Em meio ao julgamento do HC impetrado pela defesa do ex-Presidente Lula realizado no STF no último dia 22/03, um outro evento importante fora relegado ao esquecimento, de forma bastante oportuna, ao menos para os membros da Magistratura e do Ministério Público.
Causa estranheza, para não dizer estupefação, o Ministro Luiz Fux ter determinado a retirada das Ações que discutem o auxílio-moradia dos magistrados da pauta de julgamento do STF.
O objetivo principal das ações é estender o pagamento do auxílio-moradia, previsto no art. 65, II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/1979), para além da hipótese descrita na lei.
Com base no Princípio da Legalidade, os Tribunais de todo o país somente pagavam auxílio-moradia aos magistrados que se encontravam na situação descrita na Lei, ou seja, somente quando não havia residência oficial à disposição do magistrado.
O Princípio da Legalidade expressa que a Administração Pública só pode fazer algo com base em uma lei que a autorize. Significa que as ações do administrador público estão subordinadas à lei.
A lei, como vimos acima, indica que o auxílio-moradia é verba de natureza indenizatória; na ausência de residência oficial, o magistrado paga aluguel do seu próprio bolso, e recebe o valor de volta na forma de auxílio.
A Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, entre outros, ajuizaram ações para que a União fosse obrigada a pagar o auxílio-moradia a todos os magistrados e membros do Ministério Público, indiscriminadamente. Em setembro de 2014, O Ministro Fux, atendendo a esses pedidos, concedeu liminar, estendendo o auxílio mesmo para os que já têm residência própria, ampliando a única hipótese legalmente prevista.
No último dia 21 de março, o ministro Fux, atendendo ao pedido dessas Associações, decidiu retirar o tema da pauta de julgamento do STF. Frente a inesperada decisão, o Ministro Gilmar Mendes chegou a questionar o Ministro Fux acerca do mérito da questão, mas o episódio ficou marcado apenas pelas desavenças manifestadas entre Mendes e Barroso. A discordância entre os dois últimos, acabou viralizando na rede, o que fez com que a indagação de Gilmar a Fux passasse a segundo plano.
Pela decisão de Fux todas as ações foram enviadas à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, a fim de que as partes processuais respectivas, a União de um lado e os juízes e procuradores com suas associações de outra, alcancem solução consensual para a disputa sobre a legalidade do pagamento do auxílio-moradia mesmo aos juízes e procuradores que tenham residência na cidade em que trabalham.
O objeto das questões tratadas nas Ações Originárias tem íntima ligação com os Princípios da Legalidade (Nota 1) e da Moralidade (Nota 2), (art. 37, CF/88), sobretudo à Regra Constitucional do Subsídio (art. 39, § 4º, CF/88).
Por que a ação tem ligação com esses princípios? Porque não há base legal para o pagamento, o que ofende o Princípio da Legalidade. É imoral pagar auxílio-moradia porque os demais trabalhadores não têm esse auxílio. Os magistrados e procuradores são uma classe de trabalhadores que recebe muito acima da maioria e que tem plenas condições de pagar com o salário que recebem o seu aluguel. No direito se diz que nem sempre o que é legal, é moral, ou seja, mesmo que existisse uma lei, não seria moral o pagamento de tal verba, que viola o Princípio da Moralidade.
O auxílio-moradia seria legal (art. 65, II, LOMAN), se pago a título de verba indenizatória, ou seja, nos casos de magistrados designados a trabalhar em comarca sem residência oficial ou residência própria, pois apenas indenizaria os gastos feitos pelos magistrados para a nova moradia. Contudo, pago indiscriminadamente, como determinam as liminares do Ministro Fux, é inconstitucional, pois se torna uma indisfarçável verba adicional ao vencimento, sem qualquer caráter indenizatório.
