O batom em tempo de pandemia, por Dirce Waltrick do Amarante

Amedeo Clemente Modigliani

Por Dirce Waltrick do Amarante *

 

Na República da Nova América, durante a pandemia, as mulheres foram proibidas de usar máscara. O ministro da Saúde, depois de analisar alguns gráficos e dados, chegou à conclusão de que o uso de máscara em mulheres era prejudicial. Quem ousaria duvidar do nobre ministro, um médico experiente? Ninguém.

O fato é que um dos filhos do presidente da República tinha uma fábrica de batom, além de uma loja de chocolate, e estava perdendo muito dinheiro desde que o uso de máscara se tornou obrigatório e as mulheres deixaram de comprar batom, já que a boca passou a ficar oculta.

Mas, diante dos dados sólidos e significativos apresentados pelo ministro, essas questões tornaram-se menores.

Ainda assim, a determinação ministerial matou dois coelhos com uma cajadada só: solucionou o problema da fábrica de batom do filho do presidente e o do descontentamento da maioria das mulheres, que, vaidosas, gostavam de exibir a boca pintada na rua… e também dentro de caixões, como o tempo mostrou. Pena que, em razão da causa mortis, estes logo tinham que ser lacrados.

 

  • Pintando o sete em casa

 

 

 

 

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Mordaz e ácido como estes loucos tempos exigem. A referência à loja de chocolate é maravilhosa. Minto: é saborosa. Com o batom, Dirce exprime toda a nossa irresponsabilidade: fica a vaidade, ou o prazer de dar uma saidinha por aí, mas isso tudo se perde com a fugacidade do caixão que precisa ser rapidamente fechado e ocultado: sob a terra, hoje, em uma vala comum, amanhã. Sintética e certeira, Dirce é mestre do idioma.

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