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Não perdemos apenas o jogo. Perdemos as regras e os juízes

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Por Gustavo Aranda, especial para os Jornalistas Livres*

 

“Podemos votar, podemos nos manifestar mas a democracia mesmo acabou.”

A frase resumiu o clima de uma reunião especial dos Jornalistas Livres para pensar as consequências de mais um 7 a 1 representado pelas eleições municipais seguidas de um golpe de estado devidamente consumado

 

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Que perdemos, ninguém tem dúvida. Não importa o jogo que foi jogado, perdemos! O problema é que não perdemos apenas o jogo, perdemos as regras e os juízes. Perdemos nossa frágil viabilidade eleitoral que reflete, basicamente, no próprio direito das nossas pautas e demandas existirem.
A proibição de doações de empresas para campanhas, por exemplo, que à primeira vista era uma medida progressista, foi um desastre para o Partido dos Trabalhadores. As cidades do interior ficaram sem o menor suporte partidário e a debandada foi imediata e irrestrita. Das cerca de 600 prefeituras do PT, pouco mais de 200 permaneceram sob o comando do partido.
O efeito das novas regras foi muito parecido com o que se espera de um sistema baseado no voto distrital: influência determinante do poder econômico. Nunca houve tantos milionários eleitos de uma só vez. Só o herdeiro das capitanias, o João Trabalhador, gastou mais de um milhão e meio do próprio bolso. Quase 1% dos 179 milhões de patrimônio declarado à justiça eleitoral. 
O curioso é que esse foi, praticamente, o valor investido pelo governador tucano em anúncios na revista “Caviar Lifestyle” de propriedade do candidato. Ou seja, a campanha saiu quase de graça para João Dória Júnior.

Os dois partidos que mais elegeram prefeitos são os mais envolvidos em escândalos de corrupção. No Congresso, sabe-se, o mandato de deputado tem preço. Temos sete partidos com mais de 38 deputados na câmara. Temos a bancada ruralista com 207 deputados, a dos “parentes” é a maior com 238, evangélicos somam 197 parlamentares, 226 representantes de empreiteiras, 35 da bancada bala. Dos direitos humanos só 23. A base de Eduardo Cunha, estima-se, era composta por cerca de 160 deputados. O voto em legenda foi praticamente invalidado.
A direita conseguiu controlar os mecanismos eleitorais. Ou você tem grana ou tá fora da disputa: qual a chance de um governo progressista prosperar nesse balcão de negócios?

Qual a lógica do seu trabalho?

Sobre a “crise econômica”, o que parece é que os ricos estão ficando mais ricos. Do ponto de vista matemático sabemos como isso ativa o outro lado da balança.
Desde a criação dos bancos centrais e a implementação da economia baseada em dívidas – que transformaram a própria moeda em mercadoria – o montante de dinheiro gerado sem lastro com a produção de bens, serviços, ou qualquer coisa real, alterou radicalmente o valor de todos ativos econômicos. Ficou mais vantajoso comercializar moedas e títulos – especular – do que investir na produção.
A transferência das indústrias americanas e européias para os campos de concentração de trabalho na Ásia, África e América Latina, foram reflexo dessa competição pelo lucro rápido. Hoje, nas grandes cidades, as pessoas estão “pagando” para trabalhar; direitos e garantias trabalhistas estão se convertendo em benefícios. A China, de vilã, se tornou referência em eficiência.
Outro fator desestabilizante que essa concentração de riqueza exagerada provoca é a pressão inflacionária, principalmente no setor imobiliário. Em São Paulo, por exemplo, quase metade dos imóveis estão na mão de 1% da população.

A saída que o capitalismo oferece é: “empreenda você também; obtenha um CNPJ; emita Nota Fiscal; hipoteque sua casa; esqueça o emprego tradicional, pois ninguém mais irá mamar nas tetas das empresas”.

E vamos combinar que passar 50 anos trabalhando 8 horas por dia para se aposentar depois de velho é um projeto de vida que ninguém mais merece. É um modelo moribundo e sua tentativa de reciclagem fede mofo.

A necessária busca por um novo modelo de civilização passa por encontrar sentido lógico na natureza do trabalho – trabalhar pra que? Por que fazer vídeo? Por que fazer pão e granola? – Passa também por repactuar nosso acordo com o tempo. Por que aprender coisas novas? Qual o papel da arte?

