Qual é o médico que cuidaria primeiro da obesidade de uma ou um paciente para depois cuidar da pneumonia? Cometesse tal doidice o “doutor”, certamente, se complicaria com o Conselho Regional de Medicina. Entre os economistas parece haver maior blindagem para desatinos.
A dupla Jair Bolsonaro e Paulo Guedes acha que, em primeiro lugar, deve-se “emagrecer” o Estado brasileiro, cortar gastos, ajustar as contas, produzir superávit já em 2019. O desemprego, que é a pneumonia, será resolvido com a “dieta”, acreditam eles, seus parceiros do mercado financeiro e liberais em geral.
“Então, meu diagnóstico é o seguinte: gasto público, gasto público, gasto público, reforma fiscal, reforma fiscal, reforma fiscal.” Disse Paulo Guedes, guru econômico do presidente eleito, ao jornal Valor Econômico em julho deste ano.
Há exatos 903 dias, Henrique Meirelles assumia o Ministério da Fazendo prometendo controlar os gastos para melhorar as contas públicas, fazer a economia rapidamente voltar a crescer e reduzir o desemprego: “A prioridade hoje é o equilíbrio fiscal, isto é, a estabilização do crescimento da dívida pública.” Na realidade o que ocorreu é que a economia não deslanchou e o desemprego continuou elevadíssimo. E, consequentemente, a arrecadação de imposto também não subiu, fazendo com que os deficits fiscais, ao contrário do prometido, fossem muito altos. A dívida pública só fez crescer. Aconteceu tudo ao contrário do que Meirelles prometeu. Por que será diferente com Paulo Guedes?
O grupo recém-eleito tem como prioridade aprovar a Reforma da Previdência ainda este ano. Será que cortar benefícios, a toque de caixa, reduzirá a população desocupada, hoje em 12,5 milhões de pessoas? Diminuirá a taxa de subutilização da força de trabalho, estimada pelo IBGE em 27,3 milhões de pessoas? É imperativo que uma reforma das regras da Previdência Social seja feita com ampla discussão. E, sem dúvida, tal reforma não aliviará, no curto prazo, o sofrimento do desemprego.
Paulo Guedes adora uma privatização: vamos diminuir a dívida pública em centenas de bilhões de reais, tem afirmado. Cabe a pergunta: as privatizações aumentam ou escasseiam a oferta de empregos? As empresas que compram estatais têm como primeira medida demitir, reduzir custos. Onde estavam esses economistas nas privatizações de Fernando Henrique Cardoso do PSDB?
Escrevi em outra matéria, em 24/09/2018, que:
“The Economist, a revista inglesa que completou 175 anos neste mês, tem a enorme qualidade de expor sua ideologia liberal sem meias palavras e sem tentar fingir isenção ou neutralidade como faz a maior parte dos meios comunicação. Mesmo discordando é preciso reconhecer.
Em um longo ensaio, na edição de aniversário, seus editores reconhecem as falhas e as promessas não cumpridas pela política que advogam. Vão além, temendo a escalada autoritária mundial, para propor a “reinvenção do liberalismo para o século XXI”.
A falta de regulação no mercado financeiro e a falta de atenção às pessoas e às localidades prejudicadas pelo comércio globalizado, aliadas à promessa não cumprida de progresso para todos, aos mercados manipulados pela concentração de poder de algumas empresas e às mudanças climáticas são alguns dos componentes do pano de fundo que conforma o desencanto dos eleitores que se deixam levar pelo canto dos candidatos autoritários.”
É preciso relembrar que a crise das hipotecas nos Estados Unidos, iniciada em 2007, só não levou a desgraças semelhantes àquelas da Grande Depressão de 1929, por que o governo inundou o mercado de dólares. Deixou quebrar a Lehman Borthers, viu a gravidade da quebradeira que se seguiria e optou por injetar recursos em bancos, em seguradoras, nas grandes financiadoras de imóveis, até na General Motors. Eles sabem muito bem que no meio da recessão não é hora de se fazer ‘austericídio’s (a morte pela austeridade) como querem o presidente eleito e seu economista preferido.
Paulo Guedes quer aprofundar o teto de gastos. Na idade média também se usava sanguessugas na esperança de que a remoção do sangue curaria o paciente. Retirar recursos da economia, cortar gastos, avisar trabalhadores que seus empregos e direitos trabalhistas correm riscos e alertar os investidores que o Estado muito pouco investirá são os sanguessugas do liberalismo.
E os economistas de plantão recusam-se a acordar desse prolongado delírio.
Nota
1 A pretensa “obesidade” do Estado também é discutível, mas isso fica para outra hora.