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O lulismo e a candidatura Boulos

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Ensaio de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Pinguim

Já há algum tempo a crônica política anda bem animada nesse nosso simpático país tropical. Em ano de eleição, a animação vai ficando ainda maior, principalmente a essa altura do calendário eleitoral, quando as negociações pela formação das chapas ficam mais intensas.

Neste ensaio, quero tomar a polêmica indicação de Guilherme Boulos como pré-candidato à Presidência da República pelo Partido Socialismo e Liberdade, o PSOL, para examinar aquele que se tornou o mais valioso capital político da história do Brasil: o lulismo.

Este texto, portanto, não é sobre o PSOL, partido político de reduzida importância no cenário nacional. Também aqui o PSOL é coadjuvante, é pretexto para uma reflexão sobre o lulismo. É isto: o que o leitor e leitora têm sob os olhos é um texto sobre o lulismo.

Uma boa forma de começar é pelo começo, dizendo algumas palavras sobre as origens do lulismo.

Já é bem conhecida pelos estudiosos da política brasileira contemporânea a hipótese desenvolvida por André Singer, importante cientista político. Para Singer, o lulismo nasceu em 2006, no segundo turno das eleições presidenciais, quando o presidente Lula enfrentou o tucano Geraldo Alckmin.

Ali, naquele momento, ainda segundo Singer, aconteceu, pela primeira vez na Nova República, uma clara divisão de classe no mapa eleitoral: os mais pobres votaram em Lula. Teria surgido, assim, o lulismo como fenômeno político independente do PT e diretamente identificado com a liderança carismática de Lula.

Quero discordar ligeiramente da interpretação de André Singer. Digo “discordar ligeiramente” porque a discordância é pontual e não substancial. Acho mesmo que Singer está certo quando identifica a existência do lulismo e o conceitua como um fenômeno político independente do PT e marcado pela liderança carismática de Lula. Porém, acho que Singer erra na cronologia e peca em não perceber o lugar do lulismo na história das ideologias políticas brasileiras.

O lulismo, na minha interpretação, é mais que um fenômeno político independente do PT e marcado pela liderança carismática de Lula. O lulismo é a atualização do trabalhismo inventado por Getúlio Vargas e alimentado por João Goulart e Leonel Brizola.

O lulismo não é exatamente uma novidade, pois suas premissas já estavam dadas no imaginário político brasileiro desde o final dos anos 1930. Por isso, acredito que o berço do lulismo não está nas eleições presidenciais de 2006, como afirma André Singer. O berço do lulismo está nas eleições presidenciais de 1998, quando após anos de tensão e conflito PT e PDT, Lula e Brizola, sentaram à mesa e lançaram uma chapa única. Foi nesse momento que Lula começou a entender que Brizola estava certo desde o início.

O lulismo, então, é o encontro de Lula, a principal liderança popular que já tivemos, com o trabalhismo, o mais importante projeto de modernização e desenvolvimento independentes que já existiu no Brasil. É por causa dessa combinação que o lulismo se tornou o mais valioso capital político da história do Brasil. É esse capital político que o PSOL quer, simplesmente, jogar fora. Mas por quê? Respondo no finalzinho do texto.

Resumindo meu argumento:

O lulismo significa a maturidade política de Lula, que finalmente aderiu ao trabalhismo, ideologia que negou desde o final dos anos 1970. Pois sim, meus amigos, pode parecer estranho falar isso agora, mas o jovem Lula e o primeiro PT não queriam o trabalhismo, não reivindicavam a herança de Getúlio. Chamavam Getúlio de “populista”, “autoritário”, “ditador”. Foi por conta dessa rejeição ao trabalhismo que Lula e Brizola, o PT e o PDT, brigaram durante quase 20 anos.

Mas qual era a diferença entre o primeiro petismo liderado pelo jovem Lula e o trabalhismo representado pelo velho Leonel?

Fora as disputas por posições de poder características do mundo da política, a diferença é, sobretudo, conceitual. A diferença, que não é pequena, está no papel atribuído ao Estado.