Do ponto de vista econômico, acredito que a humanidade já reuniu conhecimento suficiente para superar o capitalismo e conseguir racionar melhor a riqueza. O que falta é força para conseguir fazer essa travessia.
A luta simbólica
A divisão do país, que demagogicamente era negada pela elite, foi assumida já no primeiro discurso de Aécio Neves após a derrota eleitoral de 2014. A direita se reuniu em torno de um projeto, se viu como classe e lutou o jogo “como deve ser lutado”. Abraçou seus símbolos e foi para as ruas com as melhores roupas. Com orgulho, cantou, esbravejou e fez festa.
A campanha eleitoral de Fernando Haddad, por sua vez, escondeu o PT como pôde. Escondeu Lula, escondeu a estrela, escondeu a cor. Obedeceu às pesquisas “qualis”. Perdeu duas vezes: a luta eleitoral e simbólica. Perdeu o discurso e a capacidade de liderar – assim como ocorreu no episódio dos “vinte centavos”, quando, republicanamente, o prefeito optou pela sombra do governador.
Fugir do combate tem sido a tônica dos governos do PT. Talvez pela própria história do Lula, um negociador nato. Talvez como estratégia de marketing para tentar se afastar de uma imagem radical alimentada pela imprensa. A pergunta é: quando iremos olhar, verdadeiramente para os problemas e encará-los sem dar voltas?

Constituição em risco
A maneira como o golpe de Estado nos foi apresentado abalaria profundamente a percepção sobre a ética em qualquer sociedade.
Um vice-presidente conspira contra a primeira mulher eleita. Ele é auxiliado por uma campanha difamatória e por um judiciário seletivo – desde o juiz de Curitiba até a Suprema Corte. Se aproveita de uma chantagem do presidente da câmara. Isso culmina numa condenação sem provas e na substituição arbitrária de um programa de governo.

É uma história feia de ser contada. O Brasil, mais uma vez, é marcado pela conspiração, pela traição, pelo golpe, pela chantagem e pela imposição.

O problema de uma ruptura institucional é o tempo que se leva para reconstruir qualquer possibilidade de relação democrática. Os cidadãos são jogados uns contra os outros pois é da natureza de quem se sente roubado.
O “presidento” ilegítimo e conspirador Michel Temer, assim como todos os beneficiários do golpe, tem como grande arma a própria ilegitimidade. Um governo ilegítimo tem carta branca para tomar qualquer medida, exatamente por não ter compromisso algum com o eleitor. Ninguém votou em Michel Temer. Ou o que é pior, foram os eleitores da Dilma que votaram.
Enquanto o conflito envolvia apenas os poderes executivo e legislativo era possível vislumbrar uma assembleia constituinte específica para uma reforma eleitoral. À medida que o judiciário perdeu a capacidade de mediar esse conflito e tomou parte no golpe, a constituição como um todo entrou em risco.
Resistiremos!
Civicamente estamos escangalhados. Não há instituições e lideranças capazes de apontar uma direção para a esquerda. A construção necessariamente será coletiva. Estamos tão frágeis politicamente que os únicos campos de batalha possíveis são a disputa por uma narrativa independente e a desobediência civil.
A imprensa e os formadores de opinião continuarão martelando que tudo “é fruto e culpa da Dilma e do PT”. Vão tentar arrancar os direitos trabalhistas e culpar o PT. Vão apostar na privatização de todas as riquezas e culpar a Dilma. Vão restringir os direitos civis e culpar a liberdade. Vão convidar o FMI pra festa e culpar o Bolsa Família. Vão nos provocar e culpar a ordem. Pois os golpistas não sobrevivem sem a ideia de um inimigo e de um culpado.
Como profissionais da comunicação livre, podemos construir uma narrativa da história e dos fatos partindo das nossas próprias percepções, partindo das nossas vitórias e conquistas e da nossa visão crítica, romântica, otimista, engajada, coletiva e amorosa do mundo. Das nossas experiências humanas e afetivas. Sem nos pautarmos pelo “de sempre”, pela boiada das redações. Nossa luta é também pela pauta. Precisamos participar da decisão de quais questões são importantes serem discutidas por meio de nós, mediadores.
Conseguir contar a história pelo ponto de vista do oprimido, de quem trabalha duro, do discriminado, dos movimentos sociais, de quem está na vanguarda, de quem desafia e de quem sonha, já é uma grande contribuição para o retorno inevitável do Estado Democrático de Direito.
Dar voz a quem não tem é a missão do jornalismo livre.
Resistiremos!

*Gustavo Aranda é jornalista livre, videoAtivista e padeiro.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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