Conecte-se conosco

Artigo

Marx, o ilustre aniversariante da semana

Publicadoo

em

Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na UFBA, com ilustração de Aroeira

 

Mas como nem tudo na vida são flores, falo também de nós, da esquerda brasileira e daquela que parece ser a nossa grande derrota: perdemos a narrativa da denúncia e do combate à corrupção, uma narrativa que desde o início foi nossa, da esquerda.Uma narrativa que no século XIX foi formulada por Karl Marx.

Sim, amigos e amigas, o capital nos roubou a narrativa. Foi roubando assim, despacito, passo a passo. Não nos demos conta. Em algum momento, acreditamos que a narrativa do capital era a nossa narrativa. Acreditamos que a Operação Lava-Jato era republicana. Acreditamos que as delações premiadas seriam um instrumento utilizado pelas autoridades do Sistema de Justiça no combate aos crimes de colarinho branco.

Fomos tolos, muito tolos. Perdemos a narrativa. Perde o jogo quem perde a narrativa.

Começo pelo começo e o começo começa em Marx, no sistema de pensamento que até hoje é a melhor interpretação da modernidade. É que antes de ser o teórico da revolução dos trabalhadores, Marx é um intérprete da modernidade, o melhor que temos. Ninguém entendeu a modernidade tão bem quanto Marx.

Se fosse possível resumir o pensamento de Marx em uma sentença simples, rápida, eu diria assim:

O capitalismo inventou uma sociedade fundada na corrupção!

Ao longo de seus muitos escritos, Marx aborda a ideia da corrupção em duas perspectivas distintas, sendo que uma complementa a outra:

1°) A primeira abordagem tem teor mais filosófico e propõe uma definição para a natureza humana. Ultrapassando a tese iluminista de que os seres humanos são naturalmente racionais, Marx afirma que a natureza humana é fabril.

Ou seja, homens e mulheres são naturalmente vocacionados para o trabalho.

Mas que tipo de trabalho seria esse? O próprio Marx responde no capítulo VII do I volume do Capital:

“Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais que um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho, aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera: ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito.”

O trabalho que define a humanidade não é o trabalho meramente mecânico e repetitivo. É o trabalho livre, criativo, cujos resultados já estavam sendo imaginados pelo trabalhador antes de iniciado o processo de criação.

Na medida em que é fundado na exploração de uma classe social pela outra, o capitalismo corrompe a natureza dos seres humanos, de todos eles. O capitalismo, diz Marx, corrompe tanto a burguesia como o operariado.

A humanidade dos burgueses é corrompida porque sua posição de classe lhes permite o privilégio do ócio. O ser humano ocioso não trabalha e por isso tem a natureza da sua humanidade violentada, corrompida.

A humanidade dos trabalhadores é corrompida porque o seu trabalho não é livre, mas, sim, alienado. No capitalismo, o trabalhador trabalha em função das necessidades e dos desejos de outros.

O mundo novo, para Marx, alcançado após a Revolução, não seria o império do ócio, mas sim o reino do trabalho livre, onde todos pudessem desenvolver livremente todas as potencialidades de sua natureza fabril. No mundo novo, todos trabalhariam para satisfazer suas necessidades, tendo apenas os limites da natureza como força externa de regulação.

2°) O segundo tratamento possível que Marx deu à ideia de “corrupção” tem dimensão política e pode ser encontrado no livro “A Luta de Classes na França – 1848–1850”, publicados originalmente na forma de artigos na “Nova Gazeta Renana”, editada em Hamburgo.

Diz Marx que: “Enquanto a aristocracia financeira legislava, dirigia a administração do Estado, dispunha de todos os poderes públicos organizados e dominava a opinião pública pelos fatos e pela imprensa, repetia-se em todas as esferas, desde a corte ao Café Borgne, a mesma prostituição, as mesmas despudoradas fraudes, o mesmo desejo ávido de enriquecer não através da produção mas, sim, através da sonegação de riqueza alheia já existente.”

Para Marx, no capitalismo, o jogo político está sempre regulado pelas forças que controlam o capital. A manutenção dessas forças como classe de poder demanda a manipulação do jogo político, que passa a atender aos interesses de uma classe específica, ao invés de atender ao “interesse público”. Essa é a “corrupção política” para Marx: o jogo político colaborando para a reprodução dos privilégios de um grupo.

No fundo, o que Marx está dizendo é que no capitalismo a corrupção política é uma redundância, pois não há a possibilidade de a política ser virtuosa se o sistema social inteiro está fundado na corrupção. Uma corrupção que, como disse há pouco, consiste na violação da natureza fabril dos seres humanos.

Como o trabalho livre é elemento fundamental da natureza humana, a sua corrupção, obviamente, não é natural e demanda artifícios, estratégias, jogos de poder. É aqui que a corrupção política cumpre sua função, acionando as estruturas de poder que satisfazem os privilégios de um grupo e viabilizam a corrupção original.

A corrupção original da essência humana produz a necessidade da corrupção política. A corrupção política possibilita a corrupção original da essência humana. Esse, segundo Marx, é o ciclo da corrupção na sociedade capitalista.

Na modernidade burguesa, a narrativa da denúncia e do combate à corrupção foi formulada originalmente por Karl Marx, o principal teórico das esquerdas.