O Juiz Moro disse que recebia o auxílio, mesmo tendo moradia própria na comarca em que trabalha, alegando que o vencimento dos juízes está defasado. Ele reconhece, indiretamente, que recebe um adicional, mesmo isso sendo proibido pela Constituição (art. 39, § 4º, CF/88)(Nota 3). Dessa forma, pagar auxílio-moradia indiscriminadamente a todos os magistrados fere a legalidade (viola a constituição) e a moralidade.
Na parte final da decisão da primeira liminar concedida pelo Min. Fux é possível ver que o pagamento ofende ao Princípio da Legalidade, após imenso esforço argumentativo, para tentar justificar o injustificável, HÁ A DETERMINAÇÃO PARA SE UTILIZAR COMO BASE LEGAL DOS PAGAMENTOS O ART. 65, II, DA LOMAN, O QUAL NÃO PREVÊ O PAGAMENTO DE FORMA INDISCRIMINADA, MAS APENAS EM UMA ÚNICA HIPÓTESE EXPRESSA:
Assim, é inimaginável a viabilidade de qualquer solução consensual do conflito pelas partes, haja vista que o objeto em discussão possui caráter inegociável, não cabendo à Administração Pública abrir mão dos interesses públicos, mesmo que parcialmente. A Administração Pública não pode negociar com os autores da ação o pagamento ou não do auxílio.
Portanto, mesmo que o novo Código de Processo Civil prestigie a conciliação e a arbitragem como formas de solução consensual dos litígios, como afirmado pelo Ministro Fux, aplicáveis a qualquer tempo, é certo que, no presente caso, quanto ao mérito, não é possível transigir.
Conclusão
Os processos estavam em plenas condições de julgamento e incluídos em pauta. A decisão, da forma como foi tomada, prestigia flagrantemente interesses particulares em detrimento do interesse público, procrastina a resolução do mérito da causa, para, antes de qualquer coisa, resolver questões subjacentes. Isso é um absurdo!
Segundo estimativa da ONG Contas Abertas o gasto com o auxílio-moradia desde a concessão da primeira Liminar em 2014 já ultrapassa a casa de R$ 5,4 Bilhões. É muito caro, pois, entregar à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal a análise de tais questões antes de, no mínimo, suspender-se os efeitos das Medidas Liminares que autorização o pagamento do auxílio-moradia.
Fica a pergunta: alguém imagina ser possível, num momento de forte retração econômica e endividamento público, chegando-se até a congelar os gastos com saúde e educação (direitos fundamentais), um acordo entre as partes que possa prever o fim do auxílio-moradia em troca do Aumento de Salário de membros da Magistratura e do Ministério Público?
É urgente, portanto, que o STF, o quanto antes, suspenda ao menos os efeitos das Medidas Liminares, defendendo a Constituição e a própria aplicação adequada das normas processuais, acabando de uma vez por todas com esse gasto tão repudiado pela sociedade brasileira.
Caso se reconheça, após o julgamento no Plenário da questão de fundo, que existe algum conflito secundário entre as partes, nada impedirá que sobre ele possam alcançar um acordo.
- Ruy S. S. Jr. é advogado, formado pela Universidade Estadual de Feira de Santana/Ba
Notas
1 Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite (critério de subordinação à lei). Não por outro motivo, administrar é função subjacente à de legislar. Este princípio, junto ao controle da Administração pelo Poder Judiciário, nasceu com o Estado de direito, ou seja, o Estado precisa respeitar as próprias leis que edita, constituindo uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais.
2 O princípio da legalidade não se confunde com o princípio da moralidade. Nem tudo que é legal é honesto (non omne quod licet honestum est). O administrador age com moralidade quando age com honestidade, em acordo com os princípios éticos, com lealdade, com boa-fé e obedece à probidade administrativa. Para a doutrina brasileira, o princípio da moralidade ainda caracteriza um conceito vago, indeterminado. Embora não se identifique com a legalidade, a imoralidade administrativa produz efeitos jurídicos, porque acarreta invalidade do ato, que pode ser decretada pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário.
3 Art. 39 (…). § 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI. GRIFAMOS.