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Ninguém fica indiferente a uma Copa do Mundo

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Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com ilustração de Leo

Até há aqueles que, desejando aparentar alguma intelectualidade, evocam a velha máxima do “ópio do povo”, ou mesmo aquela balela do “pão e circo”. Trata-se sempre de um marxismo de anteontem que de tão caricato nem merece atenção.

Neste ensaio, não me faço de rogado e falo da Copa do Mundo, o que não significa, necessariamente, falar apenas de futebol. É que a Copa do Mundo é um evento tão importante, mas tão importante, que não se resume ao futebol. É muito mais que futebol.

Na Copa do Mundo se manifestam alinhamentos geopolíticos, projetos de emancipação nacional, rivalidades e reconciliações entre nações historicamente afastadas pela guerra.

Na Copa do Mundo, podemos perceber as tendências ideológicas internacionais, as formas de pensamento que estão se fortalecendo. E é exatamente este o meu alvo neste ensaio: as tendências ideológicas internacionais, formas de pensamento que estão em notório processo de fortalecimento.

Pra isso, tomo aqui como objeto de reflexão o evento que na dinâmica da Copa do Mundo da Rússia foi atravessado por aquilo que estou chamando de “tendências ideológicas internacionais”: a punição imposta pela FIFA à Seleção do México por gritos homofóbicos direcionados pela torcida mexicana ao goleiro alemão Manuel Neuer.

O evento demonstra claramente que o mundo está mudando, que práticas até então aceitas como naturais não estão mais sendo toleradas.

Essa mudança pode ser lida, pelo menos, de duas maneiras: aqueles que defendem a punição imposta à torcida mexicana afirmam que a homofobia é um preconceito que deve ser combatido em todos os lugares, até mesmo nas praças esportivas. Por outro lado, há os que interpretam as críticas como exageradas, o famoso “mimimi”, termo pra lá de conhecido por todos nós.

Em uma discussão que é bastante complexa, tento tomar o caminho do meio, me situando entre os dois extremos.

Se o combate à homofobia e a outros formatos de preconceitos é fundamental para o aprimoramento dos valores democráticos, a disciplinarização e o controle do comportamento que esse combate exige pode se desdobrar numa narrativa de colonização e de silenciamento de vozes periféricas que por ventura não se enquadrem no modelo civilizatório considerado adequado.

O grande desafio, acredito, é a delimitação de uma fronteira capaz de distinguir o combate ao preconceito do policiamento do comportamento e da colonização.

Pra isso, é fundamental compreender quais práticas são, de fato, discriminatórias e ofensivas, e quais práticas têm apenas conteúdo lúdico, funcionando como ritos de socialização entre pessoas que comungam códigos específicos, muitas vezes estranhos ao decoro e à polidez tão desejados por algumas vozes ligadas aos movimentos identitários.

É muito difícil distinguir a ofensa do ritual lúdico, até porque as fronteiras entre eles são porosas e bastante tênues. Além disso, existe uma incontornável dimensão subjetiva que condiciona a percepção da discriminação e da ofensa.

Aquilo que ofende você, leitor e leitora, não é o que me ofende, e vice-versa.

Mas como estamos tratando de um tema público, coletivo, é necessária a invenção de algum critério que torne a discussão possível, para além das subjetividades e da fulanização.

Lá vai a minha proposta:

Considero práticas de ofensa e discriminação aquelas que desqualificam o outro pelo que ele é, pela sua condição de existência. Considero práticas lúdicas pertencentes ao repertório da cultura popular aquelas não têm o objetivo prioritário de desqualificar o outro, mas, sim, de sedimentar valores e identidades dentro de uma comunidade.

Todo o argumento que desenvolvo daqui pra frente parte dessa premissa. Se o leitor e a leitora não concordam com a tipologia, talvez seja mais prudente interromper a leitura por aqui. Não vale ficar se aborrecendo na internet. A vida já está tão difícil…

Acompanhado dessa tipologia, afirmo que o coro entoado pela torcida mexicana não é uma prática de ofensa e discriminação, mas, sim, um ritual tradicional que já há muito tempo tem lugar nos estádios mexicanos.

No México, em uma partida de futebol, lá pelas tantas a torcida grita “Puuuutooo” para o goleiro adversário.

O adjetivo tem, sim, conotação homofóbica, mas seu uso não é necessariamente homofóbico, pois pouco importa a orientação homossexual do goleiro adversário. Todo aquele que estiver ocupando aquela posição (goleiro adversário) será chamado de “puto”, independente de qualquer coisa.

