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Política

Google, Facebook e Amazon minam a democracia

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Muitos de nós somos ativos no Facebook, usamos muitos dos recursos do Google (pesquisa, YouTube, calendário) e compramos os produtos da Amazon entregues em nossas portas. Mas em algum momento paramos para pensar sobre o enorme impacto que essas três empresas têm em nossas vidas e na nossa sociedade?

Jonathan Taplin refletiu bastante sobre esse tema. O resultado é um livro inovador, de leitura obrigatória, Move Fast and Break Things: How Facebook, Google and Amazon Cornered Culture and Undermined Democracy (1).

O livro conta a história de como a internet “foi sequestrada por um pequeno grupo de radicais de direita [liderados por Peter Thiel (2), partidário de Trump] para quem as ideias de democracia e descentralização eram uma maldição [um anátema]”.

Jonathan Taplin discute em seu livro as maneiras invisíveis pelas quais

o cruel libertarianismo

permeou o Vale do Silício e a Casa Branca.

A consequência é que a filosofia dominante do Vale do Silício se baseou fortemente na ideologia libertária radical de Ayn Rand (3). A Internet não é o produto de uma ideia cooperativa mítica qualquer, como o público pode imaginar. A opinião das pessoas foi formada a partir de uma ilusão de bondade, amplamente difundida e comercializada, cujo símbolo é o slogan do Google: “Não seja mau” (mudado para “Faça a Coisa Certa”, em 2015, no código de conduta do Google).

O resultado: “desde Rockefeller e J.P. Morgan não há tal concentração de riqueza e poder” nas mãos de tão poucos, de acordo com o livro de Taplin. “E as enormes fortunas sem precedentes criadas pela revolução digital têm influído fortemente no aumento da desigualdade nos Estados Unidos”.

As cinco maiores empresas do mundo (com base no valor de mercado) são Apple, Google (agora conhecido como Alphabet), Microsoft, Amazon e Facebook. Em termos de poder de monopólio, o Google detém 88% do mercado de publicidade em busca e pesquisa. O sistema operacional Android da Google tem 80% de participação de mercado global em sua categoria. A Amazon tem 70% do mercado de e-books (livros eletrônicos) e 51% dos produtos comprados on-line. O Facebook tem uma participação de 77% no total das mídias sociais móveis. Google e Facebook têm mais de 1 bilhão de clientes e a Amazon tem 350 milhões.

Como a “busca implacável de eficiência leva essas empresas

a tratar todas as mídias como mercadoria (commodity),

o valor real reside nos gigabytes de dados pessoais

retirados de seu perfil à medida que você procura o mais recente videoclipe,

artigo de notícia ou listicle, artigo publicado em forma de lista”,

destaca Taplin.

O valor acumulado a partir de seus métodos é enorme. Larry Page (4), Sergey Brin (5), Mark Zuckerberg (6) e Jeff Bezos (7) estão entre as dez pessoas mais ricas da América, de acordo com a lista Forbes 400. Cada um tem uma fortuna pessoal superior a US$ 37 bilhões. Bezos recentemente se tornou a segunda pessoa mais rica do mundo, com patrimônio líquido de US$ 75,6 bilhões.

Jonathan Taplin é um insider/outsider nos negócios da música, do cinema e da tecnologia. Sua carreira se estende, de seus dias de faculdade, de assistente e gerente de turnês do grupo The Band e de Bob Dylan, a colaborador e produtor de música, filmes e TV por 30 anos, trabalhando com Martin Scorsese, entre outros. Ele iniciou seu próprio negócio de tecnologia apenas para se contrapor a muitas das realidades descritas em seu livro. Ele é professor de longa data e atualmente é diretor emérito do Annenberg Innovation Lab na Universidade do Sul da Califórnia.

O livro de Taplin é um tour de force – um trabalho convincente, baseado em histórias e focado no punhado de homens que deram forma e, essencialmente, tomaram conta da indústria de tecnologia. Ao longo do caminho, Taplin conta sua história pessoal com charme e critério. Se você quiser entender o que aconteceu com os EUA e aonde a tecnologia vai nos levar na era Trump, reserve algum tempo para ler este livro. Ele vai tirar seu fôlego.

Taplin e eu conversamos por telefone no início de abril.

Don Hazen: Você concorda comigo que sua história sobre o domínio dos valores antidemocráticos, monopolistas e libertários radicais entre os titãs da tecnologia não é bem conhecida? E se sim, por quê?

Jonathan Taplin: Concordo totalmente que não é bem conhecida. A razão é porque os barões da tecnologia, que são os novos barões ladrões, fizeram um trabalho de relações públicas nos Estados Unidos que tem sido muito bem sucedido. O estranho é que o único cara que não era um libertário, Steve Jobs, provavelmente fez mais do que todos para aumentar a glória da tecnologia. Ele é o único sujeito cuja empresa respeita os direitos autorais.

Em uma palestra que geralmente eu dou,

aponto que um músico com 1 milhão de downloads

de uma música no iTunes receberia US$ 900.000.

E se ele conseguisse 1 milhão de downloads

no YouTube (de propriedade do Google)

ele ganharia US $ 900.

