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Injustiça

Frei Betto: A condenação de Lula

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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado, em 12 de julho, a 9 anos e 6 meses de prisão, em sentença assinada pelo juiz Sérgio Moro. Ao contrário de outros condenados em primeira instância na Operação Lavo Jato, Moro evitou decretar a prisão cautelar do mais notório líder político do Brasil. Alegou que “a prudência recomenda que se aguarde o julgamento” para se evitar “certos traumas”. Entenda-se, a mobilização popular em apoio a Lula.

A defesa recorrerá, em segunda instância, ao Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, sediado em Porto Alegre (RS). Segundo o presidente do tribunal, o recurso deve ser julgado até agosto do próximo ano. Caso seja condenado, Lula será preso; não poderá disputar a eleição presidencial de outubro de 2018; e ficará inelegível por 7 anos.

Em pronunciamento no dia seguinte à sentença, o fundador do PT declarou “quem acha que é o fim do Lula vai quebrar a cara. Quem tem o direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro.” E confirmou ser candidato a presidente da República em 2018, em busca de seu terceiro mandato: “Se alguém pensa que, com essa sentença, me tiraram do jogo, pode saber que eu tô no jogo.” Acrescentou ainda que só a história poderá julgá-lo.

O juiz considerou existirem provas de que Lula é o legítimo proprietário de um apartamento triplex na praia do Guarujá (SP), no qual a construtora OAS teria investido R$ 2,15 milhões em troca de benefícios obtidos em contratos com a Petrobras.

Lula nega que o imóvel seja de sua propriedade. Admite que sua esposa, Marisa, falecida em fevereiro deste ano, havia demonstrado a intenção de adquirir o triplex. A compra, porém, não se efetivou porque Lula considerou a localização inadequada à sua privacidade, pois o exporia a constante assédio público.

A defesa insiste que a promotoria jamais mostrou a escritura do imóvel em nome da família Lula da Silva. Portanto, a acusação é infundada.

Caso o tribunal de segunda instância mantenha a sentença de Moro, Lula poderá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e, em última instância, ao Supremo Tribunal Federal.

A sentença aplicada ao líder do PT não se baseia em provas, e sim na delação de um corruptor preso pela Lava Jato: José Adelmário Pinheiro Filho, mais conhecido por Leo Pinheiro, dono da OAS, condenado a 44 anos, dos quais 10 anos e 8 meses de reclusão no processo conexo ao de Lula. Leo Pinheiro ganhou de Moro o benefício de cumprir apenas 2 anos e meio de prisão em regime fechado e pedir progressão da pena antes de ressarcir o prejuízo causado à Petrobras.

Segundo a Lava Jato, a OAS pagou R$ 87 milhões em propinas para obter vantagens contratuais com a Petrobras. Desse montante, R$ 16 milhões teriam sido destinados ao PT, e R$ 3,7 milhões beneficiados diretamente Lula, sendo que R$ 2,4 milhões aplicados na aquisição e na reforma do triplex, e R$ 1,3 milhão no armazenamento de presentes que o ex-presidente ganhou durante o exercício de seus dois mandatos. Desta última acusação Moro absolveu Lula.

Por quais crimes o condenou? Na sentença de 280 páginas, dividida em 962 pontos, o juiz escreve que “pelo recebimento de vantagem indevida da OAS em decorrência de contrato com a Petrobras” e “pela ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento 164-A, triplex, e do beneficiário das reformas realizadas.”

Segundo Moro “o grupo OAS, dirigido pelo acusado José Adelmário Pinheiro Filho, destinou o imóvel sem cobrar o preço correspondente, e absorveu os custos da reforma, tendo presente um benefício destinado ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.”

Para decretar a condenação de Lula, que deixou o governo no início de 2011, com 87% de popularidade, o juiz escolheu o momento adequado. No mesmo dia, o parlamento aprovou a reforma trabalhista proposta pelo presidente Temer, e que retira dos trabalhadores brasileiros direitos conquistados nos últimos 70 anos, como a Justiça do Trabalho arbitrar os conflitos. Pela lei aprovada, os conflitos serão decididos por negociação direta entre patrões e empregados… No mesmo dia, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados rejeitou o relatório do deputado Sérgio Zveiter (PMDB-RJ), favorável a que se investigasse a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra Temer por corrupção passiva. Novo relator foi indicado, tendo o deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) apresentado um texto em que pede o arquivamento da denúncia de Janot. A proposição foi aprovada pela Comissão e vai ser votada em 2 de agosto pelo plenário da Câmara. Para ser aprovada, serão necessários os votos de 342 parlamentares do total de 513.

No mesmo dia em que esses episódios ocorriam na CCJ, o ex-ministro Geddel Vieira Lima, homem de confiança de Temer e preso pela Lava Jato, obtinha o direito de deixar a prisão e ficar retido em casa. A sentença a Lula ofuscou o noticiário desfavorável ao governo golpista de Temer.

