O encontro entre dois treinadores negros de times de futebol brasileiro

Texto: Sato do Brasil, dos Jornalistas Livres/Fotos: Frente 3 de Fevereiro e Peetssa

No sábado, 12 de outubro, aconteceu o encontro entre os dois únicos treinadores negros na série A do Campeonato Brasileiro de Futebol, no jogo entre Bahia e Fluminense.

É inacreditável num país que vive como nunca seus heróis negros dentro do campo, de Pelé a Romário, passando por Leônidas da Silva, Ronaldinho Gaúcho, Domingos da Guia, Didi, Nilton Santos, Garrincha, e até Neymar, quando se fala da beira do campo, dos técnicos que comandam esses times milionários, apenas Roger Machado, técnico do Bahia e Marcão, técnico interino do Fluminense, sejam os únicos representantes negros na principal série do nosso futebol.

A coisa piora quando você sabe que Marcão, só estava nesse jogo porque está temporariamente tomando conta de um time à espera de seu próximo técnico branco.

Roger Machado, na entrevista pós-jogo, indagado sobre esse fato, deu uma aula sobre racismo estrutural e racismo internalizado no Brasil. Desconstrói a tal democracia racial nos estádios brasileiros, tão usada como símbolo de um país cordial, que infelizmente não existe.

Roger mete o dedo na ferida, com as perguntas mais simples para ratificar o racismo institucional em que vivemos desde sempre: “porque a população carcerária é 70% negra, porque os negros tem nível de escolaridade menor que os brancos, porque quem mais morre são os jovens negros, porque os menores salários entre homens brancos e negros são dos negros, entre mulheres brancas e negras, são das mulheres negras, porque quem mais morre entre as mulheres são as mulheres negras…”. Por que?

Ele termina suas perguntas com outra pergunta: “se isso não se chama racismo, que nome damos a isso?”

Roger aponta para o racismo institucional de 500 anos de história. Ponto por ponto. E também fala sobre um passo que pode abrir as brechas desse preconceito. Sair da fase da negação.

Somos um país racista, machista, lgbtfóbico, com os preconceitos enraizados dentro de nossa sociedade, na escola, nas ruas, no trabalho, nos estádios, na ação da polícia, na política escancarada de encarceramento em massa, na criminalização dos movimentos sociais. E principalmente, no silêncio. Gritos preconceituosos de “macaco” ainda são comuns nos campos, como o grito de “bicha” quando o goleiro chuta o tiro de meta, bananas são jogadas nos jogadores negros, xingamentos entre jogadores acontecem de tempos em tempos, enfim, muita coisa acontece e nada é discutido, resolvido.

Poucos foram punidos, sendo que há lei clara que criminaliza atos racistas.

Roger Machado, ainda aponta a culpa para o Estado e das instituições no aumento dos preconceitos e do racismo, desde o Brasil Colônia até a Nova República. Roger, termina mostrando os “sintomas” diários do racismo estrutural que enche nossa história e nosso dia a dia: “o maior preconceito que eu sofri não foi nenhuma injúria racial, eu sinto preconceito quando vou num restaurante e só tem eu de negro, na faculdade que eu fiz, só tinha eu de negro. Isso é a prova pra mim. Mas mesmo assim, quando a gente fala disso, dizem que nao há racismo, tá vendo, você está aqui! Você é a prova que não existe racismo. NÃO! Eu sou a prova que existe racismo, porque eu estou aqui.”

A HISTÓRIA DAS FOTOS DESTA MATÉRIA

Bandeiras abertas nos estádios de futebol entre 2005 e 2006, pelo coletivo de arte-política Frente 3 de Fevereiro, para discutir o racismo, a democracia racial, a internalização do racismo.

A bandeira “Onde estão os negros?” foi aberta no jogo Ponte Preta x Fluminense, no Estádio Moisés Lucarelli, em Campinas, em 2006. A Ponte Preta era chamada de “Macaca”, inicialmente pejorativamente e depois absorvida pela própria torcida. Esse apelido foi cunhado pelos adversários porque a Ponte Preta foi o primeiro time paulista a aceitar negros no seu time.

A bandeira “Brasil negro salve” foi aberta na final da Taça Libertadores da América, no Morumbi no final de 2005, no jogo entre Sã Paulo e Atlético Paranaense.

A bandeira “Zumbi somos nós”, foi aberta em 2006 no Pacaembu, durante o Campeonato Brasileiro, na partida entre Corinthians x Internacional de Porto Alegre. Esses trabalhos de intervenção urbana foram criados a partir dos acontecimentos durante outro jogo da Libertadores de 2005, quando o jogador Grafite foi xingado pelo jogador argentino do Racing, Desábato, o que ocasionou a prisão dele por injúria racial.

Todos os desdobramentos desse caso serviram como fonte para a discussão sobre o racismo estrutural, em várias ações da Frente 3 de Fevereiro, entre elas, essas bandeiras gigantes, culminando com o espetáculo audiovisual “Futebol”, exibido na abertura do Festival Videobrasil, de 2006, além do livro e do documentário “Zumbi somos nós”.

 

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