Impeachment e Presidencialismo: O que são? Porque um golpe pode estar em andamento. Série: ABC do Golpe

Esta semana o debate a respeito da inconstitucionalidade do Impeachment ganhou destaque nos principais meios de comunicação (inclusive aqui no Jornalistas Livres — veja matéria sobre inconstitucionalidade do impeachment).

Uma parcela importante da sociedade tem apresentado dúvidas das mais diversas a respeito do conceito e processo chamado “impeachment”, bem como dúvidas mais gerais sobre o nosso sistema político.

Apresentamos a seguir alguns dos principais conceitos que estão presentes nas discussões – às vezes bem colocados, às vezes distorcidos – com o objetivo de ajudar a tornar o debate mais qualificado, bem como a colaborar para que argumentos pouco fundamentados, baseados em boatos ou simplesmente irracionais possam ser enfrentados, não especificamente pelo bem de algum governo ou grupo político, mas em defesa da democracia.

O que é um “impeachment”?

Segundo o dicionário Houaiss, (2001) — o impeachment é um instrumento político-criminal instaurado por denúncia no Congresso para apurar a responsabilidade de um Presidente.

Nota-se que em sua definição não se separa os termos “político” e “criminal”, pois são necessários os dois elementos na fundamentação de um pedido de impeachment conforme indica o Art. 85 da Constituição Federal:

“São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I — a existência da União;
II — o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III — o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV — a segurança interna do País;
V — a probidade na administração;
VI — a lei orçamentária;
VII — o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.”

A criminalista Profa. Dra. Rosa Cardoso da Cunha em coletiva de imprensa que reuniu dezenas de juristas, professores e advogados das mais importantes instituições brasileiras do Direito, mencionou — a respeito dos crimes, inclusive os de responsabilidade, que podem ser utilizados em um processo de impeachment:

“…se é crime, tem as garantias do direito criminal, ou seja, o fato só pode ser enquadrado, só pode ser atribuído a alguém, se for típico, antijurídico e culpável, se houver justa causa do ponto de vista criminal, e justa causa — do ponto de vista criminal — é materialidade criminosa e autoria criminosa.”

O impeachment é uma forma de tirar do poder presidentes, governadores ou prefeitos que no momento podem não estar agradando?

Reprodução-AGU

Não. Assim como em um jogo de futebol não se pode parar o jogo antes do apito final do juiz porque o time está tomando uma goleada, nos países de regime presidencialista — como é o caso do Brasil — também não se pode tirar do poder um Presidente, governador ou prefeito que não esteja agradando naquele momento à opinião pública somente por vontade política. Tal como um time só pode ser punido sendo todo ele expulso do campo antes do fim da partida se houver “justa causa” ou seja, se uma autoria criminosa for realizada pelo responsável pelo time, da mesma forma um governante só pode ser removido do cargo se houver justa causa, ou seja, se houver comprovação de que o governante tinha intenção de cometer um crime, uma afronta à Constituição, se levada em conta a interpretação da Profa. Rosa Cardoso da Cunha.

Países como os Estados Unidos e nossos vizinhos como Argentina, Paraguai e Uruguai são países que utilizam o sistema de governo presidencialista com funcionamento independente do poder executivo em relação ao poder legislativo, isso é, os deputados e senadores não interferem na escolha do Presidente que é eleito por voto direto ou através de delegados que não são ao mesmo tempo parlamentares.

Mas existe outro sistema de governo bastante utilizado mundo a fora:

O Sistema Parlamentarista (não é o caso do Brasil)

No sistema parlamentarista as decisões que no caso brasileiro estão à cargo do Presidente da república, em grande parte (especialmente no que se refere às questões internas do país) são de responsabilidade do “Primeiro Ministro”. Nos países que utilizam este sistema, de modo geral, o Primeiro Ministro é eleito por parlamentares e não pelo voto direto da população. Neste caso, os eleitores comuns votam em parlamentares de suas preferências. Por sua vez, os parlamentares são incumbidos de eleger líderes dentro de seus partidos que irão disputar eleições dentro do próprio parlamento.

O partido com maior número de parlamentares eleitos pela população votante do país — se tiver a maioria das vagas (cadeiras) do parlamento — tem a prerrogativa de definir o nome do Primeiro Ministro, que em geral é o líder do partido naquele momento. Porém, quando o partido com mais vagas (cadeiras) não tem o número suficiente para nomear um Primeiro Ministro, este poderá tentar compor um governo de coalizão com outros partidos que participam do parlamento. Este processo de tentativa de formar um governo tem um prazo limite a ser obedecido que varia de acordo com a Constituição de cada país. Caso não se chegue a um governo de coalizão, então novas eleições poderão ser convocadas para que o eleitorado defina novos parlamentares.

