“O Gringo da Tela Verde” – Documentário experimental holandês observa Brasil em tempos de Golpe

Still do filme "Green Screen Gringo"

Em meio ao processo de impeachment de Dilma Roussef, um cineasta holandês, participando de uma residência do Museu da Imagem e Som de São Paulo, passeava pelas ruas da cidade buscando imagens para um projeto de documentário experimental. Douwe Dijkstra é o “Gringo da Tela Verde”, título do filme. A experiência visual consistia em deslocar as pessoas de seus cenários usuais pelo uso do Chroma Key, técnica amplamente utilizada na televisão, que usa uma tela verde atrás de pessoas para substituir o cenário através de computação gráfica.

O plano de Douwe era colocar em seu filme diferentes personagens que compunham a diversidade da população brasileira para um olhar estrangeiro. Mas em meio ao processo de impeachment, ele percebeu que poderia fazer um comentário social mais profundo, e uma crítica ao golpe que a nossa democracia sofreu e vem sofrendo.

O filme circulou por festivais no mundo inteiro e ganhou prêmios importantes, em festivais na França, Holanda, Polônia, Coréia do Sul, Estados Unidos, entre outros.

Ele conversou com os Jornalistas Livres sobre o seu processo de criação e nos apresentou o filme.

Assista e leia a entrevista:

JL – Você teve a idéia para este filme antes de vir ao Brasil? E porque resolveu fazê-lo aqui?

Douwe – Esse projeto começou com a idéia de fazer um filme sobre a bolha do indivíduo dentro do processo de uma grande cidade. Eu tinha vontade de usar o Chroma Key e técnicas de composição que já tinha usado no meu trabalho em estúdio aplicadas a esse tópico, num projeto de documentário. Encontrei uma residência artística no MIS, em São Paulo, uma cidade perfeita para trabalhar com esse tema e essa abordagem. Com certeza, mais do que eu pretendia originalmente, se tornou um filme sobre muitos problemas atuais do Brasil.

JL – Como você escolheu as as pessoas que participariam do filme?

Douwe – Encontrei a maior parte das pessoas nas ruas, circulando pela cidade com minha tradutora, Bella. Principalmente a pé, nos procuramos lugares e pessoas que eu gostaria de filmar. Estava constantemente juntando as partes de um quebra-cabeças e com a tela verde eu poderia colocar essas pessoas praticamente em qualquer lugar, na pós-produção. Escolhi as pessoas pelas mais diversas razões, mas principalmente porque achava que elas poderiam ser combinadas com outras pessoas para contar uma história. Uma visão que foi ficando mais e mais entrelaçada com os problemas políticos e sociais conforme eu ia aprendendo sobre eles.

Alguns personagens eu procurei intencionalmente, pesquisei, fiz contatos, como a família indígena por exemplo. Alguns eu procurei porque estava formando uma série das coisas que via, como os catadores. Neles eu vi o retrato de uma realidade brutal da cidade, assim como a perseverança e a engenhosidade de que eles precisam para viver.

JL – Você vê o seu filme como uma forma de olhar para nossa sociedade? Você vê o seu dispositivo, seu modo de filmar, como um comentário social?

Douwe – Sim, é um olhar sobre a sociedade brasileira, mas um olhar gringo. A consciência de ser um estrangeiro foi importante no projeto. Deixei isso claro para o público e é por isso que o filme se chama “Green Screen Gringo” (O Gringo da Tela Verde). Tentei usar a tela verde como um dispositivo para fazer um cruzamento de camadas em minha observação.

No cinema pode-se filmar situações e pessoas diferentes e, na edição, combiná-los numa única sequência. Mas eu queria mostrar a acumulação de observações fazendo essa combinação já na mesma imagem. Pra mim, se trata das combinações de imagens que você percebe e sente na sua cabeça enquanto você viaja e olha ao seu redor. Cenas que não existem na realidade mas que mostram mais na sua combinação do que o que você de fato viu, aprendeu, interpretou, bem ou mal.

JL – A turbulência política por que passávamos e estamos passando influenciou suas decisões artísticas?

Douwe – Muito. Quando finalmente saí do Brasil eu sabia que no meu material estava um filme sobre as observações de um estrangeiro sobre a vida nas ruas, minorias, diversidade, representação cultural e social. Mas quando começou o processo de impeachment contra Dilma Roussef e quando Michel Temer tomou a presidência eu decidi que a base da minha observação do Brasil seria esse problema político. Porque para mim essa era a observação mais trágica de todas – a injusta e incorreta representação da diversidade e das minorias na política brasileira.

JL – Qual é a repercussão de nossa situação na Holanda? As pessoas sabem o que está acontecendo? Como seus amigos vêem tudo isso?

Douwe – É muito interessante ver como a mídia internacional e a mídia do meu país mostram os eventos no Brasil. Uma vez que você começa a acompanhar de perto, algo que venho fazendo desde que estive no Brasil, você vê quando as coisas chegam às pessoas. Só quando a situação chega num ponto crítico é que elas chegam nos grandes canais de notícias, então a maior parte das pessoas recebe apenas parte da informação, sem muito contexto sobre os eventos menores que levaram a isso. O que é algo que acontece inevitavelmente com notícias internacionais quando você resolve não se aprofundar.

Eu não tenho a sensação de que a mídia daqui é preconceituosa em relação ao que acontece no Brasil, mas me chocou o quanto a história é simplificada. Eu me lembro particularmente dos protestos contra Dilma em 2016, as notícias davam só um lado, de maneira simplista. Diziam simplesmente que as pessoas do Brasil estavam contra a presidente, o pano de fundo desses protestos não era explicado. E o poder da imagem também era evidente, porque esses manifestantes tinham bandeiras do Brasil, usavam as cores da bandeira. Ficava fácil ler nas imagens simplesmente que era “o povo brasileiro”, quando na verdade era majoritariamente a direita que chamava por protestos pelo impeachment ou até por um golpe militar. Por esse motivo coloquei um protesto a favor de Dilma em uma tela verde que passa por cima de uma pixação que diz “Fora Dilma. Foi a única tomada que eu não fiz, mas que foi feita a meu pedido quando eu já estava de volta à Holanda.

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