DH: Uau, isso é realmente deprimente. Outro aspecto poderia ser que a maioria de nós usa o Google e o Facebook o tempo todo. Queremos que essas empresas sejam benignas em nossas vidas, certo? Não queremos lidar com o fato de que são, ao mesmo tempo, destrutivas e convenientes.

JT: Bem, parece que não tem custo para nós, mas claramente isso não é verdade. Tem muitos custos. Obviamente, as notícias falsas não existiriam sem o Google e Facebook. Um garoto na Macedônia com uma página no Facebook e uma conta do Google AdSense poderia ganhar US $ 10.000 por semana apenas publicando conteúdo irreal. Isso nunca poderia acontecer se você não tivesse essas plataformas abertas. Além disso, todos nós pagamos mais porque os anunciantes têm que pagar um prêmio para comprar anúncios no Facebook e no Google, porque eles são o que chamamos de micro-orientados. Um anunciante diz: “Eu quero atingir mulheres na área metropolitana de Nashville, que bebem bourbon e dirigem caminhões”, e o Facebook pode fazer isso.

DH: Podemos fazer isso até na AlterNet – chamamos de orientação geográfica. Somos uma organização sem fins lucrativos progressista que depende do Google para conseguir cerca de metade de nossa receita.

JT: Bom, não há como fugir.

DH: Essa é a definição de um monopólio, certo?

JT: Sim.

DH: Você diz que o valor real destas empresas e seus lucros estão nos gigabytes de dados pessoais colhidos dos perfis enquanto buscamos o vídeo mais recente da música, um artigo etc. Você poderia nos falar mais sobre isso? Somos fundamentalmente todos vítimas? Quais são os desdobramentos disso?

JT: Eles estão essencialmente monetizando sua vida, seus desejos, seus sonhos, qualquer coisa, e você não está realmente obtendo nenhuma vantagem com essa monetização, eles estão.

Certamente as pessoas que fazem o conteúdo,

seja a AlterNet ou a maioria dos outros criadores de conteúdo,

não estão obtendo muita vantagem, considerando o tamanho de sua audiência…

Vocês estão no final da cadeia alimentar,

em termos de para onde os dólares de publicidade fluem.

A maioria pensa “Bem, eu só estou trocando todos detalhes da minha vida por conveniência”. Isso não quer dizer que você não poderia ter conveniência se houvesse mais participantes no mercado. Não há nada que implique haver somente uma rede social e somente um mecanismo de pesquisa.

DH: Peter Thiel é o principal vilão de seu livro. Ele é um libertário radical do Vale do Silício muito poderoso, que começou o Paypal, está no conselho do Facebook e é mentor e financiador do que é, às vezes, chamado de máfia do PayPal – muitos que passaram a iniciar outros grandes sucessos como o LinkedIn. Ele diz coisas bastante assustadoras, como: “Eu já não acredito que liberdade e democracia sejam compatíveis.” Qual é o caminho futuro para Peter Thiel? Sua influência está crescendo?

JT: Sua influência, desde que eu escrevi o livro, cresceu imensamente, porque ele é o melhor amigo de Jared Kushner (8), ele está dentro da Casa Branca e Donald Trump está de mãos dadas com ele. Ele tem poder extraordinário na Casa Branca em termos de determinar a política de tecnologia. Na verdade, há até mesmo alguns rumores de que a segunda nomeação de Trump para a Suprema Corte será Peter Thiel.

DH: Meu Deus, eu não tinha ouvido isso. Kushner sempre foi um democrata moderado. Como ele se tornou tão simpático com alguém como Thiel, que é tão de direita?

JT: Veja como funciona.

Essas pessoas no Vale do Silício foram capazes de

manipular hipnoticamente tanto os democratas,

quanto os republicanos.

Obama estava mais enfeitiçado pelo Google

do que qualquer um que eu conheço.

Eric Schmidt (presidente executivo da Alphabet) visitou a Casa Branca cinco vezes mais do que qualquer outro CEO, e isso é apenas o que está registrado oficialmente na portaria da Casa Branca.

DH: Você mencionou o fato de que Sean Parker (co-fundador do Napster), Larry Page e, eu acho, Thiel todos foram para a reunião secreta dos republicanos também, então eles têm todas as bases cobertas no Google?

JT: Eles não têm filiação política. Eles podem fingir que são progressistas, mas estão perfeitamente felizes em ser conservadores. De fato, uma das histórias que eu conto no livro é que, quando os conservadores, a Fox News e Rush Limbaugh estavam batendo no Facebook, reclamando que o sistema de determinação dos tópicos de maior tendência estava enviesado contra a mídia conservadora, porque as crianças que estavam no controle, os curadores, eram demasiado progressistas, Zuckerberg disse, “Está bem, vou me livrar das crianças.” Ele demitiu todos eles e deixou o algoritmo sozinho determinar o que entra em tópicos de tendências. Que era exatamente o que Steve Bannon (9) e Cambridge Analytica queriam, porque então eles poderiam operar o algoritmo com o exércitos de robôs que implantaram, e empurrar qualquer coisa que quisessem para cima na lista dos tópicos de tendência.

