América Latina e Mundo
FLIP INSURGENTE: Minorias políticas rodam a baiana e avisam que não deixam mais o palco literário de Paraty
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8 anos atrásem
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Raquel Wandelli
Os leitores de hoje têm mais fome de realidade do que de ficção? Essa pergunta dirigida aos debatedores estrangeiros da Festa Literária Internacional de Paraty saiu do painel “Trótski e os trópicos” sem uma resposta contundente. Mas tudo o que aconteceu na 15ª edição do evento, encerrado neste domingo (30/07), mostra que escritores e leitores brasileiros tendem a ver a literatura, mais do que nunca, como um espaço privilegiado para a tomada de consciência da realidade do país. Com Lima Barreto, mas não só com ele, se aprende que realidade e ficção não formam uma oposição, mas dois elementos inseparáveis na compreensão do jogo político pelas artes. Esse parece ser o grande recado da quinzenária Festa Literária, que debutou este ano, por força do duríssimo cenário político brasileiro, no mundo das lutas sociais.
A reverência tardia à obra e à vida do escritor negro, pobre e anarco-comunista Lima Barreto foi o gatilho que faltava para colocar o racismo à frente de qualquer outra tragédia contemporânea, como a mácula vergonhosa deste tempo que a literatura ensina a não mais admitir. E em nome do racismo, todas as formas de exclusão social contra pobres, mulheres, indígenas, quilombolas, jovens das periferias foram tratadas como questões caras e urgentes nessa grande assembleia literária pela qual passaram mais de 50 mil pessoas, segundo os organizadores.
Do professor que fazia seu protesto contra o fechamento de escolas públicas no Rio de Janeiro na abertura do FLIP ao mero ouvinte, do pesquisador história e literatura ao leitor curioso; do biógrafo e escritor ao ativista social: todos de alguma forma inscreveram na FLIP seu brado contra a persistência dessa ferida colonial no Brasil moderno. Todos o fizeram com brilhantismo, como Conceição Evaristo, ao denunciar o retardo que a associação do racismo ao machismo produziu no seu ingresso, e no de outras escritoras negras, no campo da literatura. Ou como o historiador baiano João José Reis, que se manifestou contra a perda das cotas raciais nas universidades como uma tentativa do governo ilegítimo de travar a escalada vitoriosa de acesso de negros à educação superior.

Público subverteu modelo elitista dos auditórios, concentrando-se no espaço dos não-pagantes, onde as manifestações eram mais efusivas
No mesmo caminho, a antropóloga Lilia Schwarz chamou a atenção para a espantosa atualidade da literatura de Lima Barreto na denúncia à hipocrisia e à crueldade da sociedade da República velha, representada pela Academia Brasileira de Letras, na figura do pernóstico Coelho Neto, baluarte do pensamento conservador na época. Um Lima Barreto é muito pouco para lutar contra a permanência desse Brasil de ontem. “Para combater esse horror precisamos de muitos mais Limas e menos Coelhos Netos”, lacrou o teórico Antônio Arnoni Prado, um dos primeiros pesquisadores de Lima.

Nas árvores, os caiçaras protestam contra o roubo das águas de Paraty
Michel Temer é, para Arnoni, a expressão mais acabada dos personagens do Brasil corrupto e escravagista desenhado pelo autor. Político arrogante e empolado, adepto às mesóclises e avesso às camadas populares, que chegou onde chegou sem outro mérito a não ser pertencer às elites que tomaram o poder. Na mesma linha da historiadora Beatriz Resende, a jornalista e pesquisadora Luciana Hipólito, autora de “Literatura de urgência: Lima Barreto no domínio da loucura”, chegou a afirmar que se tivéssemos ouvido mais essa voz negra da literatura nos primeiros anos do século XX, e aprendido com ela, não teríamos chegado ao horror da realidade de hoje.
Muitos outros palestrantes fizeram manifestações políticas semelhantes e foram apoiados pela maioria do público em todos os espaços de debate e encenação artística. Mas foi uma professora de escola pública do Paraná que tomou a palavra para fazer a literatura oral mais eloquente e perturbadora dos cinco dias de intensiva assembleia literária. A voz anônima surgiu num corpo negro de cabelos brancos no meio da plateia, como o espasmo de um soluço. Foi essa neta de escravos, filha de uma mãe pobre, que lavava roupa em troca de lápis, caderno ou qualquer material escolar para que os filhas pudessem estudar, a narradora mais potente do maior evento literário do Brasil. Diva Guimarães, como ela se identificaria ao final, a pedido do ator Lázaro Ramos, fez do testemunho político de sua vida a mais literária e sincera narrativa.
