Não adianta irritar o povo

Ilustração Joana Brasileiro

Por Rafael Castilho, especial para os Jornalistas Livres

Fica surpreso com resultado das eleições municipais em São Paulo quem não prestou atenção nos resultados da apuração por zona eleitoral no pleito para presidente em 2014.
O então candidato Aécio Neves bateu Dilma em diversas regiões consideradas, durante anos, redutos eleitorais petistas, sobretudo nas periferias da Cidade de São Paulo.
Fica a pergunta se os resultados foram interpretados com a devida atenção naquela ocasião e se os atores interessados em reverter esse quadro eleitoral agiram adequadamente para a mudança de cenários. Houve algum sinal de alerta? Ou passou batido?
Ainda que a vitória de João Dória Júnior tenha sido efetivamente significativa, não apresenta grandes variações com o que ocorreu em 2014, sobretudo no segundo turno das eleições presidenciais. Aécio já tinha vencido em todos os cantos da cidade, mas ao que parece, houve a interpretação que aqueles resultados significavam rejeição tão somente ao nome de Dilma.
De lá pra cá o quadro só piorou. Outros elementos problemáticos para a candidatura de Haddad à reeleição influenciaram negativamente. Houve o agravamento da conjuntura nacional, com a avalanche midiática antipetista, os desdobramentos da operação lava-jato que convergiam dia-a-dia com calendário político, a crise econômica, o crescimento dos protestos contra o governo federal e o desenrolar do processo de impeachment.
Outro elemento de dificuldade foi a entrada na disputa de duas ex-correligionárias e ex-prefeitas da capital, Marta e Erundina. Também, a votação de Celso Russomanno mostrou-se elemento preocupante para Haddad, já que o eleitorado de Russomanno é predominantemente oriundo das periferias da cidade, regiões importantes para o petismo.
O número de ausência nas eleições, somado aos votos brancos e nulos, foi tão grande que mesmo com cinco candidatos de peso, a participação de Dória no percentual dos votos válidos definiu sua vitória antecipada.
Bom, quem não quiser realizar as análises críticas que em geral incomodam os militantes mais apaixonados, pode parar de ler este texto a partir deste momento. Quem estiver disposto a continuar siga à diante.
Vamos lembrar que a gestão de Haddad já começa problemática e mergulha numa espiral de eventos negativos para seu mandato desde de junho de 2013 ate o golpe.

Porém, merece destaque a dificuldade de a gestão Haddad ouvir, absorver críticas, comunicar-se adequadamente com a sociedade e corrigir rumos.

Desde o primeiro dia de gestão, existiu uma confiança plena nas qualidades pessoais do prefeito, pelo menos por parte de seus apoiadores. Ele foi exaltado com fervor por quem o cerca, mas de alguma forma, não existia equivalência desse sentimento por parte do conjunto da sociedade. Daí, criou-se um consenso inútil, do ponto de vista político, que a sociedade não estava preparada para Haddad, o eleitorado não merecia Haddad, a classe política não estava a altura de Haddad, a classe média era quem degradava Haddad.

Não que Haddad deixe de reunir qualidades especiais e raras nos grandes políticos de nosso tempo, mas ganhar apoio político das grandes massas não é tarefa secundária para quem assume o dever da transformação.

Sim, a coragem para tomar decisões difíceis e impopulares é admirável e pouco encontrada nos governantes, porém sem fazer política de fato fica muito difícil efetivar os grandes projetos transformadores.
Talvez por se saber professor e intelectual, Haddad adquiriu o ”vicio de estar certo” e seguir sempre sua visão, imaginando que os outros viriam fatalmente ao encontro de suas ideias.
Seja nos debates, entrevistas, ou quando inquirido por alguém, é muito comum ele responder “você está mal informado”, “talvez você não saiba”, “se você tivesse lido o relatório da ONU, da OIT, do Banco Mundial, saberia que…”.

Sim, na maioria das vezes ele tinha realmente argumentos concretos, mas na política a verdade é diferente dos relatórios. Existem variações de percepção da realidade. O Lula sabia muito bem traduzir para o povo a sofisticação de uma política publica, e de um jeito que acabava por fazer sentido para o cotidiano das pessoas.

