“Metia um drone com granadas todo final de semana”: vizinhos ricos de Paraisópolis apoiam ação da PM

Por Joaquim Carvalho do DCM

Enquanto os parentes choravam as mortes de jovens em Paraisópolis, em consequência da ação violenta da polícia, o governador João Doria aparecia sorridente no evento partidário no Rio de Janeiro, em que se filiou ao PSDB o ex-ministro de Bolsonaro Gustavo Bebianno.

Como se viu mais uma vez, a prioridade do governador de São Paulo é abrir a estrada para disputar os votos da direita e da extrema direita com Jair Bolsonaro em 2022.

Sobre as mortes em Paraisópolis, Doria publicou uma nota no Twitter e não tocou mais no assunto.

“Lamento profundamente as mortes ocorridas no baile funk em Paraisópolis nesta noite. Determinei ao Secretário de Segurança Pública, General Campos, apuração rigorosa dos fatos para esclarecer quais foram as circunstâncias e responsabilidades deste triste episódio”, disse ele.

O oficial da PM que falou à imprensa sobre os fatos ocorridos de madrugada em Paraisópolis e de como será esta “apuração rigorosa” não permite alimentar expectativa de que haverá justiça. Trata-se do tenente-coronel Eduardo Massera, porta-voz da PM. E quem é Massera?

O advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos, explica:

“É um notório defensor da violência policial e instigador de ataques contra jornalistas e defensores de direitos humanos nas redes sociais.”

“Podemos ver que as apurações começaram de forma isenta e imparcial”, criticou, com ironia, na rede social.

O Conselho de Defesa de Direitos Humanos do Estado de São Paulo já foi atacado por Massera.

Não deu outra. Na tarde deste domingo, ao falar dos eventos em Paraisópolis, defendeu a ação policial:

“Criminosos utilizaram as pessoas que estavam ali frequentando o baile funk como uma espécie de escudos humanos para impedir a perseguição policial, o trabalho da polícia.”

Testemunhas desmentiram o oficial, e as imagens gravadas por moradores e frequentadores do baile funk mostram a violência da polícia.

Ainda que fosse verdadeira a informação sobre escudo humano, não é preciso ser especialista para concluir que uma perseguição policial realizada em um evento com pelo menos 5 mil pessoas terminaria em tragédia.

Se o erro dos policiais envolvidos nesta operação não fosse o do excesso de violência, retratado por imagens que mostram jovens sendo espancados e uma multidão encurralada em vielas, teria sido o erro técnico.

“A polícia fez uma ação, no mínimo, desastrosa. Não poderia entrar atirando no meio de um evento com milhares de pessoas”, afirmou o ex-presidente da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis, José Rolim, que já foi vereador em São Paulo pelo PSDB.

Há 22 anos, uma confusão no show de rock dos Raimundos na cidade de Santos, que começou com a quebra de corrimãos, gerou correria e oito pessoas mortas ao serem pisoteadas.

Se o efeito manada acontece quando desaba o apoio de uma escada, como no caso do show dos Raimundos, a correria é muito maior diante de tiros e do estouro de bombas de efeito moral e de gás lacrimogênio, como ocorreu em Paraisópolis.

Outra evidência de que a investigação rigorosa anunciada por Doria é uma um teatrinho se deu nas palavras do delegado de polícia da região, Emiliano da Silva Neto, do 89º Distrito Policial.

Horas depois das mortes, ele já tinha uma formado seu juízo de valor sobre o caso.

“Em um primeiro momento, não foi verificado nenhum abuso, nenhum excesso por parte deles [policiais]. Tudo o que ocorreu foi uma fatalidade por causa do problema do pancadão”, disse.

Se não houvesse gravações em vídeo, as palavras do delegado poderiam ser tomadas por verdadeiras.

Por que o governo Doria faz pouco caso da tragédia que terminou com nove mortos — a maior parte adolescentes?

A resposta pode ser encontrada na manifestação do público com o qual Doria se identifica, cidadãos de bem que comemoraram a morte de jovens que só estavam ali para se divertir, como qualquer pessoa da idade deles.

São moradores da áreas contígua a Paraisópolis, que têm um grupo fechado no Facebook chamado MMS (Moradores do Morumbi Segurança).

Na discussão sobre os eventos deste domingo em Paraisópolis, disseram frases como:

“Eu já metia um drone com granadas todo final de semana. É para radicalizar mesmo! Muito mimimi sobre o assunto. Precisam acabar com estes batidões”, disse um deles, homem grisalho, que usa sua página na rede social para postar fotos de carrões como Ferrari, expressar sua tristeza pelo incêndio da catedral de Notre Dame em Paris e, claro,defender Bolsonaro e xingar políticos de esquerda.

Uma cidadã de bem que faz parte do grupo defendeu uma operação dessas todas a semana.

“A Globo Lixo está dizendo que a culpa é dos policiais! Um absurdo isso que a Globo faz! Se toda semana tivesse uma operação como essa, duvido que existisse baile funk nos moldes atuais…”

Um amigo no grupo lembrou que, se houvesse uma operação dessas por semana, em 12 meses haveria 500 mortos.

Ela não ficou constrangida:

“Engraçado… eram em torno de cinco mil participantes no Baile Funk, apenas 8 policiais… Como apenas 8 homens podem realizar uma “operação”?

Essa jovem é natural de Salvador e tem um bom emprego em São Paulo. Faz postagem contra a corrupção.

Paraisópolis fica no coração do Morumbi expandido, cercado por condomínios de luxo e casas grandes. A origem da favela remonta ao início do bairro.

Pedreiros e serventes que levantavam as mansões e os equipamentos urbanos, como o estádio do São Paulo Futebol Clube e o hospital Albert Einstein, descobriram que havia grande área abandonada na região.

Fizeram ali a sua moradia, e os vizinhos ricos não se opuseram. Era melhor ter por perto a mão de obra para serviços domésticos. Para quem conhece um pouco da história do Brasil, é impossível não enxergar na região uma versão moderna da casa grande e a senzala.

Há cerca de quinze anos, o tráfico de drogas se instalou na favela, depois de uma disputa intensa com os antigos homens fortes, que teriam ligação com quadrilha de roubo de cargas.

Eram uma espécie de milicianos, sem a participação de ex-policiais, mas que, igualmente, controlavam transporte alternativo e o comércio. Os chefes da favela decidiam até contendas domésticas, como briga de marido e mulher.

A polícia, que tinha ligações esses grupos, fazia vista grossa, como, de certa forma, ainda faz hoje para o tráfico de drogas.

Difícil é entender por que a polícia não faz uma ação preventiva em relação aos pancadões, ocupando a área antes que o baile comece.

E ao mesmo tempo atuando conjuntamente com outros setores do estado para que haja lazer e diversão para os jovens que moram ali ou que vêm de outras regiões para se divertir.

Paraisópolis tem uma população estimada em 100 mil habitantes, numa área relativamente pequena — deve ter uma das maiores densidades populacionais do planeta.

É como uma cidade média, do tamanho de Botucatu, só que em área 100 vezes menor. Diversão é inerente ao ser humano e é natural que quem mora ali buscará nos fins de semana uma alternativa para quebrar a rotina de trabalho.

É uma situação complexa que o ódio dos vizinhos que moram nos apartamentos de luxo e nas mansões não resolverá. Só estimulará a violência policial.

Na situação complexa, é fácil saber de que lado Doria está. Os moradores do Paraisópolis devem ter isso em mente toda vez que forem votar.

Confira o link da matéria original em http://twixar.me/7cWT

 

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