Para a defesa de Lula, evitar a prisão do ex-presidente representou o “reconhecimento da própria fragilidade da fundamentação da sentença”, e a “prudência” para evitar “certos traumas” comprovam o teor político da condenação. “É uma sentença meramente especulativa, que despreza as provas de inocência e dá valor a um depoimento prestado pelo senhor Léo Pinheiro na condição de delator informal, sem compromisso de dizer a verdade, e com manifesta intenção de destravar seu processo judicial”, declarou o advogado Cristiano Martins.

O Brasil se encontra mergulhado em profunda turbulência política. Em menos de um ano ocorreram o golpe parlamentar que derrubou a presidente Dilma Rousseff; a denúncia da Procuradoria Geral da República contra Temer, atual presidente; e a condenação do ex-presidente Lula.

O que se destaca como peculiar é que a Lava Jato só existe graças aos governos Lula e Dilma. A corrupção foi sempre fator endêmico no Estado brasileiro, da monarquia à República. O novo é o fato de ela vir à tona e haver punição de corruptores e corrompidos. Isso graças aos governos do PT, que reforçaram o Ministério Público e a Polícia Federal. O que se lamenta é que não tenha sido feita também a reforma política, omissão da qual o PT e a nação agora são vítimas.

O próprio juiz Moro assinala em sua sentença: “É forçoso reconhecer o mérito do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fortalecimento dos mecanismos de controle, abrangendo a prevenção e repressão do crime de corrupção, especialmente nos investimentos efetuados na Polícia Federal durante o primeiro mandato, no fortalecimento da Controladoria-Geral da  União e na preservação da independência do Ministério Público Federal mediante a escolha, para o cargo de procurador-geral da República, de integrante da lista votada entre os membros da instituição” (ponto 793 da sentença).

Lula responde ainda a mais quatro processos nos quais é acusado de corrupção. Outros importantes dirigentes do PT já foram condenados na Lava Jato: José Dirceu, a 23 anos (hoje em prisão domiciliar); Antônio Palocci, a 12 anos (preso); João Vaccari Neto, a 15 anos (preso); e Delúbio Soares, a 5 anos (aguarda em liberdade o julgamento em segunda instância).

Por que o povo brasileiro não ocupa as ruas em defesa de Lula e a favor do “fora Temer”, como fez em anos anteriores por outras causas políticas? Entre os vários fatores, destaco o crescente desemprego, que atualmente atinge 14 milhões de trabalhadores; o desencanto com a política; o vandalismo recorrente em manifestações recentes, que infunde medo à violência; o espaço ocupado pelas redes sociais como ferramentas de protestos e denúncias. Não há no Brasil, hoje, nenhuma força política com suficiente representatividade para promover mobilizações de rua significativas.

Frei Betto é escritor, autor de “A mosca azul – reflexão sobre o poder” (Rocco), entre outros livros.

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1 Comment

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  1. Maria Antonia Cardoso

    05/06/18 at 23:50

    fREI BETTO, NADA JUSTIFICA O SILENCIO DO POVO CONTRA A PRISÃO ARBITRÁRIA DO PRESIDENTE LULA. A CLASSE MÉDIA É QUE TEM QUE ASSUMIR A RESPONSABILIDADE DO RESULTADO DESSE SILENCIO, AO CALAR QUANDO TODO O PAIS ESTA SENDO DILAPIDADO E NOSSOS DIREITOS CERCEADOS. NA VERDADE, PERCEBO QUE O PROBLEMA DE DESEMPREGO NÃO AGRIDE NINGUÉM, COMO ACONTECEU COM A FALTA DE COMBUSTIVEL. O QUE PRECISA É O POVO SENTIR QUE NÃO PODERÁ COMPRAR ALIMENTO E ISSO SIM TERÁ EFEITO. PORÉM, OS GOLPISTAS PENSARAM TAMBÉM NISSO E O ALIMENTO CONTINUA BARATO, DANDO PRÁ ENCHER AS PANELAS. QUANDO AS DECISÕES TOMADAS PELO GOVERNO ENTRAREM PELA PORTA DA FRENTE NAS CASAS DA CLASSE MÉDIA, COMO AUMENTO DE LUZ E ÁGUA, MAIS AUMENTO NA GASOLINA E NO GÁS, AÍ SIM, HAVERÁ REAÇÃO. POR ENQUANTO ESTAMOS SENDO DISTRAÍDOS COM OUTRAS COISINHAS MAS ESSES AUMENTOS CHEGARÃO EM QUESTÃO DE DIAS. E AÍ VEREMOS REAÇÕES. MAS, PODERÁ SER TARDE.O POVO QUE BATEU PANELA NÃO É O POVO DOS COLETIVOS E GRUPOS DE MOVIMENTOS CHAMADOS ERRONEAMENTE DE MINORIA. QUEM BATEU PANELA FOI A CLASSE MÉDIA E É ELA AINDA QUEM CONSEGUE SE MANTER EM PÉ. DAQUI HÁ POUCO SERÁ EM PÉ DE GUERRA.