Para o trabalhismo, o Estado é o grande fomentador da modernização e do desenvolvimento nacional, funcionando como uma espécie de tutor da sociedade civil. Para o primeiro petismo, a sociedade civil deveria ser ela mesma a potência da modernização e do desenvolvimento. Com essas ideias, o primeiro petismo estava mais próximo do primeiro tucanismo, do PSDB, do que do trabalhismo. Parece loucura, né? Mas não é.

Tanto o PT como o PSDB se transformaram ao longo dos anos 1990 e em pouca coisa lembram os partidos políticos que nos anos da redemocratização representavam as expectativas do campo político progressista. Mas isso é conversa pra outro texto.

Retomando o fio…. O primeiro petismo, comandando pelo jovem Lula, sonhava com uma sociedade civil ativa, se organizando a partir das bases sociais e sendo capaz de pautar o Estado, de coordenar a ação do Estado. Já Brizola olhava com ceticismo para o sonho petista, como quem diz “essas crianças ainda não entenderam nada”.

O primeiro PT, na voz de seus principais intelectuais (Marilena Chauí e Paul Singer, por exemplo), dizia que Brizola era um “caudilho personalista”, “filhote de ditador”. Brizola reagia, dizendo que o PT era a “UDN de macacão”. Talvez seja possível atualizar o gracejo de Leonel e dizer que hoje, o PSOL, que ao negar o lulismo nega também o trabalhismo, é a UDN de brinco e camisa florida.

Piada boa é aquela que não perdemos. Enfim…

O tempo passou e Lula perdeu eleições. Perdeu para dois Fernandos: o Collor e o Cardoso. O povão não votava em Lula e o PT era o partido que embalava os sonhos dos estudantes universitários e da classe média progressista. Em 1989, o povão preferiu Collor e em 1994 preferiu FHC.

Mas como pode?

É que aquele Lula era outro, era o jovem Lula.

O jovem Lula era visto pelo povão como o operário agitador, analfabeto, cachaceiro, grevista. Lula era visto como símbolo da instabilidade.

Definitivamente, o povão não gostava do jovem Lula. O povão gosta é do Lula maduro, conciliador, que escreve cartas pra acalmar as pessoas. É tolo quem acha que a famosa “Carta aos Brasileiros” de 2002 foi endereçada apenas ao mercado. Foi endereçada ao povão também. Tal como o mercado, o povão também quer estabilidade.

Às duras penas, na experiência da derrota e da rejeição, Lula cresceu, amadureceu e entendeu o Brasil. Lula entendeu que o Brasil ainda era (e ainda é) uma nação de modernização incompleta, um país com mais de 5.500 municípios, com uma parte considerável de sua população morrendo de fome e sede. O Brasil é um país que ainda não conseguiu universalizar o acesso ao ensino médio.

Num país assim, as pessoas mais pobres querem sobreviver, querem viver dignamente. E pra isso, o Estado é fundamental. Num país como o Brasil, o Estado é, antes de tudo, agente civilizatório e nenhum projeto político desenvolveu melhor o potencial civilizatório do Estado brasileiro que o trabalhismo.

Num estudo sobre a reação da população do Rio de Janeiro à morte de Getúlio Vargas (em agosto de 1954), Jorge Ferreira, historiador e professor da Universidade Federal Fluminense, mostra que as pessoas identificavam o Presidente morto com uma vida melhor e mais digna. Não se trata de fanatismo, ou de populismo, tampouco de manipulação. É cálculo político.

A população mais pobre sentiu, no dia a dia, que com o “Doutor Getúlio” no Catete a vida era melhor, que o prato estava mais cheio. A vida não melhora com a ação voluntariosa das elites, pois nossas elites, na feliz formulação de Jessé de Souza, são atrasadas, arcaicas. Tampouco a vida vai melhorar a partir de uma ação organizada pela massa de pessoas famintas e subnutridas. Essas pessoas morrem pouco a pouco, vendem no almoço pra comprar na janta.

A vida melhora quando uma liderança progressista consegue ocupar um pedaço do Estado. Essa é a revolução à brasileira.

Foi isso que o trabalhismo fez. Foi isso que o lulismo fez.