O grito, então, não tem o objetivo de desqualificar a condição de existência daquele sujeito, mas, sim, sua situação temporária: a de estar guardando a meta adversária.

Para fins de comparação, tomemos uma prática de discriminação que, infelizmente, é recorrente em estádios de futebol pelo mundo afora: o racismo.

Diferente do coro mexicano, a prática racista, seja no samba, no Carnaval, no forró ou no futebol, sempre é direcionada à pessoa negra, no sentido de desqualificá-la pela sua condição racial. O mesmo acontece com a misoginia: a ofendida será sempre a mulher, independente de qualquer coisa. Também esse é o caso da agressão homofóbica.

Uma pessoa branca jamais sofrerá racismo, assim como um homem jamais será vítima de uma ofensa misógina, assim como um homem heteronormativo jamais será vítima de uma agressão homofóbica.

Repito, com o risco da redundância e com a busca pela clareza que tema tão espinhoso exige: racismo, misoginia e agressão homofóbica são práticas execráveis em quaisquer circunstâncias e devem ser criminalizadas, independente da classe social do agressor.

O coro mexicano não se enquadra em nenhuma dessas categorias, pois é regulado por outra lógica, por uma lógica de socialização. É uma manifestação lúdica, é jogo social, tem regras próprias.

Um exemplo para ilustrar:

Quando brinco com um amigo tricolor depois de um Fla x Flu, não estou mirando na condição de gênero dele, tampouco preocupado com suas práticas sexuais. Estou, tão somente exercitando um rito de socialização, de encontro, que envolve dois personagens que já pactuaram as regras.

O leitor e a leitora, talvez com os narizes torcidos e algo irritados a esta altura, podem argumentar que, independentemente de qualquer coisa, esse rito de socialização está equivocado, pois sugere que a condição homossexual é risível, é objeto de piada.

O leitor e a leitora estarão certos em pensar assim. Não nego, de forma alguma, que há alguma dimensão preconceituosa nesse tipo de ritual lúdico.

Se formos capazes de ultrapassar a barreira da avaliação moral, perceberemos a importância desse tipo de ritual para uma parcela da sociedade grande o suficiente para ser ignorada.

Aí, o leitor e a leitora, treplicando, poderiam dizer: “Então, vamos ensinar o correto para essas pessoas”.

O ímpeto colonizador está aqui, na sugestão de que tudo que essas pessoas sabem, tudo que elas acreditam, está, simplesmente, equivocado. Essas pessoas precisariam das luzes dos iniciados, precisariam de uma intervenção civilizatória.

Todos sabemos onde esse tipo de “boa vontade” pode chegar.

Além disso tudo, há outro aspectos, referentes ao cálculo político: uma democracia nos coloca diante do desafio e da necessidade de dialogar e conviver com os valores da maioria.

Ou em outras palavras, pra finalizar e pra tentar esclarecer ainda mais o meu ponto: não é possível, simplesmente, passar como um rolo compressor por cima das visões e dos valores compartilhados há muito tempo. É claro que a prática pedagógica é urgente e necessária, mas ela precisa partir de algo, negociar com um “já existente”.

Como demonstraram as eleições cariocas de 2016 e as intenções de voto para as eleições que provavelmente acontecerão em outubro, existe no espectro político brasileiro toda a sorte de proto-fascismos dispostos a se apresentarem como “defensores da tradição”.

Não se constrói um mundo novo definindo como “errada” a forma como as pessoas pensam e agem, não na democracia.

É necessária alguma negociação, com alguns valores compartilhadas por aquilo que, na falta de um termo melhor, chamo de “cultura popular”.

No mundo novo que se quer construir terá que sobrar algum espaço para comportamentos considerados inadequados. É menos pior que esses comportamentos sejam restritos à praça esportiva, à catarse futebolística.

Se não existir esse espaço, se não existir alguma tolerância com o inadequado, esse mundo novo não será construído e o que virá será ainda pior do que aquilo que temos hoje.

 

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1 Comment

1 Comments

  1. Leonardo

    26/06/18 at 7:29

    É lamentável ver jornalista usando este espaço pra passar pano pra discurso de incitação de violência, especialmente em um país onde não se pode nem ao menos sair do estádio com a camiseta do seu time sem temer pela própria vida.
    #ForaPassadoresDePano

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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