 

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Haddad, com todas suas qualidades, não conseguiu tocar o eleitorado para a importância de muitas de suas medidas. Mais que isso, não aceitou bem as criticas e foi insistente em algumas políticas muito impopulares.

Não adianta irritar o povo.

Sim, é preciso ter coragem para medidas impopulares. Sim, existe um grau de aceitação menor para os erros do governo do PT. Sim, a mídia foi sacana. Mas não precisava irritar tanto assim.

Olha o momento político que vivemos. A maior cidade do país se configurou num grande barril de pólvora. É possível dizer inclusive, que uma parte da “onda de insatisfação” dos protestos pelo impeachment foi derivada das problemáticas da vida urbana.

Quem quiser defender os radares e as multas fique absolutamente à vontade. Mas que esse foi um dos elementos que minaram a candidatura de Haddad não tenham a menor dúvida.

Será mesmo que é melhor perder voto fazendo aquilo que se acha que tem que ser feito? Será mesmo que tinha que ser feito e do jeito que foi feito? Olha o momento político que estamos vivendo, olha o que está em jogo? Será que é mesmo somente a “classe media branca” afetada pelas multas ou isso atingiu uma fatia da população mais pobre que usa automóvel em seu dia a dia?
Alguns dados da apuração chamam muito a atenção. Por exemplo, na Zona Eleitoral de Guaianazes Haddad ficou em quarto colocado. Sim, estamos falando do fundão da Zona Leste. Em Perus (fundão da Zona Oeste), também ficou em quarto colocado.

Em Parelheiros e Grajáu quem ganhou foi a Marta. Haddad fez uma votação mais do que modesta para as administrações petistas. Para Marta ter esse “recall”, depois de 12 anos de sua gestão, será que não existe um motivo?

Será que para que o campo progressista possa superar esse momento e crescer vai adiantar apenas chamar a Marta de golpista e traidora adianta alguma coisa?

 

Será que aquela analise comumente utilizada de que os pobres alcançaram a mobilidade social e passaram a “querer mais” e reproduzir o ideário da classe dominante responde tudo? Ou será que assumir certas falhas não seria o inicio de um novo caminho?
Sabem qual foi o reduto eleitoral onde Haddad teve o maior percentual de votos? Alguém chuta? Pois é, companheiros, em Pinheiros com 24% dos votos. Bela Vista em segundo, com 22%.

Ora, Haddad teve melhor votação em bairros mais ricos, não seria também porque foi lá que enfrentou o debate político?

Não vou entrar nessa de dizer que o Haddad não fez nada pela periferia, pois muitas de suas principais bandeiras vão ao encontro das necessidades das populações mais pobres, mas efetivamente pode-se dizer que ele não se comunicou para a periferia.

Os debates calorosos com radialistas fascistóides foram uma delícia de se ver e ouvir. Um barato pra nós, que temos o infortúnio de conhecer Marco Antonio Villa e Reinaldo Azevedo, entre outras figurinhas, mas vocês realmente acham que o povão vê o seu dia a dia contemplado nas discussões desses manés? Ele fez bem em enfrentar o debate, não fez mal, mas isso atinge uma parcela limitada da sociedade.

Pois bem, por mais difícil que seja, é preciso olhar para frente e aprender novas lições.
Ficar com raiva do povo, posso garantir que não adianta.

É preciso agora acima de tudo humildade para ouvir, aprender e entender. Isso para as forcas que estiverem efetivamente interessadas em transformar. Aquelas que preferem continuar enroladas nas armadilhas estéticas do esquerdismo tolo podem continuar se divertindo.
Há muito pela frente. É preciso começar de novo.
Acreditem, a autocrítica é fundamental. E será sim preciso dizer coisas desagradáveis pra quem talvez não esteja disposto a ouvir.

*Rafael Castilho é sociólogo. Pesquisador e coordenador de projetos na Fundação Escola Sociologia e Política de São Paulo.

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