Como no Brasil jamais existiu um Robespierre, como ninguém jamais cortou a cabeça das oligarquias da terra, o campo político progressista é sempre mais fraco, já que os filhotes das oligarquias ainda estão aí, ocupando quase todas as posições de poder da República. Por isso, carece de fazer alianças. Getúlio e Jango se aliaram com a burguesia nacional e com frações das oligarquias. Foram golpeados, mortos. Lula fez algo parecido e também está sendo golpeado.

Mas golpe não significa uma completa marcha ré no processo histórico, ainda que sempre promova retrocessos. Mesmo com golpes e mortes, a vida da população mais pobre melhorou depois de Jango e Getúlio. Ainda que com toda a perseguição, a vida da população mais pobre melhorou depois de Lula.

Por mais que os golpistas tentem, eles não conseguem passar uma borracha na história. Alguma coisa sempre fica, algo sempre sobrevive.

O que estou querendo dizer é que em 1998, Lula entendeu que não adiantava esperar a “auto-organização da sociedade civil” e o “despertar de uma consciência política” em pessoas que estavam lá no sertaozão do Brasil, bebendo água contaminada e comendo lagarto. Era necessário ocupar um pedaço do Estado, custasse o que custasse.

É certo que Lula e Brizola perderam as eleições e FHC foi eleito no primeiro turno, justamente porque encarnava o sucesso do plano real e a imagem da estabilidade econômica e do controle da inflação. Mas mesmo com a derrota, a aproximação entre Lula e Brizola, depois de tanta tensão, de tantos conflitos, apontava para algo novo na política brasileira. Ou melhor, para algo nem tão novo assim: era o início do lulismo, era a atualização do trabalhismo, era o “transformismo petista”.

“Transformismo petista” é um termo que costuma ser utilizado de forma pejorativa, quase como sinônimo de traição. Discordo completamente, pois entendo o “transformismo petista” como o amadurecimento político de Lula, que se tornou o tipo de liderança que o Brasil precisa. Pode não ser a liderança dos sonhos da esquerda brasileira, mas é exatamente a liderança que o Brasil precisa.

E a população mais pobre entendeu isso perfeitamente. Mesmo com quase quatro anos de intenso bombardeio midiático, Lula sobreviveu e partiria para a corrida presidencial com 35% dos votos. É muita coisa. Muita coisa mesmo.

Lula sobreviveu porque tal como o “Dr Getúlio” personificou aquilo que é mais sagrado para os brasileiros e brasileiras mais pobres: a ideia da “vidinha digna”, sem grandes sustos, sem devaneios revolucionários. Apenas uma vidinha digna.

Lula já está monumentalizado, para o desespero de seus detratores de esquerda e de direita. Ninguém mais no Brasil fará política no campo progressista sem reivindicar o legado do lulismo. O lulismo, tal como o trabalhismo, é insuperável. Qualquer avanço será feito a partir do lulismo, jamais contra o lulismo.

Se é assim, por que o PSOL rejeita tanto o lulismo? Por que a simples a manifestação de Lula em apoio à candidatura de Boulos abriu uma crise interna sem precedentes na história do partido carioca?

Nunca devemos subestimar a capacidade das lideranças do PSOL em serem incompetentes na interpretação da realidade. Mas não acho que a resposta esteja na incompetência, não dessa vez.

O problema está na força de uma candidatura de Boulos apoiada por Lula. Boulos talvez seja a liderança brasileira que melhor fez trabalho de base nos últimos 20 anos. E Lula é o Lula. Sem dúvida, seria uma candidatura forte, muito forte.

Com essa candidatura, pela primeira vez o PSOL seria competitivo numa eleição e correria risco de vencer. E se vencesse não teria mais jeito, não daria pra fugir: o PSOL seria obrigado a governar. E governar um país como o Brasil é difícil demais. É mais fácil ser pedra que vidraça.

Referências:
– FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular (1945-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
– SINGER, André. Raízes sociais e ideológicas do lulopetismo. Novos Estudos: Novembro de 2009, n° 85
– SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à lava jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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