Por por Yussef, do Movimento Africano de Trabalhadores e Estudantes – RGB
Nunca um título fora tão feliz para designar a criação de uma nação. Nós, guineenses, somos frutos de uma luta política armada, enquadrada primeiramente num plano pan-africano independentista e, apoiado, por correntes internacionalistas revolucionárias.Quando se coloca a questão “Pan-africanismo ou nacionalismo xenófobo e tribalista”, os méritos da nossa própria História colectiva indicam-nos a escolha a fazer.
Esboçámos uma reflexão sobre o tribalismo político com o título “Tribalismo – sintoma da miséria material do nosso povo e do oportunismo político.” É um tema inesgotável, e sempre latente no debate político, enquanto as nossas miseráveis condições de existência dos trabalhadores guineenses existirem.
A questão do tribalismo nos países africanos é fundamentalmente é uma questão que deriva das nossas miseráveis condições de existência. A luta pela sobrevivência age sobre a nossa visão do mundo e é estruturante.
De uma consciência universal e aberta – fruto da nossa luta de libertação nacional e, ao mesmo tempo, internacionalista –, a actual luta pela sobrevivência, tende a impelir o retrocesso da consciência para uma visão estreita identitária que pode ser nacionalista-xenófoba e/ou tribalista-religiosa fundamentalista excludente.Essa é a condição objectiva do tribalismo: “miséria de nó pubis*”.
A condição subjectiva é a existência de partidos políticos que à dimensão nacional, pelo exercício do poder político e acesso aos meios de comunicação, directa ou indirectamente, exacerbam essa mentalidade/atraso de consciência política com o fito de chegarem e permanecerem no poder, ao serviço de classes económicas que dividem para melhor explorar.
A uma escala menor, podemos ter militantes, activistas – muitos por uma ignorância histórica abismal e “ausência de ideologia” – a fomentar o tribalismo. Certo, o impacto é diferente, mas não deve desmerecer uma reflexão tanto mais quando é instigado por indivíduos que se posicionam contra o retrocesso que é um golpe de Estado, num espaço neocolonizado no qual a Guiné-Bissau está integrado e, aproveitado por golpistas oportunistas para afirmarem o que não são!
Quando existe uma organização, composta por senhores com determinado poder económico e organizados com base na sua pertença étnica comum, e que querem colocar em lugares de poder político e de decisão indivíduos do seu grupo étnico – único critério relevante aos seus olhos – estamos perante uma deriva tribalista que deve ser firmemente, mas sabiamente criticada.
Essa sapiência na crítica deve ser sinónimo de distinguir esse poder económico de uma minoria, que instrumentaliza a pertença étnica para os “seus” interesses económicos, da imensa maioria de elementos desse tal determinado grupo étnico – tanto mais quando esse grupo étnico é dividido em castas bem vincadas e trespassado por classes sociais distintas (como já alertara Amílcar Cabral na “Breve análise da estrutura social da Guiné portuguesa”)(1).
Fazer esta dissociação é importante pela simples razão de que, por mais “Presidentes” ou “Primeiros-ministros” ou “Ministros” que esse lobby económico de base tribal consiga colocar no(s) poder(s) político(s) da sub-região, neste sistema económico cimentado na exploração económica a nível nacional e internacional e consequente opressão social, não existe saída da miséria para aqueles milhões de pessoas do mesmo grupo étnico e para os outros dos demais grupos étnicos senão pela destruição deste sistema político e económico neocolonial.
A solidariedade étnica, ou religiosa, é falsa enquanto caminho libertador emancipatório civilizacional, não só para a Guiné-Bissau, mas para toda a África. É preciso afirmá-lo.
Como Cabral dizia, que não se confunda “a identidade original, em que o biológico é a determinante principal, com a identidade actual, na qual a determinante principal é o elemento sociológico (2)”.
Não deve ser jamais critério a pertença étnica/familiar ou religião em comum para o agrupamento de indivíduos para objectivos políticos! Deve ser a nossa condição objectiva de classe social presente e comunhão de interesses económicos comuns a definir a nossa unidade política a curto, médio e longo prazo.
Para nós, isso significa organização e união de todos os trabalhadores da Guiné-Bissau, de Cacheu a Tombali e, num quadro pan-africanista, de todos os trabalhadores africanos, com o fito de tomar e ser poder político, de facto.
Quando existe ausência de ideologia – tão cara a Amílcar Cabral (3) – inexiste a análise concreta dos fenómenos concretos. Generaliza-se sem qualquer prumo, sem qualquer fineza de análise política. Hélas, erro de análise da realidade gera sempre erro de estratégia político.
Os indivíduos que o fazem por ignorância, não obstante as supostas boas intenções devem ser denunciados pedagogicamente e, quiçá, possam ser recuperáveis – contudo devem ser abertamente criticados. Os que o fazem por desonestidade intelectual devem ser denunciados de forma implacável pois são inimigos da unidade de todo um povo, o que significa serem forças reacionárias da História.
E como dizia Cabral:
“a definição de povo depende do nosso momento histórico que se vive na terra” (4) ou mais assertivo: “(…) o povo define-se consoante a linha mestra da História dessa sociedade, consoante os interesses máximos da maioria dessa sociedade”.
Povo atualmente na Guiné-Bissau é todo aquele que está contra o golpe de forma consequente, i.e., que luta como pode contra o golpe de Estado mas que, nessa diligência, não nos divide…
Unidade e Luta!
*Miséria (material) do nosso povo (em Crioulo da Guiné-Bissau)
(1)A arma da teoria, Unidade e Luta, volume1, pg.,101
(2)A arma da teoria, Unidade e Luta, volume1, pg.,240
(3)A arma da teoria, Unidade e Luta, volume 1, pg.,201;
(4) A arma da teoria, Unidade e Luta, volume 1, pg.,168
Uma resposta
Guiné Bissau mantém a mutilação genital de meninas e permite a pedofilia
Lamentável