Na dinâmica da crise brasileira contemporânea, as forças do golpe neoliberal, representadas pela aliança entre a mídia hegemônica e o sistema de Justiça, tomaram de assalto essa narrativa. É esse o aspecto da crise que mais me impressiona.

É claro que no assalto as forças do golpe reorientaram a narrativa, o que ficou muito claro na última semana, no dia 2 de maio, quando o golpe neoliberal alcançou aquela que talvez tenha sido sua principal vitória: a restrição da prerrogativa de foro, aquilo que o próprio golpe chama, pejorativamente, de “foro privilegiado”.

Penso que a restrição da prerrogativa de foro tenha sido a grande vitória do golpe até aqui, uma vitória mais importante que a destituição de Dilma e a prisão de Lula. É que a destituição de Dilma e a prisão de Lula são medidas emergenciais. A restrição do foro tá mirando no futuro do projeto do golpe neoliberal.

O golpe neoliberal sabe o que faz.

As forças motoras do golpe neoliberal sabem muito bem que o seu projeto de desenvolvimento, fundado no “Estado Mínimo”, não tem apoio da maioria da população brasileira. A consolidação desse projeto somente é possível nas costuras palacianas. A consolidação desse projeto depende do enfraquecimento da soberania popular nas eleições.

Mas o que o ataque à prerrogativa de foro, ao “foro privilegiado”, tem a ver com as eleições? Não se trata apenas de combater a corrupção?

Isso é o que o golpe neoliberal quer que você pense, leitor e leitora.

O golpe neoliberal quer convencer você que os juízes brasileiros, os mesmos que se lambuzam com privilégios funcionais como auxilio moradia e salários acima do teto constitucional, estão comprometidos com o combate à corrupção.

Salários acima do texto constitucional também são prática de corrupção. Auxílio moradia mesmo com residência própria também é corrupção.

É corrupção legalizada!

É legal porque a diferença entre o político corrupto e o juiz é pequena, é apenas uma caneta. A caneta do juiz transforma sua prática de corrupção em direito assegurado por lei.

É óbvio que isso tudo está mascarado pela narrativa do golpe neoliberal, que tenta nos convencer diariamente que a política institucional é o território exclusivo da corrupção e que o político profissional, eleito pelo voto popular, é o corrupto por excelência.

Na narrativa do golpe neoliberal não existe corrupção no sistema financeiro, nos lucros da especulação rentista. Não existe corrupção na imprensa hegemônica, que suborna entidades esportivas para ter o monopólio da transmissão dos grandes eventos. Não existe corrupção no Sistema de Justiça.A corrupção só rola solta no território da política, onde a vontade da população tem alguma influência. A soberania popular não é soberana no sistema de comunicação, controlado por poucos grupos. A soberania popular não é soberana no sistema de Justiça, formado por funcionários concursados que não foram eleitos.

A vontade popular é influente no jogo político, pois de dois em dois anos os políticos profissionais descem do olimpo e ao rés do chão dão tapinhas simpáticos nos ombros dos eleitores, posam para fotos com crianças e vovós, comem pastel e bebem caldo de cana na feira do bairro da periferia.

Nesse momento, a bola está com o eleitor. Se ele joga bem ou mal é tema para outra conversa. Fato mesmo é que de dois em dois anos, a bola do jogo está com o eleitor.

O que o eleitor faz?

Elege mandatos, escolhe seus representantes.

Podemos ficar horas e horas discutindo a qualidade dessa representação, mas não dá para negar que o político eleito foi escolhido, escolhido pelo povo, pelo eleitor.

Cada político eleito representa uma parcela da sociedade relevante o suficiente para ser representada. A instituição da prerrogativa de foro garante que esse mandato popular não será facilmente constrangido pelas primeiras instâncias do Sistema de Justiça, que em teoria são mais sensíveis às pressões políticas da localidade.

A prerrogativa de foro protege o mandato popular quando garante que o político eleito só pode ser julgado pela mais alta corte do Sistema de Justiça. Uma corte que, em teoria, é mais qualificada e mais capaz de resistir às pressões políticas. Em teoria…

O que tentei mostrar neste ensaio é que o golpe neoliberal tomou de assalto a narrativa da denúncia e do combate à corrupção, reorientando a matriz original dessa agenda, que é de esquerda, que é marxista.

Na narrativa do golpe neoliberal, a corrupção não está na desigualdade, na exploração de uma classe pela outra. A corrupção está no exercício do voto, na manifestação eleitoral. O corrupto é o político eleito pelo povo, é o mandatário eleito por um povo incapaz de decidir seu próprio destino.

A mensagem do golpe neoliberal é clara: o povo não sabe escolher seus representantes, não sabe escolher o modelo ideal para o desenvolvimento nacional. Então, pouco importa se a maior parte da população, nas urnas, rejeita as reformas neoliberais, elegendo lideranças políticas que se opõem a esse programa.

Com a restrição da prerrogativa de foro, o mandato dessas lideranças é fragilizado e pode ser desestabilizado por funcionários concursados, sobre os quais o eleitor não tem nenhum controle. Com isso, a soberania popular se torna coadjuvante numa democracia que está em claro processo de oligarquização. Mais do que nunca, estamos nos tornando a República dos Bacharéis.

 
 

 

 

Artigo

LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

Publicadoo

em

Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

Continue Lendo

Artigo

OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

Publicadoo

em

 

Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

Continue Lendo

Artigo

Armai-vos uns aos outros

Publicadoo

em

Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

Continue Lendo

Trending