Alexandre Francisco Cavallazzi Mendonça- advogado em Santa Catarina
Em defesa dos nossos direitos
Nada justifica a eliminação de direitos trabalhistas assim como nada pode justificar o retorno de práticas de tortura, o retorno da escravidão, a eliminação da liberdade de expressão e a aniquilação do “meu direito de lutar pelos meus direitos”, de salvar minha vida e minha liberdade
Em 2016 publicamos um artigo[1] no qual defendíamos que já naquele ano estávamos diante do Embrião do Fim. Me referia ao fim dos direitos na esfera do processo penal, mas o fim não era somente dos direitos processuais penais, este embrião gerava um fim maior.
Alertei que Chaim Perelman (Justice, New York, 1967), já dizia que a justiça “…é invocada para proteger a ordem estabelecida, assim como para justificar sua derrubada”, e a História estava repleta de exemplos disso, e hoje com a edição da MP 927, temos mais uma comprovação de que nossos direitos estão sendo atacados dia após dia.
Em nome da justiça muitos direitos já foram exterminados, uns depois de muita luta e resistência, mas outros, sem sacrifício algum. O direito à liberdade se opôs, na história recente do Brasil, ao direito de proprietários de escravos. Hoje é indiscutível qual destes dois direitos deveria ter prevalecido já há cento e vinte e oito anos (1888). Mais recentemente os Direitos Trabalhistas foram conquistados e até pouco tempo, não se imaginava a possibilidade de regressão destas conquistas.
Rudolf von Ihering, já falava em luta como o meio de alcançar a paz que é um dos objetivos do direito à liberdade individual.
O objetivo do direito é a paz, a luta é o meio de consegui-la […]. Todo o direito do mundo foi assim conquistado, todo ordenamento jurídico que se lhe contrapôs teve de ser eliminado e todo direito, assim como o direito de um povo ou de um indivíduo, teve de ser conquistado com luta. O direito não é um mero pensamento, mas sim força viva. Por isso a Justiça segura, numa das mãos, a balança, com a qual pesa o direito, e na outra a espada, com a qual o defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é a fraqueza do direito.[2]
É certo também que os direitos estabelecidos são sempre mais valorizados por aqueles que de alguma forma contribuíram para sua conquista, que deram seu sangue ou que vivenciaram uma experiência de vida sem estes direitos. O direito ao voto, por exemplo, à liberdade de expressão e à livre manifestação de pensamento no Brasil é, em regra, ressalvadas as exceções, muito mais valorizado pelas gerações que viveram nos anos de chumbo do que os nascidos a partir dos anos noventa.
No campo dos direitos individuais a tendência de sua desvalorização não difere muito. Há correntes ideológicas que têm pregado a flexibilização de direitos trabalhistas há muito já consolidadas e não faltam seguidores que aderem a esta corrente sem refletir sobre as consequências futuras.
Nada justifica a eliminação de direitos trabalhistas assim como nada pode justificar o retorno de práticas de tortura, o retorno da escravidão, a eliminação da liberdade de expressão e a aniquilação do “meu direito de lutar pelos meus direitos”, de salvar minha vida e minha liberdade. Se os trabalhadores não se mobilizarem e, sentados em seus sofás, permitirem que os interessados na destruição dos direitos do trabalho aproveitem esta crise que nos obriga ao confinamento e “eufemizem” este verdadeiro desmonte trabalhista chamando-o de flexibilização, estaremos mais uma vez alimentando o embrião do fim de todos os nossos direitos e ao cabo, das nossas vidas.
Neste texto que publicamos em 2016, alertamos que, se algum dia surgisse um “Porta-Voz dos anseios da sociedade brasileira, tomando por argumentos (i) o alto custo dos empregadores com impostos e obrigações sociais, (ii) a dificuldade de conseguir mão-de-obra, (iii) a desigualdade perpetrada pela Justiça Trabalhista paternalista, e(iv) a necessidade de aumentar a produção para melhorar o PIB brasileiro? Poderia este Porta-Voz justificar o aumento da carga horária de trabalho sem a correspondente remuneração, ou até mesmo o retorno da escravidão? Afinal, passamos por dias turbulentos! Esperamos sinceramente que não. Mas, não sejamos hipócritas, pois, é certo que alguns, antes de decidir, indagariam – De que lado eu estaria? Dependendo desta resposta, apoiariam ou não esta nova ordem legal imposta por dias turbulentos.”
Por isso é que jamais poderemos ser acusados de lutar pela defesa da vida, pela defesa da liberdade, pela defesa daquilo que se levanta contra nossos direitos.O embrião da relativização ou flexibilização dos direitos e garantias individuais e trabalhistas é uma armadilha desconhecida, e alimentar este tipo de pensamento e de prática custará caro à sociedade.
[1] Mendonça, Alexandre Francisco Cavallazzi. Em busca das garantias perdidas. O embrião do fim. Org. Aline Gostinski e Deivid Willian dos Prazeres. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.
[2]Ihering, Rudolf von. A luta pelo direito; trad J. Cretella Jr. e Agnes Cretella; 1ª ed.; 2ª tir.; – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1998; p. 27.
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