O ser (tão) da gente pede socorro

A travessia a pé pelo Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e o despertar para o caminhar que é a vida

Sagarana. Morrinhos. Rio Do Amor. Veredas Mortas. Fazenda Menino. Igrejinha. Dona Geralda. Córrego Garimpeiro. Ribeirão de Areia. Vão dos Buracos. Caminho Dourado. Rio Pardo. Chapada Gaúcha. Isso é um pouco do sertão mineiro, que já impressiona e encanta.

Foto: Aline Frazão

O trajeto de 160 km feito em oito dias, entre 4 e 12 de julho, indo de Sagarana a Chapada Gaúcha e atravessando o Grande Sertão: Veredas, a pé, ou de pé, tanto faz, é feito com admiração, esforço, reflexão e afetividade que não falta aqui. Da união dos caminhantes na travessia, nasce a vontade de ser uma pessoa melhor, para si e para o mundo.

O sertanejo é quem os inspira. A exuberância da paisagem da terra ao céu os encoraja.

Acordar cedo. Antes mesmo do sol. Ver a lua ainda destoando no céu do sertão, que é maior por essas bandas. Caminhar em meio ao cerrado. Adentrar o sertão.

Os causos mineiros vão se revelando durante o caminhar. Como o da mulher que seria morta para alimentar a família e foi salva por um tropeiro que passava pelo local e a comprou por uma mula e um pouco de sal. Ou então o cachorro que entrou em luta corporal com uma onça e foi comido por ela. As histórias contadas nos locais dos acontecimentos fazia com que elas chegassem aos ouvidos com mais fascínio ainda.

Foto: Aline Frazão

Em alguns lugares daqui ainda se mede o espaço em léguas, moça!

O sertanejo é um pouco sozinho, pois vive distante da cidade. Talvez por isso aprendeu a viver feliz consigo e com o próximo. Aqui os animais também são felizes. O triste para a criança do sertão é ter que comer o leitão, que foi seu amigo durante a infância e tratado com tanto carinho.

A música é vida nessas comunidades. Uma viola, uma folia de Reis, uma sanfona, uma ciranda, um repente com muita inspiração. A canção não pode faltar, pois é a alegria do sertanejo.

Foto: Aline Frazão

Mas o sertão pede socorro e poucos veem. A cada dia, a biodiversidade do local vai dando lugar a pastos para o gado, e principalmente para o agronegócio.

Onde antes era cerrado, agora se vê o horizonte repleto de chão, pois a monocultura chegou aqui. Primeiro ocupou-se as chapadas, e agora o desmatamento chega no vale do sertão.

Toda a infinidade de árvores e bichos vai-se indo embora, menos a esperança e fé do sertanejo, que parece viver ansiando por uma vida melhor.

É que o sertão é forte. Mas pode ser dominado. Ja dizia Rosa que “no sertão manda quem é forte”. Essa frase pode ser reescrita hoje para “no sertão manda o que é forte”, pois o dinheiro comprou até a alma de muitos sertanejos, que se aliam a grandes, mas medíocres fazendeiros. Esses não sabem a importância de um pé de pequi e muito menos de uma vereda.

Foto: Aline Frazão

Ah as veredas…tão lindas de se ver e de sentir!

Quem desmata tem o despudor de afirmar que “uma veredinha não tem valor e não fornece nada além da água”. Como dizem os sertanejos: pronto. Se a vereda representa a água, nada mais justo que cuidar dela.

Foto: Aline Frazão

“São vales de chão argiloso ou tufo-argiloso, onde aflora a água absorvida. Nas veredas, há sempre o buriti. De longe, a gente avista os buritis, e já sabe: lá se encontra água. A vereda é um oásis. Em relação às chapadas, elas são, as veredas, de belo verde-claro, macio. O capim é verdingo-claro, bom. As veredas são férteis, cheias de animais, de pássaros”. Assim as descreveu Rosa.

Nesses locais de desmatamento também se ouve que a destruição do cerrado é necessária para alimentar os que têm fome. Mas veja, que tamanho absurdo! Além de acabar com a vegetação, nada do que se produz na terra vai pra mesa do sertanejo. Pois quem vive de soja? E sorgo? braquiara? Pergunte a um fazendeiro o que é a agrofloresta e ele vai te olhar com desinteresse e fazer até careta.

Mesmo com a paisagem em parte destruída, é difícil deixar o sertão. Lugar de inspiração.

Será por isso Guimarães Rosa tenha sido um escritor fantástico? Com seus arcaísmos, neologismos, estrangeirismos e fusões de palavras? Ele dava importância ao mistério quando dizia que a arte e o céu serão pois, assunto mais sério !

A literatura dele permanece, assim, viva, a nos apontar o caminho do sertão, esse sertão, que “é do tamanho do mundo, está em toda a parte e está dentro da gente”.

Foto: Aline Frazão

 

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