimos por diversas vezes seu comportamento hostil em relação aos participantes racializados, quem não se recorda quando em uma discussão ela aponta o dedo para o participante Ricardo/Alface? Inclusive, neste episódio ela acabou acertando o rosto de outra colega, levando os internautas a pedirem a sua expulsão, ou quando ela declarou que Ricardo era “agressivo e ruim”? Ou quando no último jogo da discórdia chamou a colega Sarah Aline, que por sinal é uma pessoa doce e amável, de arrogante.
Na última prova do líder, o alvo foi Cesar Black, que durante a prova, os dois acabaram entrando em atrito enquanto aguardavam a dinâmica e ao perder a prova e não aceitar, houve uma discussão sobre a dinâmica, momento em que Bruna nomeia Cesar de Machista, mesmo não havendo nenhum comportamento dele nesse sentido naquele momento.
A bruna é aquele tipo de mulher folgada que adora provocar macho e na hora que ele se irrita ela se faz de vítima. Para mim se chama "manipulação". Mas é melhor parar por aqui porque os adms dela vai chamar advogado para mim e não tenho roupa pra isso.#bbb23 MIMADA INSUPORTÁVEL pic.twitter.com/5KhHVechTy
— 👊 (@angelica_cvb) April 7, 2023
Ângela Davis: raça e gênero
Essa dinâmica de imputar comportamentos negativos às pessoas racializadas tem sido uma estratégia historicamente utilizada pelo grupo racial do qual a participante pertence.
Ângela Davis já nos apontou que dentro de uma estrutura hierarquizada por raça e gênero, uma sociedade altamente patriarcal, na pirâmide social, primeiro vem o homem branco cisheteronormativo, segundo a mulher branca, em terceiro o homem negro e em último a mulher negra, logo, Bruna tem consciência do seu papel social.
É preciso ficarmos alerta porque ao longo da história, homens negros perderam suas vidas ao serem nomeados como o perigoso e o que deve ser retirado do tecido social, leia: bell hooks, Ângela Davis, Lelia Gonzales e Beatriz Nascimento.
Se você ainda não assistiu à série “Olhos que Condenam” baseada em fatos reais, lhe recomendo, lá mostra como a palavra de uma mulher branca colocaram cinco jovens negros no cárcere, décadas depois, descobriram que eles eram inocentes.
Mulheres brancas e o privilégio racial
É muito comum mulheres que sabem do seu privilégio racial, imputar a homens negros comportamentos negativos de toda ordem, para desqualificá-los ou tirá-los de circulação, existe até um termo na literatura para isso, chama-se “Karen”.
Outro ponto que é muito comum, quando pessoas que tem esse comportamento são flagradas, elas costumam chorar, a fim de chamar a atenção para si e tirar o foco do problema que causou, passando de autora para vítima e deixando a vítima em uma situação extremamente desconfortável, é o que nos apresenta a autora Ruby Hamad, e que podemos chamar de fragilidade branca, como já pontuado por Robin Diangelo.
EU TE ODEIO CEZAR BLACK VAI TOMAR NO SEU CU pic.twitter.com/mz5EXGXphp
— ray (@i4kmoes) April 7, 2023
Precisamos observar com muito cuidado o comportamento da participante, que aciona chaves de leituras caras, imputa comportamento inexistente ao colega, que por sinal, foi ela quem gritou com ele e não o inverso.
Como pontuei durante o texto, feministas negras já contrapuseram o feminismo liberal que não acolhe as demandas das mulheres negras e acabam oprimindo homens negros e mulheres negras, por isso, aproveito esse texto e de forma pedagógica faço um convite:
Vamos ler autoras negras que trabalha feminismo negros e suas intersecções? Vamos entender a dinâmica social do comportamento da participante supracita para podermos identificar e mudar comportamentos naturalizados? Vamos juntes?
Fontes:
Sara de Araujo é idealizadora do @negracervejassommelier espaço que racializa todas as discussões. Graduada em Direito, licenciada em Ciências Sociais, graduanda em História da África e da Diáspora Atlântica, Palestrante, Ativistas das Relações Raciais, Feminista Interseccional, Sommelière de Cervejas.
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