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Injustiça

Mais de um ano depois, inocentes por falta de provas

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Mais de um anos depois de serem mandados para a prisão, terem a liberdade provisória concedida e aguardarem a decisão final, jovens foram considerados inocentes. Na decisão a juíza declarou que “JULGO IMPROCEDENTE a denúncia, para o fim de absolver” os quatro jovens. A história dos quatro jovens do Jd São Jorge é exemplar e a decisão de sua inocência sair em meio explosões de manifestações contra o racismo e violência policial no mundo, por conta do assassinato de George Floyd pela polícia dos Estados Unidos, torna a situação exemplar.

Washington Almeida da Silva, os irmãos Pedro e Fabrício Batista e Leandro Alencar de Lima e Silva foram presos em dezembro de 2018, após terem sido acusados de roubar um Uber na Zona Oeste da cidade de São Paulo. Eles foram para a prisão em seguida. Enquanto estiveram na prisão suas famílias passaram a lutar para provar sua inocência. Depois se organizaram e reuniram provas que demonstraram a inocência dos quatro. Com apoio da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, organizaram atos para mobilizar as pessoas do bairro onde os jovens nascerem e crescerem, Jd São Jorge, na Zona Oeste da cidade.

As famílias reunidas
Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres (Abril de 2019)

Em março do ano passado a juíza Cynthia Torres Cristofaro, da 23ª Vara Criminal, concedeu liberdade provisória para os quatro. Desde então os jovens apresentaram as provas que as famílias e o advogado Luiz Toledo Piza juntaram ao longo do processo e aguardaram a decisão da juíza. Na última quinta feira, 4, veio então a decisão.

Nela a juíza Cristofaro, depois de retomar os pontos do processo, afirma que “ao exame da prova dos autos persiste dúvida insuperável quanto à hipótese acusatória, mal esclarecida” e lembra que “em relação à identificação dos réus não foi possível tomar da vítima”, sendo que esta não compareceu nas audiências. E conclui com a absolvição dos quatro.

Para o advogado o caso se faz exemplar uma vez que a “realidade mais uma vez traz à tona, o despreparo da nossa polícia e a falta de interesse do Estado em investigar os reais fatos de uma malfadada acusação contra inocentes” e recomenda “que as autoridades tomem maiores cuidados, mais cautela e promovam investigações mais profundas, antes de atirarem pessoas inocentes nos calabouços da prisão”.

Relembre o caso 

No dia 10 de dezembro de 2018, os jovens foram abordados por Policiais Militares que haviam encontrado um carro de um Uber, roubado numa rua próxima. Os quatro alegaram inocência ao serem presos pelo roubo. Mas mesmo assim foram mandados para a prisão.

Além de organizar atos pela comunidade a família juntou provas para demonstrar a inocência dos quatro, como:

  • Uma testemunha que afirma ter visto os rapazes ali até por volta das 23:40h, enquanto o roubo estaria acontecendo (no B.O. a ocorrência está registrada como iniciada às 23:45h).
  • As roupas que a vítima descreveu não combinavam com as dos quatro na noite do crime.
  • Nenhum dos jovens estava com os itens roubados, o reconhecimento da vítima ter sido realizado de forma avessa ao código penal.
  • E um roubo muito parecido ter ocorrido pouco tempo depois, próximo do local.

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#JustiçaPorMiguel. Ato em Recife, clama por justiça

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#JustiçaPorMiguel

Respeitando as regras de distanciamento social, os manifestantes se reuniram às 13h em frente ao Palácio da Justiça e saíram em passeata até as “Torres Gêmeas”, onde Miguel morreu. De maneira pacífica, gritaram palavras de ordem e pediam a responsabilização de Sari Gaspar Corte-Real, a patroa que negligenciou Miguel.

Fotos: Pedro Caldas Ramos

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Conheça mais o trabalho do fotógrafo:

https://www.instagram.com/caldaspedr/

 

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Comportamento

É muita Coisa, muito Símbolo!

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“Esse horror que é a morte do menino Miguel é a história com mais símbolos de que eu tenho lembrança:⁣

A empregada que trabalha durante a pandemia;⁣
A empregada, mãe solo, que não tem com quem deixar o filho;⁣
A empregada é negra;⁣
A patroa é loura;⁣
A patroa é casada com um prefeito;⁣
O prefeito tem uma residência em outro município, que não é o que governa;⁣
A patroa tem um cachorro, mas não leva ele pra passear, delega;⁣
A patroa está fazendo as unhas em plena pandemia, expondo outra trabalhadora; ⁣
A patroa despacha sem remorso o menino no elevador;⁣
O menino se chama Miguel, nome de anjo;⁣
O sobrenome da patroa é Corte Real;⁣
A empregada pegou Covid com o patrão;⁣
A empregada consta como funcionária da Prefeitura de Tamandaré;⁣
Tudo isso acontece nas torres gêmeas, ícone do processo e verticalização desenfreada, especulação imobiliária e segregação da cidade do Recife;⁣
Tudo isso acontece em meio aos protestos Vidas Negras Importam;⁣
Tudo isso acontece no dia em que se completaram cinco anos da sanção da lei que regulamentou o trabalho doméstico no Brasil; ⁣

É muita coisa, muito símbolo.”⁣

Texto por Joana Rozowykwiat (@joanagr) (@JoanaRozowyk)

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