DH: Mais adiante no livro, você dá a Zuckerberg traços mais otimistas em termos de esperar ou pensar que ele realmente se preocupa com os quatro bilhões de pessoas que não estão na internet. Ele não está no mesmo nível que Page, Thiel e Parker?

JT: Eu não sei. Eu provavelmente diria que a esposa de Bill Gates, Melinda, tem mais a ver com a mudança na vida dele do que qualquer outra coisa. Minha impressão é que a esposa de Zuckerberg [Priscilla Chan] é uma humanista profundamente comprometida. Ela era professora, e eu acho que, como com qualquer um desses caras, provavelmente há um pouco de batalha pela sua alma. O próprio fato de que ela o convenceu a dar 99% de suas ações do Facebook para uma instituição de caridade, mesmo que seja uma espécie de organização de caridade estranha que ele controla, já é alguma coisa.

Isso certamente não é o que Larry Page ou Peter Thiel estão fazendo.

Eles estão dando dinheiro para as organizações

para que eles possam viver até 150 anos de idade.

DH: Vamos guardar essa parte para o final, porque ir para Marte e viver para sempre é uma pergunta final sobre o que faz esses caras funcionarem. Antes de chegarmos lá, vamos voltar para Ayn Rand. Quando estávamos na faculdade, considerávamos essas teorias como maluquices, e sempre pensávamos que eram livros que as crianças liam na escola ou talvez como estudantes no início da faculdade, e então todos nós crescemos. Peter Thiel, que aparentemente é um dos caras mais inteligentes do mundo, parece adorar a narrativa de Ayn Rand. O que isso significa?

JT: Você sabe, isso me deixa muito confuso. Paul Ryan e Donald Trump citam Ayn Rand como grandes influências em suas vidas. Meu palpite é que ela apela a um certo tipo de homem que acredita ser melhor do que a maioria das pessoas e que não é reconhecido. Se você olha para aqueles heróis de Ayn Rand, eles sempre pensam que o cidadão comum é um burro total, e que a democracia não é uma boa ideia, e que realmente as coisas têm de ser administradas por homens de ferro sem nenhum senso de responsabilidade com as outras pessoas, apenas consigo mesmos. Eles são do tipo de pessoas [que perguntavam], a linha que ela usou é, “Quem vai me parar?” É esse tipo de empurrão, que “eu vou apenas seguir em frente”, e é a vontade de poder. Como todo esse material que estudamos sobre Nietzsche em Princeton provavelmente.

DH: Thiel também disse ser favorável a Trump, porque ele iria disciplinar os democratas impensantes, o público democrático que constrange o capitalismo. Isso é bem assustador também. Achamos que Trump entende isso?

JT: Bem, olha, eu acho que eles acreditam que o capitalismo funciona melhor quando não há regras, e eles tendem a pensar que as pessoas que querem tentar e fazer regras para o capitalismo não entendem, e assim eles vão simplesmente estragar tudo.

O que Trump está fazendo agora é tentar se livrar de toda regulação,

quer seja ambiental ou privacidade na Internet

ou qualquer coisa que você possa imaginar.

Ele só quer se livrar de todas essas regras, porque ele quer que Verizon ou Google ou Exxon ou as indústrias Koch sejam capazes de fazer apenas o que quiserem sem se preocupar com a regulamentação.

Naturalmente, eu penso que isso é o que conduz a coisas

como a crise financeira em 2008,

quando os bancos não tiveram regulação

e apenas enlouqueceram.

DH: Falando de desregulamentação, você escreveu um artigo para o New York Times sobre um relatório do Banco Mundial segundo o qual a inovação na internet pode ampliar a desigualdade e até mesmo acelerar o afastamento da classe média. Como isso acontece?

JT: Bem, em primeiro lugar, a tecnologia oferece retornos monetários extraordinários a um grupo muito pequeno de pessoas. A maior empresa de tecnologia está empregando 20.000 ou 30.000 pessoas, em comparação, digamos, com uma empresa de automóveis ou General Electric que emprega centenas de milhares. Essa é a primeira coisa. Em segundo lugar, ela oferece retornos ao escalão mais alto dos executivos dessas empresas em tal nível que Zuckerberg vale US$ 58,6 bilhões (quinta pessoa mais rica do mundo), Bezos vale US$ 80 bilhões. Em outras palavras, se você está no topo, sua riqueza é tão grande que inevitavelmente leva à desigualdade, porque o que a tecnologia faz, também obviamente, é eliminar um monte de empregos da classe trabalhadora.

Quanto mais Elon Musk se desenvolve,

para fazer seus carros na Tesla Motors,

menos pessoas ele tem que contratar.

Ele deixa os robôs trabalharem.

DH: Aparentemente, de acordo com Capital and Main [uma revista online que investiga o poder e a política], os trabalhadores de Tesla também não são muito felizes.

JT: Aposto que não são.