Ao tomar a palavra, desculpando-se pela ousadia e prometendo ser rápida, Diva se disse profundamente tocada e encorajada pelo painel do dia anterior, no qual “as moças contam que escrevem em homenagem as suas mães”. Diva assistiu à mesa “Em nome da mãe”, com a escritora Scholastique Mukasonga, única sobrevivente da família no genocídio de ruanda, que criou no livro “A mulher de pés descalços”, um sepultamento simbólico de papel para dar um ritual imaginário de morte à mãe. A ruandense compartilhou sua história com a brasileira Noemi Jaffe, autora de “O que os cegos estão sonhando”, obra criada a partir do diário da mãe, uma sobrevivente do holocausto nazista. Ambas disseram que escrevem para suportar a dor.
Diva se sentiu “profundamente tocada” com o gesto das moças e também achou que tinha o dever de se levantar no meio da multidão, enfrentar a dor e a timidez e ser mais forte do que o próprio pranto para reverenciar a sua mãe preta de pés descalços. “Eu também sobrevivi e sobrevivo como brasileira porque tive uma mãe que fez de tudo, que passou todo tipo de humilhação para que nós estudássemos”. Por isso ela lutava de cabeça baixa para controlar a comoção que o testemunho lhe causava: tinha de ser forte para cumprir até o fim a sua homenagem diante daquela multidão toda de leitores. Com os olhos faiscantes da insurgência dos humildes, contou que ela e outras meninas foram recolhidas no interior do Paraná por uma missão da Igreja a pretexto de ir estudar em Curitiba, e antes de completar cinco anos, se tornou uma escrava das freiras católicas num colégio interno.
E por que Diva foi capaz de levar às lágrimas e de levantar para aplaudi-la vigorosamente a plateia em peso do auditório da Praça, incluindo o próprio Lázaro Ramos, que falava sobre a própria experiência como negro no painel “A pele que habito”? Por que ela, mais do que qualquer um dos 44 sábios oradores e especialistas mobilizados pela feira, produziu essa tomada venal de consciência que só a literatura é capaz de provocar, segundo Lima Barreto?
Certamente porque na voz dessa senhora ao mesmo tempo trêmula e destemida, que chegou a ser amparada para prosseguir no seu jorro de fala, a literatura e a vida tenham se reunido novamente. Na sua boca, a literatura, sempre utilizada pelos esnobes para marcar a linha divisória entre as classes, finalmente mostrou sua potência de arrebatar as almas e de promover a solidariedade entre os homens, como propunha Lima Barreto em seu manifesto por uma “literatura militante”. Por que a sua narrativa singela e vigorosa foi tão comovente?
Talvez porque nela se materialize aquilo que Conceição Evaristo, entrevistada por Ana Conceição Gonçalves no painel “Amadas”, que encerrou a programação na tarde de domingo, chamou de “arte da escrevivência”. Com esse neologismo, a autora de “Um defeito de cor” e “Insubmissas lágrimas de mulheres” quer nomear a literatura brotada e talhada da própria vivência ou da própria sofrência dessas vozes brasileiras escreventes.
Como se fosse uma das “amadas” saídas dos romances de Conceição, Diva revelou que conheceu a discriminação aos seis anos, quando as freiras do colégio interno contaram a história que explicaria a pele escura de uns e clara de outros. Para quem foi “recolhida no mato”, como ela, as freiras diziam que quando o mundo começou, deus criou um rio e mandou todos tomarem banho, “naquela água abençoada do maldito rio”, diz dona Diva com a autoridade de seus 77 anos de opressão, sem esconder a rebeldia. Então, todas as pessoas inteligentes e trabalhadoras que se esforçaram para chegar ao rio conseguiram se lavar e ficaram brancas. “Mas nós, como negros preguiçosos” – e ela interrompe, bate no peito e bufa de dor e se cala por uns instantes eternos, calma Diva, calma Diva e continua, sob os aplausos que tentam encorajá-la – “nós chegamos no final, quando todos já tinham se banhado e só havia lama”. Então, os negros só tiveram tempo de lavar a palma das mãos e a sola do pés. Por isso, concluiu ela, erguendo para a plateia a palma das mãos, e afirmando o que os olhos arregalados de torpor desmentiam, “porque somos preguiçosos, temos apenas essas duas partes do corpo claras”.
