Erradicar o cunhismo, o bolsonarismo e o felicianismo com sorriso jovial e o ânimo dos moleques. Marcharemos com eles!

Um homem envolvido em vários escândalos e já denunciado por desvios milionários de dinheiro público comanda o Brasil. Não, não é o Eurico Miranda. Paralisa o país em pautas essenciais para o país e destrói décadas de lutas de movimentos sociais com o discurso e a retomada da pauta da criminalização de adolescentes. Com isso, pretende reservar-lhes lugar nas degradadas e, sabidamente, ineficazes cadeias brasileiras. Consegue.

Depois, pretende o apoio da grande imprensa e de boa parte da população brasileira, que vai às ruas proclamando o impeachment da atual presidente da república que, em nenhum tempo e, a despeito de todas as tentativas e erros, se pode acusar de enriquecimento ilícito ou de benefício pessoal no trato com a coisa pública. Isso já mil vezes proclamado publicamente por juristas, políticos, banqueiros e industriais brasileiros.

Como disse Bresser Pereira, ex-ministro dos governos Sarney e Fernando Henrique, em sua recente entrevista ao Estadão sobre Dilma Rousseff e o impeachment:

“É uma mulher de alta dignidade. Esse pedido de impeachment nasce de uma chantagem feita pelo Eduardo Cunha e, portanto, é moralmente prejudicado.”

E mais adiante:

“Tentar fazer um impeachment é criar uma comoção social, muita briga. Se for para a rua, eu, que não vou para a rua por nada, vou para protestar porque o impeachment é uma ameaça à democracia brasileira.”

Esse indivíduo, moralmente condenado, ocupa o terceiro lugar do comando do Estado brasileiro e preside a principal câmara legislativa do país. Acusado, acusa e tem o poder regimental de paralisar a pauta da câmara dos deputados. Define inconstitucionais votações secretas, enquanto é investigado por irrigar contas milionárias na Suíça, supostamente obtidas com desvios de operações, por ele intermediadas junto à Petrobras, com os quais, segundo apurou o Ministério Público da Suíça, teria pago cursos para a filha na Espanha e no Reino Unido e as aulas de tênis da mulher.

Num país em que milhões ainda carecem de ensino básico e médio de qualidade, e em que esses mesmos milhões dependem de bolsa família para sobreviver com alguma dignidade, o deputado, mais uma vez, zomba e esbofeteia o conjunto da sociedade brasileira.

Mais ainda: obtém êxito, com manobras regimentais circenses, ao protelar pela quinta vez consecutiva, os trabalhos do comitê de ética da câmara que emitirá parecer sobre a cassação de seu mandato.

O país perplexo e indignado assiste sem acreditar.

O deputado Eduardo Cunha manda e desmanda no país paralisando os três poderes. Trava as ações do legislativo no comitê de ética para evitar sua cassação, imobiliza o executivo, que depende de permissão para abrir a pauta na câmara e obriga o judiciário a se ocupar de seus descalabros para desmontar, jurídica e institucionalmente, as vantagens que quer amealhar, manejando o regimento da câmara em seu benefício.

Como acusado, manipula as condições da própria investigação e comandando seu exército de fracos, continua a conduzir, segundo seus interesses e de seus seguidores, o processo mais importante do país, que é o processo de impeachment de um presidente da república

Esse homem, não deseja o bem do país. Deseja o seu próprio bem, de sua família, de seu séquito que, como ele mesmo insinua, come em sua mão.

Ele coloca todos a trabalhar para desfazer as bombas de gás que ele lança sobre o legislativo, o executivo e o judiciário.

O golpismo está instalado no país e ele é capitaneado por um deputado e seus asseclas. Consequentemente, o arbítrio no trato com a coisa pública também.

Contudo, a natureza da política é coisa estranha e surpreendente.

Quando — entre um suspiro e outro — lamentávamos tais reveses, milhares de moleques e molecas pouco a pouco ocupavam as escolas públicas. Chamavam a atenção para um processo nebuloso que ocorria na surdina: a “reorganização” das escolas públicas do estado de São Paulo, e interrompiam o ciclo de arbítrio e desmando que atravessa décadas de descaso e depreciação da educação pública no Estado de São Paulo e que, hoje, já atinge as universidades públicas estaduais.

Eles dispõe de energia, peito aberto e alegria. São escorraçados, xingados, agredidos fisicamente, mas são capazes de dobrar decisões arbitrárias de governos infensos à democracia e inspiram seus pais, outros jovens, adultos e dão esperança aos mais velhos.

Sua resposta inesperada e vertiginosa recoloca, mais uma vez, pautas antigas em estado de exequibilidade e recriam os princípios da ação política. Neles reencontramos o rosto luminoso e promissor de um Brasil futuro, oxalá liberto de Cunhas, Felicianos e Bolsonaros. Vemos um país melhor, republicano e em tempo com as pautas que esmorecem, mas nunca cessam de inspirar os fortes e feridos corações de ativistas cansados de levar porradas da polícia militar.

Essa conhecida e desmoralizada formação fascista e pretoriana, militarizada e ditatorial que sobrevive em tempos de democracia, que coage os cidadãos e zomba cotidianamente dos direitos humanos, ainda é útil para muitos. Doravante, haveremos de derrotar mais essa sequela dos períodos de exceção. Policiais corruptos, torturadores, arbitrários e violentos logo também farão companhia aos empresários, políticos e banqueiros corruptos e corruptores do país, hoje encarcerados.

A polícia militar que sempre protegeu os privilegiados será desmoralizada, degradada e defenestrada historicamente se mantiver seu modus operandi. Pouco a pouco as mulheres, homens, adolescentes e crianças brasileiras reagem, se revoltam e não aceitam mais serem tocadas sem permissão; serem torturadas a céu aberto; serem o alvo em desvantagem que a força bruta atinge, machuca e ofende.

Pouco a pouco o Brasil será palco de festas democráticas onde governantes arbitrários, policiais truculentos e parlamentares comprometidos em ofender a democracia estarão tomando sopa nas cadeias. Mas esse dia ainda não chegou.

E tudo o que puder ser feito pela democracia é bom e essencial.

Jamais imaginei que mais de 50 anos após o golpe civil militar e 30 anos após o fim da ditadura, meus filhos ainda teriam de lutar pela sustentação da democracia brasileira ainda em risco.

Imaginação pouco fértil a minha, certamente, mas recentemente animada pelos sonhos e fantasias de jovens que hoje, mais do que nunca, caminham resolutos em direção a um país de justos e bravos. Marcharemos com eles!

Paulo Endo* é psicanalista, professor da Pós Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades e do Instituto de Psicologia, ambos da USP, membro da Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância da USP.

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