DH: Foi lindo ler em seu livro sobre The Band, Bob Dylan, Music From Big Pink e Woodstock, a história de seus primeiros anos no rock ‘n’ roll, quando você começou a entender como esse sistema de música digital funcionava. É uma história triste, pois acaba com Levon Helm, membro da The Band, morrendo de câncer de garganta e sem poder ganhar a vida por não poder ir para a estrada. Os artistas não tinham realmente ninguém os protegendo como os compositores tinham a ASCAP [The American Society of Composers, Authors and Publishers] e a BMI [Broadcast Music, Inc.]. Claro, atrás disto está Sean Parker, o rei da destruição digital. Você pode justapor por um momento Sean Parker e Levon Helm e o que aconteceu?

JT: Certo.

Sean Parker era meio que um garoto malcriado

que se metia em encrencas por fazer hacking,

e enquanto estava em liberdade condicional,

conheceu outro cara que se chamava Shawn Fanning,

e eles inventaram o Napster.

Seu pensamento foi: “Bem, olhe para todas essas músicas [que] são digitais agora que o CD foi lançado. O que precisamos fazer é construir esse serviço que permite a qualquer pessoa compartilhar, de graça, sua música com qualquer pessoa. O que precisamos fazer é somente indexá-las. E isso é o que eles fizeram. Naturalmente, não sendo músicos, a princípio não tinham ideia de que isso iria destruir o negócio da música. E quando eles rapidamente descobriram que estavam destruindo o negócio da música, não deram a menor importância. Sua preocupação era construir esse negócio, o que fizeram para cerca de 70 milhões de usuários em dois anos.

Uma vez que as pessoas tomaram gosto por obter música de graça,

parecia que toda a música deveria ser grátis.

Aconteceu o mesmo com o jornal. Uma vez que as pessoas têm algumas notícias gratuitamente, então por que eles devem pagar por notícias? Por que eu deveria comprar um jornal?

As receitas de jornais e as receitas de música caíram 70% entre 2001 e 2015.

Isso é simplesmente extraordinário,

o negócio foi reduzido em dois terços.

Eu acho que o que aconteceu foi, obviamente, que Levon não poderia mais ganhar a vida fora da música, embora você visse, no YouTube, que o número de execuções de “The Night They Drove Old Dixie Down” estava em milhões; Mas ele não estava recebendo nenhum dinheiro com isso. Essa é a triste história, e não é apenas o Levon. Há milhares de músicos. T-Bone Burnett e eu conversamos de vez em quando, e nos deparamos com centenas de músicos que não conseguem mais ganhar a vida.

DH: O que isso significa, o que você descreve como o negócio de marketing de vigilância? Você diz que tanto o Facebook quanto o Google estão neste negócio agora.

JT: Seu negócio principal é o que eu comecei a chamar de capitalismo de vigilância. Basicamente, trata-se de um novo tipo de capitalismo no qual o maior valor que eu tenho é a quantidade de dados que sou capaz de varrer de todos os domínios possíveis sobre você, Don Hazen. Eu vou obtê-los a partir do seu celular, das suas compras on-line, da sua localização, a partir de sua casa se você tiver um Amazon Alexa com o microfone ligado. Eu vou aspirar a partir daí. Eu vou basicamente procurar por mais lugares onde eu possa pegar seus dados. A chave para isso é conseguir que você vá a algum dos meus serviços, se é YouTube ou pesquisa ou no Facebook, e ficar lá o maior tempo possível, e quanto mais você ficar lá, mais dados seus eu estou pegando. Agora, eu levo esses dados e vou vendê-los de volta para os anunciantes de modo que eles sejam capazes de atingir um alvo com extrema exatidão, apenas as pessoas em quem eu quero chegar. E não são apenas as empresas que fazem isso. Os políticos, como vimos nas eleições passadas, podem fazer isso com a mesma facilidade. Se você quiser suprimir a votação entre os jovens negros em Detroit, é muito fácil enviar-lhes apenas uma notícia que diz: “Hillary Clinton diz que todos os homens negros jovens são predadores.” Você pode ter certeza de que essa estratégia terá algum sucesso.

DH: Como os irmãos Koch, donos de US$ 84 bilhões, entraram em seu livro sobre monopólios tecnológicos?

JT: Porque eles forneceram, através do ALEC (11) e das outras organizações que financiam, o poder subjacente em Washington, D.C., para garantir que as empresas não sejam regulamentadas. Se você pensar sobre alguns dos problemas que Trump está tendo agora, esses caras acharam o projeto de lei de saúde republicano muito cheio de regras, e por isso eles ofereceram basicamente uma recompensa para qualquer um do Freedom Caucus (12) que votasse contra.

Eles disseram: “Nós vamos colocar até US $ 2 milhões em

dinheiro de propaganda na sua campanha

se Trump vier atrás de você.”

Basicamente, essas pessoas têm tanto dinheiro, eles são apenas … basicamente, Peter Thiels e Larry Pages têm apenas surfado atrás de sua propaganda, que diz que o mercado está sempre certo e o governo sempre errado. Quando o governo tenta fazer alguma coisa para regular o Google, eles vêm para cima do governo como uma tonelada de tijolos. Por que você acha que esta lei de privacidade na Internet foi aprovada tão rapidamente? Porque os irmãos Koch a aprovaram.

