A solidariedade é vermelha; o amor é vermelho

Foto: Tuane Fernandes

E foi um tal de procurar a estrelinha do PT. “Onde foi que eu deixei?” Perdida no meio das bijouterias ou naquela caixinha com as recordações da primeira campanha presidencial de Lula, em 1989? Ou será que…

Muitos militantes apareceram com suas estrelinhas vintage afixadas no peito, para homenagear Marisa Letícia Lula da Silva, ontem, 4/2, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. E com flores, e com camisetas vermelhas e com bandeiras estreladas do PT, agitadas com a força da indignação.

Morta aos 66 anos, o atestado de óbito de Marisa Letícia Lula da Silva registrará que ela morreu por complicações decorrentes de um AVC (acidente vascular cerebral), depois de agonia de 10 dias, período em que ficou internada no Hospital Sírio-Libanês.

Para boa parte dos amigos e da militância do Partido dos Trabalhadores, contudo, Marisa morreu em decorrência do linchamento que sofreu desde que sua vida e a de sua família passaram a ser devassadas por investigações de corrupção que, de concreto, encontraram um tríplex que jamais pertenceu aos Lula da Silva, um sítio em Atibaia cuja escritura mostra outros donos, a propriedade de dois pedalinhos ancorados em um lago minúsculo, e um barco de alumínio que custou a bagatela de R$ 4 mil.

“Marisa morreu triste [por causa da] canalhice, leviandade e maldade que fizeram com ela… Quero que os facínoras que levantaram leviandades contra ela tenham um dia a humildade de pedir desculpas”, disse Lula, durante discurso emocionado no velório, quando da cerimônia de fechamento do caixão. O corpo de Marisa vestia um vestido vermelho e um amor. No peito, uma estrelinha.

Fosse uma morte aceita como simples fatalidade, e haveria amigos e companheiros presentes. Mas não o ato de solidariedade e desagravo, vinte mil pessoas tendo passado diante do corpo morto de Marisa, segundo avaliação da Polícia Militar no local. (leia aqui)

E foi a antiga militância do PT que protagonizou o abraço emocionado em Lula e sua família enlutada e ofendida. Nas filas gigantescas que se formaram em torno do sindicato para cumprimentar o ex-presidente –ele fez questão de abraçar cada um dos que foram até lá, apesar da reprimenda dos seguranças, que temiam algum atentado—viam-se os muitos rostos vincados de pessoas pobres que participaram das lutas históricas dos metalúrgicos do ABC e do PT, heróis anônimos da greve de 1979, quando 113 mil metalúrgicos cruzaram os braços e pararam as máquinas em São Bernardo, Santo André, São Caetano e Diadema, enfrentando todo o aparato repressivo da Ditadura.

Era gente que se tornou petista em 1989, Lula contra Collor, mulheres que participaram com Marisa da passeata das mulheres pela libertação dos sindicalistas presos na greve de 1980, Lula incluído. Eram gerações diferentes. Gente que fez campanha para o PT na base do mimeógrafo, da faixa escrita à mão (como se valorizava então a caligrafia!) e da camiseta que, na época, a gente orgulhosamente sabia estampar em silk screen. E que financiava as campanhas eleitorais vendendo broches de estrelinhas –sempre elas. E ficava lindo!

Coração geográfico da esquerda

Bem que ofereceram o hall monumental da Assembléia Legislativa de São Paulo, no Ibirapuera, para que lá se fizesse o velório e o povo se despedisse dela.

Lula não aceitou.

Foi no Sindicato que o operário viúvo conheceu Marisa, também viúva. Foi lá que eles se casaram. Foi lá que nasceu a idéia de um novo partido “diferente de tudo que está aí”. E é lá que vive o núcleo afetivo e amoroso da esquerda brasileira. Núcleo da resistência e da luta da classe trabalhadora.

[slide de fotos]

Os repórteres da “Folha de S.Paulo” notaram com razão que “a presidente Dilma compareceu à cerimônia, que reuniu poucos políticos não-petistas”.