O Presidencialismo (é o caso do Brasil)

Conforme mencionado anteriormente, países como o Brasil, a Argentina e mesmo os EUA, são países presidencialistas. Neste caso, ainda que o modo do eleitor escolher o Presidente possa variar, uma coisa há em comum entre eles: o Presidente não depende de votos de parlamentares para chegar ou para se manter no poder, mas sim, dos votos diretos dos eleitores ou de seus delegados (que não são parlamentares).

No caso do presidencialismo o Presidente tem um mandato previamente estabelecido para colocar em prática seu projeto político. Este prazo costuma variar entre quatro e cinco anos (no caso do Brasil, 4 anos) podendo ou não admitir que o Presidente concorra à reeleição.

Nos países de sistema de governo presidencialista as eleições são divididas entre cargos majoritários e cargos proporcionais. Os cargos majoritáriossão aqueles em que o vencedor da eleição por maioria simples ou absoluta assume o cargo exclusivamente, sem ter que compartilhar suas atribuições com o segundo, terceiro e demais colocados na votação. Este é o caso de cargos do poder executivo como o da presidência da república, dos governos de estado e de prefeituras. Nestes casos, somente um vencedor assume o cargo a que concorreu.

Já no caso de cargos proporcionais — isso irá variar conforme as regras de cada cargo a que se concorre, em cada país, estado ou cidade — os vencedores são classificados e de acordo com a quantidade de votos que receberam para si, para seus partidos, lideranças ou lista de candidatos. De acordo com esta classificação e número de votos recebidos, os candidatos assumem a quantidade de vagas correspondente à proporção de votos que cada grupo ou parlamentar atingiu. No nosso caso, cada partido ou coligação, após contabilizados os votos de seus candidatos passa a ter direito a determinada quantidade de votos na Câmara dos Deputados (eleições para o Senado são do tipo majoritária) que serão estabelecidas de acordo com oquociente eleitoral — que é um cálculo proporcional que estipula a quantidade de vagas a que cada partido terá direito na Câmara dos Deputados.

Diferenças e considerações importantes em relação a cada sistema de governo (presidencialismo e parlamentarismo)

Enquanto que em governos de sistema parlamentarista o Primeiro Ministro tem que se manter bastante atento aos interesses e propostas de sua base de sustentação (parlamentares que concordam em manter o Primeiro Ministro no cargo e que colaboram enviando propostas e votando projetos de interesse do governo) sob o risco de os parlamentares emitirem um pedido para que o Primeiro Ministro deixe o poder (como, por exemplo, no caso de uma Moção de Desconfiança ou Censura dada pelo parlamento). Por outro lado, o Primeiro Ministro pode “dissolver o Congresso“ e convocar novas eleições. A estabilidade neste sistema de governo se dá em grande parte, por um lado, pelo receio de o Primeiro Ministro não conseguir manter uma maioria de parlamentares em sua base, e por outro, pelo receio de que o Primeiro Ministro dissolva o Congresso fazendo com que os parlamentares tenham que enfrentar um novo processo eleitoral.

Diferentemente do que ocorre no sistema parlamentarista, tal como vimos no exemplo do jogo de futebol, o parlamento em governos presidencialistas não tem a prerrogativa de tirar do poder o presidente por mera insatisfação política. As únicas formas de se remover um presidente de seu cargo antes do término de seu mandato são: por motivo de seu falecimento, pela sua renúncia ou através da comprovação de que o mesmo tenha cometido algum crime que seja de sua responsabilidade que esteja previsto na Constituição Federal ou caso seja condenado por crime comum (assassinato, por exemplo). Além de ter cometido o crime, caso não esteja impossibilitado de executar suas funções, o presidente terá também que ser reprovado pelo Parlamento através de uma condenação em um processo de impeachment.

O atual cenário político brasileiro e a questão do “impeachment” no caso da Presidenta Dilma Rousseff

O presidente da Câmara dos deputados Eduardo Cunha acolheu um pedido de abertura de impeachment contra a Presidenta Dilma Rousseff. Ao longo dos últimos anos dezenas de pedidos de impeachment foram enviados à Câmara, como no caso de governos como: Collor (29 pedidos), Itamar (4 pedidos), FHC (17 pedidos) e Lula (34 pedidos), Dilma (14 pedidos no primeiro mandato). Entretanto, foram pouquíssimas as vezes que pedidos de impeachment foram acolhidos pela Presidência da Câmara dos Deputados, pois, em nome da estabilidade política e das garantias constitucionais, os pedidos só seriam aceitos caso apresentassem provas robustas sobre a ocorrência de crime pela pessoa do presidente da república ou por comprovada ação que dependesse diretamente dele. Os presidentes Collor e FHC tiveram pedidos de impeachment acolhidos pela mesa e votados pela Câmara, Collor renunciou antes da condenação; FHC teve seu processo arquivado pela Câmara dos Deputados).

