Imprecisa arquitetura de um poema para o engenheiro da esperança

Elisa Lucinda
Elisa Lucinda

A Lino Antônio

Até agora a expressão “In memorian”,
ao lado do nome do meu irmão no convite,
me fatia em lâminas, atingindo em cheio meu ninho de lágrimas.
É punhal.
Só depois que passa é que aparece, consolador,
o pensamento de que ele queria tanto a formatura da filha médica,
o que agora é real.
Seu nome está ali lembrado no fundamento,
pois, sem sua loucura sonhadora,
seu otimismo exacerbado,
isto talvez não fosse possível e,
nem mesmo todo seu amor ele teria nos derramado.
Mas é só depois que este pensamento vem.
Quem bate primeiro e constantemente à porta do meu coração,
são as palavras gumes em latim itálico a escrever ausência no convite.
A ausência marca a presença da ausência,
e os mundos em que nos encontramos agora,
não se relacionam por transitação entre portais, mas por transmutação.
“Somos uma intersecção de seres”, “Inter seres. Ninguém é um”.
Afirmava sorridente e convicto,
gostava de propagar isso e de nisso crer,
este incansável renovador de esperanças!
Então, se assim é, eu sou ele, mais seus filhos, o meu, os sobrinhos,
os irmãos, os primos, as tias, a mulher que ele amava, os amigos,
e mais os desdobramentos incalculáveis do afeto e suas bonanças.

Pronto.
Meu poema desabou.
Meu poema desabafo desandou.
Tinha começado meio torto,
embora sincero,
tentando descrever o tipo de lâmina de uma expressão em latim
indicando o póstumo das pessoas amadas.
Coitado deste meu poema triste,
ficou sem ritmo.
Nem um pouco de rima sabe ser!
O que fazer?
Quem manda neste cavalo
a não ser a entidade poema,
O orixá poema,
o Deus poema?
Começou com um grupo de palavras
que não mais conseguiram se dissipar
desde que se juntaram para formar a dura tradução do impacto:
Meu irmão apareceu morto no meio do convite.
Quando a gente vê escrito acha que é mesmo!!!
Virou verdade.
Por isso que se acredita tanto em literatura.
Porque está escrito.
É escrita.
Depois é que podemos, inclusive saber que,
quem escreveu não tinha irmão era nada.
Ficcionou tudo, até a dor.
Na revista ele se exibe:
“Inventei tudo”, confessa o autor.

Mas eu agora não.
Tô inventando nada não.
O teatro da vida me pôs na calçada da saudade,
na negação do real, na incredulidade:
Não, ele não morreu.
Está aqui.
Caminhamos juntos pelas ruas da memória que não morre nunca.
Está aqui
no meu coração desde eu menina, gotinha pequena,
garotinha sapeca e serena.
Está aqui, comigo.
Estamos.
Os irmãos, a quatro mãos, compondo este poema!

Elisa Lucinda, 22 de outubro de 2019. Primavera ainda.

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