TEM ANJO NO ESCOMBRO.

Há muitos helicópteros como abutres a comporem uma melodia confusa no centro da cidade, acordes dum desmoronamento social, um rock pauleira. Vejo um anjo ereto entre os escombros, parece arar os ferros tortos, colher a cana, tocar música. Não sei precisar o que realiza o anjo sóbrio entre as paredes ruídas, mas sei, é um anjo. É também uma paróquia, o Centro da Igreja Evangélica Luterana de São Paulo. Seu pastor, Frederico Carlos Ludwig, é um homem forte, robusto, desperta sobriedade na voz firme e expõe um olhar reto sobre a tragédia recente no centro de São Paulo.

 

 

Frederico relembra para o Jornalistas Livres que todo o imenso edifício estava em chamas ao lado de sua igreja e, de repente, tudo veio abaixo. Após alguns chutes na canela, agressão que sofreu de policiais desavisados e mal treinados, que não representam todos da corporação, apenas na sexta-feira, dia 6 de maio, pode o pastor entrar no templo e ver o crucifixo intacto no altar, firme, suspenso. A toalha de mesa ainda posta para a cerimônia, o órgão centenário preservado. A salvo ficaram palavra  e música, os anjos e a oração sem serem abalados, se emociona ao relembrar o fato. Coisa de Deus, diz ele. Triste fica ao ver tantos outros pastores circulando agora entre os miseráveis na praça, oferecendo serviços de fé. Tanto oportunismo entre os necessitados agora, políticos que nunca ouviram as advertências da paróquia sobre a tragédia anunciada que se fazia na ocupação do edifício.

 

 

O pastor luterano nos conta:  não fazemos o cadastro das pessoas que frequentam o templo, pois Deus não quer controlar a vida das pessoas, apenas cedemos o pão, a refeição, o banheiro, a pia, acolhimento e oração. Tínhamos o grupo sonho de artista, desenvolvendo o artesanato para pessoas em situação de risco. A valorização do indivíduo, o cidadão em estado de penúria sendo tratado com dignidade, a presença da palavra irmão em nossas atitudes, as portas abertas de nossa igreja sempre nos guiaram, conclui, lamentando estar no chão a nave da igreja, que desmoronou, como o Estado que cai sobre nossas cabeças. 

 

Da sinfônica desse momento, soa Cristo, ficaremos de pé.

fotografias por Helio Carlos Mello
Imagens do incêndio e do desabamento Naiara de Deus, reportagem e edição Joana Brasileiro | Jornalistas Livres

 

PS: Em breve vamos publicar a entrevista completa, também com as paroquianas.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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