Foi o PT pré-poder, principalmente, quem se reuniu para a solidariedade a Lula. Lá estava Luiza Erundina aos prantos. Lindbergh Farias, o cara-pintada que derrubou Collor. O ex-dirigente sindical e ex-deputado federal Djalma Bom, 77 anos, operário aposentado da Mercedes-Benz. Djalma chegou a soluçar enquanto falava aos Jornalistas Livres. Emocionado, pediu que a morte de Marisa não seja esquecida. “Porque o ódio, a calúnia, a mentira e a intolerância foram determinantes para o agravamento da saúde e a morte da companheira Marisa. Isso tem de parar.”

Luís Rodrigues, o Luisinho da Perkins, de São Bernardo do Campo, acabou de se submeter a uma cirurgia para extração de um câncer de próstata. Saiu do hospital há dois dias e ainda tem de conviver com a bolsa de drenagem de urina, mas foi, assim mesmo, meias de compressão contra uma trombose, chinelos e roupão, para o Sindicato querido, levar sua solidariedade e Lula. “Eu conheci a Marisa. Morava a 200 metros da casa de Lula no [bairro de] Assunção, em São Bernardo; meus filhos estudaram com os filhos do Lula. A gente sabe quanto o Lula ama a Marisa. Por isso, viemos aqui, dar o nosso apoio a ele, nesta hora tão difícil. E ela onde estiver vai apoiar o Lula.”

Golpistas ficaram longe

É difícil imaginar Geraldo Alckmin no meio do território de classe. A coroa de flores que ele enviou foi parar na porta do banheiro do sindicato –disseram que foi por falta de espaço, já que havia mais de 100 . Também seria impensável ver Temer lá. Ou algum dos golpistas que se tinham aventurado a visitar Lula na ante-sala da UTI onde Marisa recebia os últimos cuidados, no Hospital Sírio-Libanês.

Foto: Tuane Fernandes

A narrativa que no Sindicato se fazia combinava a luta operária à história de amor entre Lula e Marisa, que todos ali testemunharam de perto; e não de ouvir dizer.

MAS…

O carinho entre Lula e Marisa, o respeito e a dedicação que ele sempre devotou à mulher com quem se casou em 1973, tudo isso ficou repentinamente incômodo para aquela certa direita-que-odeia.

Tão logo Marisa foi internada, o neurocirurgião Richam Faissal El Hossain Ellakkis postou nas redes sociais a exortação a seus colegas para que matassem a paciente. “Esses fdp vão embolizar ainda por cima. Tem que romper no procedimento. Daí já abre pupila. E o capeta abraça ela.”

Assassino potencial, Richam não esteve só na barbaridade. Ele contou com a cumplicidade de colegas que vazaram exames de Marisa pela rede, atitude liminarmente vedada pelo Código de Ética Médica-2009, que impõe: “o médico guardará sigilo a respeito das informações que tenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em Lei”. Para piorar, esses médicos-monstros fizeram tais vazamentos serem acompanhados de troças e chacotas contra a paciente.

A rede, felizmente, revoltou-se com tamanho horror. Os médicos envolvidos perderam seus empregos, o Conselho Regional de Medicina apreciará suas condutas e poderá até vir a cassar o registro profissional dos meliantes.

Chega? Não. A direita raivosa prossegue no linchamento moral de Marisa, Lula e familiares, agora colocando em dúvida o amor entre eles. Este é o mote hoje nas redes sociais.

Luta que segue.

A classe operária, os pobres e os oprimidos em geral que lotaram o sindicato dos metalúrgicos do ABC, atendendo ao chamado de seu amigo e camarada Luiz Inácio Lula da Silva, bandeiras ao vento, estrelinhas no peito, mostraram mais uma vez que a solidariedade é vermelha, que o amor é vermelho. Que a união fortalece o espírito que sofre. É disso que a burguesia, com razão, tem medo.

Foto: Tuane Fernandes

#MarisaPresente

#ForçaLula

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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