DH: Esta questão tem a ver com o que você mencionou anteriormente sobre fantasias desmedidas. Musk está gastando centenas de milhões de dólares para ir a Marte, e Page e Thiel estão investindo tantos milhões para estender suas vidas. O que isso nos diz sobre esses caras?

JT: Parece-me tão bizarro que não resolvemos a malária, a febre tifoide ou o cólera, e esses caras gastam milhões de dólares para que possam viver 200 anos. Agora, na minha opinião, toda a ideia é louca, porque eu imaginaria que quando você tiver 130 anos, você teria gasto quatro ou cinco milhões para estender sua vida – porque vai ser caro, e só os ricos poderão pagar – você teria tanto medo de sair de sua casa, porque você pode ser atingido por um carro e todo o seu investimento de US$ 5 milhões iria pelo ralo. Parece que você se tornaria um prisioneiro de sua própria longevidade. Eu não sei, mas a coisa toda é tão maluca para mim.

Elon Musk, nesta conferência que eu fui para a Vanity Fair,

disse literalmente:

“Deveríamos lançar uma bomba nuclear em Marte e

derreter o gelo,

então poderíamos cultivar legumes para alimentar as colônias”.

DH: Isso é selvagem. Realmente maluco. Tudo bem, alguma outra coisa que eu deveria te perguntar?

JT: Eu acho que você cobriu tudo, cara. Estou feliz que você gostou do livro.

DH: Há tanta informação chocante e sóbria em seu livro que deveria ser leitura obrigatória para todos que querem entender como chegamos neste momento da história e as conexões entre monopólio tecnológico, desigualdade e até mesmo a eleição de Trump.

JT: Sean Wilentz, um amigo professor em Princeton que dirige o departamento de história lá, disse: “Tap, você virou um agitador.” Eu disse: “Bem, isso é bem legal.” Porque, de certa forma, há cem anos tivemos que enfrentar este mesmo problema com a Standard Oil e o JP Morgan e as ferrovias. Já estivemos nesse lugar antes. A eleição de 1912 entre Wilson e Teddy Roosevelt foi executada em cima de uma pergunta: o que fazemos com os monopólios? Essa era a questão principal.

DH: Sim, mas é mais difícil agora, porque não há divisão na classe dominante. Obama estava tão apertado com o Google quanto os republicanos, ou mais. Era mais fácil usar como bode expiatório as ferrovias ou Rockefeller e Standard Oil do que fazer o mesmo com os caras que usam camisetas com capuz e tênis, e dizendo: “Não fazemos nenhum mal”.

JT: Eu sei. Eu sei. Vou dizer, Don, que acho que o diálogo está começando a mudar. Eu estava em uma conferência de Chicago na semana passada sobre monopólio, e foi na Chicago School of Business, que é a escola mais conservadora, onde Milton Friedman dominava. No final da conferência, até mesmo os antiquados Friedmanites diziam: “Esse capitalismo de vigilância é diferente, e talvez tenhamos que repensar o que pensamos sobre regulação e monopólio.” Acho que algo está mudando.

DH: O desafio é que muitos de nós simplesmente não querem ouvir a realidade sobre essas empresas, porque isso torna nossas vidas mais desconfortáveis, mais desafiadoras. Porque não deveríamos estar fazendo metade das coisas que estamos fazendo, é apenas mais fácil. Nós moramos no Facebook, damos nossa informação ao Google, não tiramos nosso dinheiro da Merrill Lynch, Chase ou Citibank. E muitas vezes não apoiamos os negócios locais – basta que a Amazon entregue esses pacotes, ajudando a tornar Bezos um zilionário, porque é mais fácil de fazer. De qualquer forma, parabéns pelo livro. Espero que seja um grande sucesso.

Entrevista feita por Don Hazen, editor executivo da AlterNet, publicada em http://www.alternet.org/books/move-fast-break-things-jonathan-taplin-tech-interview. Tradução de César Locatelli e Ricardo Gozzi, para os Jornalistas Livres

Notas

1 Move Fast and Break Things: How Facebook, Google, and Amazon Cornered Culture and Undermined Democracy [Mexa-se Rápido e Quebre Coisas: Como o Facebook, o Google e a Amazon encurralaram a cultura e prejudicaram a democracia], por Jonathan Taplin. Publicado por Little, Brown and Company, Hachette Book Group, 2017. Para lermais sobre o livro: http://www.hachettebookgroup.com/titles/jonathan-taplin/move-fast-and-break-things/9780316275743/

2 Peter Thiel, fundador do PayPal, foi o primeiro investidor de peso no Facebook e é membro de seu conselho de administração. É apoiador e consultor de Trump.

3 Ayn Rand foi uma escritora, A Revolta de Atlas, idolatrada pela extrema direita americana. Leia mais sobre ela no artigo A Deusa dos Conservadores Americanos, no Diário do Centro do Mundo:

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-deusa-do-mercado-as-ideias-de-ayn-rand-a-escritora-que-fez-os-estados-unidos-serem-o-que-sao/

4 Larry Page, co-fundador do Google em 1998, é o CEO da Alphabet, empresa-mãe do Google. A revista Forbes avaliou sua fortuna em US$ 41,8 bilhões, em 24/04/2017.

