O descortinamento da mesquinhez nacional

Tela de Jean Batiste Debret

O Brasil adentrou zona de conflito da qual não sairá, é melhor que não saia tão cedo e, todavia, não há o que lamentar. A consciência para as abissais desigualdades e injustiças está mais desperta. O repúdio ao autoritarismo também se observa determinado e firme. Mais que nunca a hipocrisia do chorume, do lodo, da lama, vai exalando seu cheiro de modo repulsivo e não há mais perfume importado que disfarce o odor de sua podridão.

O país viveu durante muito tempo sob o signo do recalque, da inconsciência, mas estes tempos estão terminando. Cabe às forças progressistas enterrá-los sem choro, nem vela. Isso não se dará, no entanto, com tentativas mal ajambradas e muito menos covardes de (re)conciliação com os agentes dos arcaísmos, das brutalidades e das infâmias.

E que ninguém se engane, essa mentalidade está presente não apenas em gabinetes refrigerados, está espalhada nos ambientes mais insuspeitados e são nestes ambientes também que elas devem ser enfrentadas e vencidas.

Trata-se agora de tensionar as forças em conflito e libertar as energias que sustentavam um ideia farsesca do país. Tudo mais é conformismo com o até aqui trágico rumo da convivência social que gestamos numa história de genocídio, massacres e brutalidades, assinalando a herança atávica da escravidão que sob esta ou aquela máscara — como é o caso das reformas trabalhista e previdenciária — reclama seguir guiando a trajetória nacional.

Uma nação marcada por estruturas e costumes sádicos, que interditam a voz da alteridade, que tratam o ser humano como objeto a ser disposto conforme o capricho mais abjeto e torpe.

E tudo isso somado ao lado trágico de uma modernidade que entorpece bombardeando uma subjetividade na qual vale mais o sucesso a qualquer custo ou a riqueza a qualquer princípio; na qual o narcisismo é o paradigma do envolvimento com a vida — evidentemente que farsa sem substância, sem vitalidade, sem consistência real, sem confiança nos potenciais das virtudes humanas, a maior delas: amar.

Mas o momento exige e passará a exigir cada dia e cada vez mais dos que aqui querem fertilizar — não egoisticamente apenas em si, mas na terra onde pisam e respiram — a beleza e a alegria de viver.

Trata-se de compromisso e disposição generosa, solidária, exigente, capaz de gerar os desdobramentos necessários ao se lançar numa luta interminável contra as manifestações mesquinhas dos que se colocam ao lado da manutenção das estruturas de privilégios e do exercício fascista do poder.

É seguir em frente, com disposição e compromisso, lutando sem medo e sem trégua para que o país possa derrotar seus pesadelos vivos.

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. Texto necessário e bem-vindo, Julio Fisherman. Mas, precisamos das nomes aos bois se não quiserermos que — de novo! — tudo acabe na celebração gloriosa do Grande Pato Amarelo!

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