Eduardo Cunha acolheu um pedido de Impeachment protocolado pelos juristas Miguel Reale Júnior (Político e ex ministro da justiça no governo FHC — 2002), Hélio Bicudo (Político e jurista que pertenceu ao PT e que deixou o partido por conta de desavenças com Lula), e pela Professora e Advogada Janaina Paschoal (Ex “cara pintada” e membro do movimento 11 de Agosto que participou de manifestações pela saída de Fernando Collor do poder).
O argumento deste grupo de juristas/advogados é o de que a Presidenta Dilma cometeu crime de responsabilidade ao adiar repasses de grandes quantias de dinheiro a bancos que são de propriedade do próprio governo federal tais como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Ao não atrasar estes repasses o governo gerou um déficit com estas instituições sendo que o maior dos valores foi o referente ao ano de 2013. Naquele ano o déficit da União com os bancos públicos foi de cerca de 3,379 bilhões de reais.

Entretanto, conforme observou a Profa. Dra. Rosa Cardoso da Cunha, outros governos haviam gerado déficit similar aos bancos públicos sem que fossem interpelados ou condenados por crime de responsabilidade.

Dados das contas do governo que podem ser acessados no portal do Ministério da Fazenda, indicam que, por exemplo, no ano 2000 (governo FHC), o déficit do governo com os bancos públicos chegou a 918 milhões de reais. À primeira vista parece que a diferença do déficit do governo FHC é bastante inferior ao déficit do governo Dilma. Mas, se corrigido o valor de 918 milhões para valores de 2013, chega-se à cifra de 2,539 bilhões de reais em déficit das contas de FHC com bancos públicos. Ainda assim, parece pouco em relação ao déficit de 3,379 bilhões do governo Dilma?

Se for calculada a diferença entre o valor do PIB brasileiro de 2000 e o valor do PIB em 2013 é possível observar que a diferença é de cerca de 30% em valores atualizados. O valor do PIB em 2000 foi de 1,202 trilhões de reais, atualizado em valores de 2013 o valor fica em 3,447 trilhões o que é próximo dois terços valor do PIB de 2013 que foi de 5,158 trilhões de reais). Praticamente a mesma diferença proporcional em relação ao valor do déficit (em valores atualizados) do governo FHC em comparação com o governo Dilma. Ou seja, neste caso o argumento de que o volume das “pedaladas fiscais” do atual governo estaria muito acima do que historicamente havia ocorrido no Brasil cai por terra.

Os dados apresentados acima indicam que as pedaladas de FHC em 2000 foram de aproximadamente 0,074% do valor do PIB daquele ano, enquanto que as pedaladas de Dilma foram de aproximadamente 0,066% em 2013.

Economistas especializados em finanças públicas e dados macroeconômicos poderiam apresentar estas informações com maior grau de detalhe e precisão, mas a simples comparação da relação Pedalada X PIB entre os dois governos já indica que o caso pode sim estar sendo tratado com dois pesos e duas medidas pelo Congresso, TCU e Mídia. O jornal Folha de S. Paulo, em matéria de abril deste ano indicou que o Governo FHC já havia realizado as chamadas “pedaladas fiscais”, a manchete dizia que as manobras fiscais (da CEF) tinham crescido no governo Dilma, mas não detalhava os pontos apresentados mais acima que poderiam indicar uma grande falha na manchete dada pelo jornal.

Ao se comparar presidencialismo versus parlamentarismo é possível observar que o parlamento brasileiro, tal como destaca o jurista Dr. Luiz Moreira Gomes Júnior, que na mesma coletiva da qual participou a Dra. Rosa Cardoso da Cunha, destacou que o que parece estar em curso é um “golpe parlamentar” que não cabe ao sistema de governo brasileiro que é um regime presidencialista.

A combinação de: a) uma reação desproporcional de membros do Congresso – como é o caso do Presidente da Câmara Eduardo Cunha e do Tribunal de Contas da União (TCU) às pedaladas fiscais do atual governo em comparação com as do governo FHC, e de; b) o descontentamento de parlamentares que estão sendo investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público que se aliaram ao presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB), parece ser o principal fator para a atual instabilidade política que é constantemente alimentada pela chamada “grande mídia” (redes de TV abertas e jornais tradicionais). Todos estes parecem estar bastante interessados no agravamento da crise política e econômica que vai se instalando. Os motivos que cada um destes agentes têm para conduzir o país cada vez mais a um cenário inviável para o atual governo, permanece pouco esclarecido, mas a defesa das instituições e da democracia não parece estar na agenda deles.

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