5 Sergey Brin, co-fundador do Google em 1998, é o presidente da Alphabet, empresa-mãe do Google. A revista Forbes avaliou sua fortuna em US$ 40,9 bilhões, em 24/04/2017.

6 Mark Zuckerberg é co-fundador, CEO e presidente do conselho do Facebook. A revista Forbes avaliou sua fortuna em US$ 60,7 bilhões, em 24/04/2017.

7 Jeff Bezzos é o fundado e CEO da Amazon. A revista Forbes avaliou sua fortuna em US$ 78 bilhões, em 24/04/2017.

8 Jared Kushner é genro de Trump, casado com Ivanka Trump, e conselheiro sênior em seu governo.

9 Steve Bannon é o principal estrategista político de Trump e foi o principal executivo de sua campanha.

10 Sean Parker é co-fundador do Napster.

11 ALEC – American Legislative Exchange Council – “é a maior organização não-partidária e voluntária dos Estados Unidos dedicada aos princípios do governo limitado, dos mercados livres e do federalismo”.

12 House Freedom Caucus é um grupo, de pelo menos 36 membros republicanos da Câmara norte-americana, extremamente conservador e rebelde com a liderança do partido. O grupo inclui muitos veteranos do Tea Party.

Campinas

Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz despacha finalmente

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Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam,  o juiz despacha no processo  de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo.
No despacho proferido , o juiz do processo –  Cássio Modenesi Barbosa –  diz que  aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário.
A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017,   lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação  em relação ao despacho  do juiz  em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.

Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:

“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”

Hoje também foi realizada uma atividade on-line  de Lançamento da Campanha Despejo Zero  em Campinas -SP (

https://tv.socializandosaberes.net.br/vod/?c=DespejoZeroCampinas) tendo  a Ocupação Mandela como  o centro da  discussão na cidade. A Campanha Despejo Zero  em Campinas  faz parte da mobilização nacional  em defesa da vida no campo e na cidade

Campinas  prorroga  a quarentena

Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.

 A  Comunidade Mandela e as ocupações

A Comunidade  Mandela luta desde 2016 por moradia e  desde então  tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas  públicas habitacionais. Em 2017,  cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam.  Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde.  O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade.  As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura.
Leia mais sobre:  
https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/

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#EleNão

EDITORIAL – HOJE É DIA DE LUTO! PERDEMOS O MENINO GABRIEL

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Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Perdemos um camarada valoroso, um menino negro encantador de feras, um sorriso no meio das bombas e da violência policial, um guerreiro gentil que defendeu com unhas e dentes a Democracia, a presidenta Dilma Rousseff durante todo o processo de impeachment, e o povo brasileiro negro e pobre e periférico, como ele.

Gabriel Rodrigues dos Santos era onipresente. Esteve em Brasília, na frente do Congresso durante o golpe, em São Paulo, nas manifestações dos estudantes secundaristas; em Curitiba, acampando em defesa da libertação do Lula. Na greve geral, nas passeatas, nos atos, nos encontros…

O Gabriel aparecia sempre. Forte, altivo, sorrindo. Como um anjo. Anjo Gabriel, o mensageiro de Deus

Estamos tristes porque ele se foi hoje, no Incor de São Paulo, depois de um sofrimento intenso e longo. Durante três meses Gabriel enfrentou uma infecção pulmonar que acabou levando-o à morte.

Estamos tristíssimos, mas precisamos manter em nossos corações a lembrança desse menino que esteve conosco durante pouco tempo, mas o suficiente para nos enriquecer com todos os seus dons.

Enquanto os Jornalistas Livres estiverem vivos, e cada um dos que o conheceram viver, o Gabriel não morrerá.

Porque os exemplos que ele deixou estarão em nossos atos e pensamentos.

Obrigada, querido companheiro!

Tentaremos, neste infeliz momento de Necropolítica, estar à altura do Amor à Vida que você nos deixou.

 

 

Leia mais sobre quem foi o Gabriel nesta linda reportagem do Anderson Bahia, dos Jornalistas Livres

 

Grande personagem da nossa história: Gabriel, um brasileiro

 

 

 

 

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Golpe

Presidência cavalga para fora dos marcos do Estado de Direito

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Por Ruy Samuel Espíndola*

O Governo, num Estado de Direito, deve ser eleito, e, depois de empossado, deve ser exercido de acordo com regras pré-estabelecidas na Constituição. Essas são as regras do jogo, tanto para a tomada do poder, quanto para o seu exercício, como ensina Norberto Bobbio. Governo entendido aqui como o conjunto das instituições eletivas, representadas por seus agentes políticos eleitos pelo voto popular. Governo que, numa República Federativa e Presidencialista como a brasileira, é exercido no plano da União Federal, pela chefia do Executivo, pela Presidência da República e seus ministros, como protagonistas e pelo Congresso Nacional, com os deputados federais e senadores, como coadjuvantes.

