No topo do morro existe resistência

Quando os professores honram a profissão que abraçaram, coisas incríveis acontecem.

O que esperar de uma escola nos pés do Pico do Jaraguá? Não muito, pensamento básico e preconceituoso. Política ali, nos confins de uma quebrada chamada Sol Nascente, pura bobagem. E, ainda, se o local se chamar Victor Civita. Aí não rola mesmo. Puro engano. A energia da molecada do sétimo, oitavo e nono ano da EMEF Victor Civita, localizada no extremo da Zona Norte, da capital paulista, é de fazer acreditar que pode acontecer algo melhor na sociedade.

Sob a batuta do professor de matemática, informática e música, Thiago Mena, 28 anos, mais de cem alunos fizeram um trabalho multidisciplinar durante os últimos três meses. A apresentação rolou numa tarde gelada, e quase esquecida, véspera de feriado de Corpus Christi.

Quase fui a nocaute por alguns motivos, o primeiro já na chegada, fui obrigado a relembrar de diversas unidades da Fundação Casa e alguns presídios que visitei como repórter. O segundo, logo ao dar o primeiro passo dentro da escola, me deparo com um quadro brega do “patrono”. Pelo menos é a única coisa dele e/ou da família por ali. Fiquei sabendo que num tempo atrás a Fundação Civita tentava implantar algo pedagógico por lá. Preferi não perguntar devido as caretas dos professores. O terceiro foi uma pancada mais potente, fiquei meio perdido com o engajamento da moçada. Um amigo ficou me olhando, quase abriu contagem.

A galera começou uma apresentação espetacular. Reconstituíram uma Ocupação das Escolas Técnicas, inclusive tem uma na quebrada, os jovens com os seus pijamas surgiram no palco improvisado e deitaram, outros carregavam cartazes com palavras a respeito do escândalo das merendas do governo de Geraldo Alckmin. Na sequência alguns alunos entraram pisando forte, em marcha e desocuparam o palco, retratando a típica e corriqueira violência policial. Outra turma interpretou uma famosa cobertura da Rede Globo, o escárnio, uma sagacidade quase ingênua finalizada com um deboche infantil.

O ato final veio como um gancho no queixo, foi uma paródia dos votos pela família e contra a corrupção, na histórica e vergonhosa votação do dia 17 de abril, para a abertura do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff. Uma parte vestia camisetas da seleção brasileira de futebol e repetiram algumas das frases hipócritas dos mais de 300 deputados que votaram pelo SIM, alguns tinham os rostos pintados e outros batiam em panelas.

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Tudo isso, num dos lugares que conta com um dos menores IDH da cidade. Eles estão esquecidos pelo poder público. Esses jovens têm entre 12 e 14 anos. São desacreditados pelos poderosos, pelos vereadores, deputados, governador e também pelo prefeito. Sentem falta de informação, de contato com os governantes e, mesmo assim, com a ajuda de professores que honram a profissão, os jovens conseguiram se posicionar politicamente e deram um show na velha e esquecida democracia. Essa experiência provavelmente será tocada em outras escolas, enfim, o que eu fui fazer lá?

Trocar ideia. O convite veio de um fantástico professor de português que desembarcou nesse mesmo bairro, no início dos anos de 1990, numa outra escola. Mas a situação era parecida, tínhamos um presidente interino do PMDB, o país acreditava no fim da corrupção, os pobres também eram esquecidos e parte da imprensa manipulava a população.

O bicho pegava naquela quebrada e esse cara, José Roberto, deu esperança para uma galera, no meio deles, estava eu. Passei mais de uma hora sendo entrevistado pelos alunos, no final, aprendi muito mais do que ensinei, ou seja, não cumpri uma parte do combinado, mas o que vale é o refrão, na batida do funk, da galera no encerramento da apresentação: Tchau querida, tchau educação, tchau saúde, olá corrupção. É Golpe!!!!

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. O movimento persiste! Que os debates não cessem e que apresentações como a relatada venham a se cumprir em todos os pontos do país! A revolução vem de baixo, ou não virá!

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