305 são os povos do Brasil. Irmãos do sofrimento, certos números nos dão friagens na espinha ao lembrar que eram mais, muito mais povos em terra tão vasta para andanças no ano 1500. Chegou de caravelas a morte nesses chãos. Agora tá de volta o índio, 2017 é o ano e 305 são os povos, escuto entre algarismos na conversa de antropólogas em evento na metrópole. Longe daqui, na capital da antiga República Federal da Alemanha, Bonn, na Conferência Internacional do Clima, rosna a onça suçuarana dos povos indígenas do Brasil, Sônia Guajajara; vão à luta e anuncia: onde tem direito garantido, tem floresta, tem biomas preservados.
Apesar de tudo o que perdemos, sabemos agora, para ladrões e seus parceiros no ofício da gestão do status quo, não tiraram essa vontade virgem de vencer tão evidente nos índios que vejo. Resiliência e resistência.
Como na corrupção, talvez também sejam o genocídio e a devastação das florestas algo sistêmico, por baixo dos panos, entre os humanos que aqui aportaram de Portugal e tantos lugares. Na Alemanha acontece a COP 23, na Rússia os 100 anos da Revolução e em São Paulo, comigo ouço ligeiro, a Comissão Nacional da Verdade, seus arautos e o bom combate.
Nosso mundo envelhece no planeta que gira e a mídia livre alforria antigos temas . Tupã, aqui em São Paulo, em sede de Banco ressoa seu trovão, ouço, enquanto na vizinha Praça da Sé centenas de pessoas protestam contra o governo atual.
Não vou escrever muito sobre a pauta dos direitos indígenas, pois o assunto desenvolve-se há 517 anos, ai de nossos netos. O local da palestra que assisto fora um dia a sede dum Banco Federal. Todos aqui querem saber dos índios e o que lhes roubam em fluxo contínuo, tal curso de rio que não tem fim. Roubar o índio foi a primeira lei instalada em Pindorama, logo fica evidente no debate.
De tudo cabe um pouco no Banco, agora museu e espaço cultural. É índio, é preto, é imigrante, tudo se configura nas paredes, entre muita segurança, do espaço cultural da Caixa Cultural São Paulo. Advogados, antropólogos ou estudantes, muitos, no pequeno auditório querem é saber dos índios, a “não gente” primária toda aqui exterminada, excluída ou confinada. Duras são as palavras quando se fala da sina de índio nesse chão, não se iludam aqueles que buscam transcendência entre os povos tradicionais. Não são poesias ou doutrinas as veredas dessa gente, gente que foi e nunca mais vem, apenas guarda e cresce, lentamente.
Curioso notar que em espaço histórico de Banco nos sentimos como numa terra de ninguém, pois num museu de instituição financeira não há muito espaço para gente, mas sim engenhocas que calculavam, máquinas de somar e dividir, máquinas de escrever e vários instrumentos que demonstraram a seriedade e eficácia do capitalismo, a dureza fria de seus artifícios. Enfim…
Sentam-se à mesa Manoel da Silva Werá (liderança da Terra Indígena Jaraguá e coordenador regional da Comissão Guarani Yvyrupá), Marlon Weichert (Procurador regional do Ministério Público Federal, atuando principalmente com direitos humanos, com ênfase nos temas de justiça transicional (direito à verdade, à responsabilização e à memória em relação a crimes contra a humanidade) e segurança pública, e Marta Azevedo (ex-presidente da Fundação Nacional do Índio, membro do Conselho Consultivo do Fundo de População da Organização das Nações Unidas no Brasil e coordenadora do Grupo de Trabalho de Demografia dos Povos Indígenas da Associação Brasileira de Estudos Populacionais). Não são cantos de pássaros ou macacos nos galhos as vozes ou pensamentos em parlamento assim, a denunciarem direitos humanos violados e requerendo a recuperação dos direitos indígenas e a reparação de toda violência entre esses sertões que unem os séculos e dizimam multidões.
Entre Bonn, Leningrado e São Paulo tudo gritava na sexta-feira. Tantos são os olhares de preocupações e expressões de escândalo ou resistência entre a continuidade da violação dos direitos indígenas, uma sede que não sacia. A violência contra os povos indígenas é ininterrupta.
Índios, indigenistas, estudantes, juristas e o homem de bem sabem que há um monstro solto nas ruas nesses tempos de golpe. É preciso vigiar, orar aqueles que tem fé, sempre recordar e guardar, como sal da terra, direitos e democracia.