Ao Governo, exercente máximo da política, devem ser feitas algumas perguntas, para saber de sua legitimidade segundo o direito vigente: quem pode exercê-lo e com quais procedimentos? Ao se responder a tais questões, desvela-se o mote que intitula este breve ensaio.

Assim, pode-se dizer “Governo constitucional” aquele eleito segundo as regras estabelecidas na Constituição: partido regularmente registrado, que, em convenção, escolheu candidato, que, por sua vez, submetido ao crivo do sufrágio popular, logrou êxito eleitoral. Sufrágio que culminou após livre processo eleitoral, no qual se assegurou, em igualdade de condições, propaganda eleitoral e manejo de recursos para a promoção da candidatura e de suas bandeiras, e que não sofreu, ao longo da disputa, nenhum impedimento ou sanção do órgão executor e fiscalizador do processo eleitoral: a justiça eleitoral. Justiça que, através do diploma, habilita, legalmente, o candidato escolhido nas urnas, a se investir de mandato e exercê-lo. Um governo constitucional, assim compreendido, merece tal adjetivação jurídico-politica, ainda que durante o período de campanha ou antes ou depois dele, o candidato e futuro governante questione o processo de escolha, coloque em dúvida sua idoneidade, ou mesmo diga que não estará disposto a aceitar outro resultado eleitoral que não o de sua vitória, ou, após conhecer o resultado da eleição, diga que o conjunto de seus adversários podem mudar para outros países, pois não terão vez em nossa Pátria e irão para a “ponta da praia” .

O Governo constitucional, sob o prisma de seu exercício, após empossado, é aquele que respeita a mínimas formas constitucionais, enceta suas políticas mediante os instrumentos estabelecidos na Constituição: sanciona e publica leis que antes foram deliberadas congressualmente; dá posse a altas autoridades que foram sabatinadas pelas casas do congresso; não usa de sua força, de suas armas, a não ser de modo legítimo, respeitando a oposição, as minorias e os direitos fundamentais das pessoas e de entes coletivos; administra os bens públicos e arrecada recursos públicos de acordo com a lei pré-estabelecida, sem confisco e de modo impessoal; acata as prerrogativas do Judiciário e do Legislativo, ainda que discorde ou se desconforte com suas decisões; prestigia as competências federativas, tanto legislativas, quanto administrativas, etc, etc. Promove a unidade nacional, em atitudes, declarações públicas e políticas concretamente voltadas a tal fim.

O “Governo constitucionalista”, por sua vez, além de ascender ao poder e exercê-lo, tendo em conta regras constitucionais, como faz um governo constitucional, defende o projeto constitucional de Estado e Sociedade, através do respeito amplo, dialógico e progressivo do projeto constituinte assentado na Constituição. Respeita a história política que culminou no processo reconstituinte e procura realizá-lo de acordo com as forças políticas e morais de seu tempo, unindo-as, ainda que no dissenso, através da busca de consensos mínimos no que toca ao projeto democrático e civilizatório em constante construção sempre inacabada. E governo constitucionalista, no Brasil, hoje, para merecer esse elevado grau de significação político-democrática e civilizatória, precisa respeitar a gama de tarefas e missões constitucionais descritas em inúmeras normas constitucionais que tutelam, entre outros grupos sociais, os índios, os negros, os LGBT, os ateus, os de inclinação política ideológica à esquerda, ou a à direita, ou ao centro, sem criminalização ou marginalização no discurso público de quaisquer tendências ideológicas. É preciso o respeito ao pluralismo político e aos princípios de uma democracia com níveis de democraticidade que não se restringem ao campo majoritário das escolhas políticas, mas, antes, se espraiam para as suas dimensões culturais, sociais, econômicas, sanitárias, antropológicas e sexuais etc, etc.

Governos que ascenderam sem respeito a normas constitucionais, como foi o de Getúlio Vargas em 1930 e o que depôs João Goulart em 1964, são inconstitucionais. E governo que se exerce fechando o congresso e demitindo ministros do STF, como se fez em 1969, com a aposentação compulsória dos ministros da Corte Suprema Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal, são governos inconstitucionais, arbitrários, autocráticos, fora do projeto civilizatório e democrático de 1988.

O ponto crítico de nosso ensaio é que um governo pode ascender de modo constitucional, mas passar a ser exercido de modo inconstitucional e/ou de modo inconstitucionalista. O governo do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, é um exemplo deste último e exótico tipo: consegue ser inconstitucional e inconstitucionalista no seu exercício, embora investido de maneira constitucional.

E o conjunto de declarações da reunião ministerial de 22/4, dadas a conhecer em 22/5, é um exemplo recente a elucidar nossa asserção: na fala presidencial, a violação ao princípio da impessoalidade (art. 37, caput, CF) ressoa quando afirma que deseja agir para que familiares seus e amigos não sejam prejudicados pela ação investigativa de órgãos de segurança (polícia federal). Na fala do ministro da Educação, quando afirma “que odeia” a expressão “povos indígenas” e os “privilégios” garantidos a esses no texto constitucional, o que indica contrariar o constitucionalismo positivado nos signos linguístico-normativos “população”, “terras”, “direitos”, “língua”, “grupos” e “comunidades indígenas”, constantes nos artigos 22, XIV, 49, XVI, 109, XI, 129, V, 176, § 1º, 215, § 1º, 231, 232 da CF e 67 do ADCT. Essa fala ministerial, aliás, ressoa discurso de campanha de 2018, quando o então candidato disse, no clube israelita de São Paulo: “No meu governo, não demarcarei nenhum milímetro de terras para indígenas. Também há inconstitucionalismo evidente na fala do Ministro do Meio Ambiente quando defendeu que se fizessem “reformas infralegais” “de baciada”, “para passar a boiada”, “de porteira aberta”, no momento em que o País passa pela pandemia de covid-19, pois o foco de vigília crítica da imprensa não seria o tema ambiental, mas o sanitário e pandêmico, o que facilitaria os intentos inconstitucionalistas contra a matéria positivada nos arts. 23, VI, 24, VI e VII, 170, VI, 174, § 3º, 186, II, 200, VII, 225 e §§ da CF.

Outras falas e atitudes presidenciais ainda mais recentes, e de membros do governo, contrastam com as normas definidoras da separação de poderes, da federação e da democracia, princípios fundamentais estruturantes de nossa comunidade política naciona. A nota do general Augusto Heleno, chefe do GSI, ao dizer que eventual requisição judicial do celular presidencial pelo STF, levaria à instabilidade institucional, traz desarmonia e agride ao artigo 2º, caput, da Constituição Federal. “Chega, não teremos mais um dia como hoje” e “Decisões judiciais absurdas não se cumprem”. Essas falas presidenciais, após o cumprimento de mandados judiciais no âmbito do inquérito judicial do STF, ordenados pelo Ministro Alexandre Moraes, agridem o mesmo dispositivo constitucional, com o agravante do artigo 85, II e VIII, da CF, que positiva ser crime de responsabilidade do presidente atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário. E o atentado contra a democracia poderia ser também destacado na fala do filho do Presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro, que declarou estarmos próximos de uma ruptura e que seu pai seria chamado, com razão, de ditador, a depender das atividades investigativas do judiciário, tomadas como agressões ao governo de seu genitor. E o atentado contra a federação se evidencia nas falas presidenciais contra os governadores e prefeitos que estão a tomar medidas sanitárias no combate a covid-19, em que o presidente objetiva desacreditá-los e incitar suas populações contra esses chefes dos executivos estaduais e municipais, para que rompam o isolamento social, com agressão patente aos artigos 1º e 85, II, da Constituição. Os ataques diários aos órgãos de imprensa e a jornalistas, assim como sua atitude contra indagações de repórteres, também afrontam o texto da constituição da República: 5º, IX e XIV, 220 §§ 1º e 2º, protegidos pelo art. 85, III, da CF.

Em nossa análise temporalmente situada e teoricamente atenta, o conjunto de declarações públicas conhecidas do então deputado federal Jair Bolsonaro, desde seu primeiro mandato parlamentar, alcançado em 1990, portanto após o marco constitucional de 1988, embora constituam falas inconstitucionais e inconstitucionalistas, não servem para descaracterizar a “constitucionalidade” de sua eleição em 2018. Embora ainda reste, junto ao TSE, o julgamento de ação de investigação judicial eleitoral por abuso dos meios de comunicação social, que poderão ganhar novos elementos de instrução resultantes da CPI no Congresso sobre fake news e do inquérito judicial do STF com objeto semelhante. Sua eleição presidencial se mantém válida, assim como sua posse, enquanto essa ação eleitoral não for julgada definitivamente  pela Suprema Corte eleitoral brasileira.

Algumas de suas falas públicas inconstitucionalistas e inconstitucionais pré-presidenciais devem ser lembradas: “Erro da ditadura foi torturar e não matar”; “O Brasil só vai mudar quando tivermos uma guerra civil, quando matarmos uns trinta mil, não importa se morrerem alguns inocentes”; “Os tanques e o exército devem voltar às ruas e fechar o congresso nacional”, etc. E durante o processo eleitoral de 2018, falas inconstitucionalistas também foram proferidas: “No meu governo, não demarcarei um milímetro de terras para indígenas”. “O Brasil não tem qualquer dívida com os descendentes de escravos. Nossa geração não tem culpa disso, mesmo porque os próprios negros, na África, escravizavam a si mesmos”, entre outras.

A resposta a nossa indagação: embora tenhamos um governo eleito de modo constitucional – até decisão final do TSE -, ele está sendo exercido de modo inconstitucional e de modo inconstitucionalista. A Presidência da República atual, caminha, inconstitucionalmente para fora do marco do Estado de Direito. E o passado pré-presidencial do presidente da República demonstra que o seu inconstitucionalismo governamental não é episódico e sim coerente com toda a sua linha de pensamento e ação desde seu primeiro mandato parlamentar federal.

  • Advogado – mestre em Direito UFSC Professor de Direito Constitucional – Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SC – Membro Consultor da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB – Imortal da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, cadeira 14, Patrono Advogado Criminalista Acácio Bernardes. 

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