Diva arrancou essa dolorosa narrativa do fundo de um espasmo, como se no instante mesmo da sua fala, ela e toda a multidão da FLIP, ela e todas as meninas e meninos negros e pobres escravizados pelas igrejas no interior do Paraná vivessem o horror de um segredo revelado.
O testemunho de Diva Guimarães insurgiu na multidão da FLIP, assombrando os leitores como um romance sobre luta e opressão que provoca por dentro um silencioso furacão
Mas a fábula racista sobre a cor negra, que muitos brasileiros ouviram nas escolas regidas por brancos, não convenceu a menina Diva. “Se fôssemos preguiçosos, não teríamos sobrevivido. Se o Brasil existe é porque os meus antepassados o construíram”. Estimulada pela mãe, ela estudou mais do que era devido a uma menina pobre. Sempre que pensava em desistir da escola por causa do racismo, era vencida pelo argumento da mãe de que se não estudasse teria o mesmo destino dela. Quando se formou em Educação Física e se tornou professora da rede pública de Curitiba, em plena ditadura, ensinou o mesmo aos seus alunos: que deveriam estudar se quisessem ser livres. Por isso foi perseguida e combatida: “Eu era considerada uma subversiva!”. Ela, que teve o direito à infância roubado, que teve a liberdade usada como moeda de troca para estudar, tornou-se uma defensora ferrenha da educação pública e nunca mais parou de estudar. “Eu sou uma sobrevivente da educação e sou uma sobrevivente da luta”, afirmou Diva, inconformada com o fato de o governo do Paraná ter cortado a bolsa dos cotistas negros, que recebiam R$ 400,00 para se manter nas universidades.
Ao desnudar a violência do racismo desencantando a lenda da diferença, a professora paranaense aposentada deu a resposta exata à questão inicial. Mostrou que ficção e realidade sempre caminharam juntas, seja para separar a humanidade imiscuindo nas histórias a ideologia da dominação, ou para libertar os povos oprimidos com a narrativa da resistência. Toda literatura digna de ser chamada como tal busca a verdade coletiva de um povo – ou como disse a repórter-escritora argentina Leila Guerriero, não existe literatura que não se refira à realidade. Prenhe de vigor estético e apuro ético, o depoimento da professora negra viralizou na internet e nas redes sociais. E segue impactando muitos mais leitores do que a FLIP teria capacidade de reunir no elitizado auditório da Igreja Matriz ou mesmo na tenda de projeção.
A COLETIVA DE ENCERRAMENTO

Curadora Josélia Aguiar, à esquerda, pediu que coletivos negros e ativistas sociais não deixem a FLIP caso próximo homenageado não seja negro
Numa entrevista coletiva fria e burocrática, com poucas perguntas e respostas curtas e evasivas, a equipe responsável pela organização da 15ª FLIP fez o balanço de encerramento para cerca de 20 jornalistas. A mais entusiasmada, a curadora Joselia Aguiar, falou rapidamente, se disse feliz com os resultados, destacou os ganhos com a diversidade e se retirou antes do término para participar das mesas de encerramento. Nem ela, nem o diretor presidente da Fundação Casa Azul, Mauro Munhoz, pareceram conscientes da revolução que ocorreu no evento por conta do espaço rasgado pelas minorias políticas, com a acolhida de sua própria direção.
A primeira pergunta veio questionando se o tom político da feira era determinado pelo momento brasileiro atual e se tenderia a persistir nos próximos eventos. Tanto Joselia quanto Munhoz procuraram neutralizar as manifestações contra Temer, contra o extermínio de jovens negros pela polícia, o aprofundamento do racismo e o corte das cotas, o atraso no pagamento dos salários de professores no Rio de Janeiro ou o fechamento de escolas. Ambos argumentaram que era natural os painelistas se posicionarem a partir das demandas do público. Mesmo os estrangeiros se manifestaram contra Trump, no caso do escritor jamaicano Marlon James e do poeta estadunidense Paul Beatty, como lembrou Josélia. Antes de sair, a curadora deixou no ar um pedido que soou ambíguo como uma ameaça velada numa calorosa acolhida: “Quero pedir aos coletivos negros e ativistas sociais que permaneçam para sempre na FLIP, mesmo caso o próximo homenageado não seja uma mulher ou não pertença a uma minoria”.
O diretor da fundação que patrocina o evento reafirmou que a feira economizou R$ um milhão com o novo formato, eliminando a grande tenda gigante próxima ao canal, as oficinas, a biblioteca na Mangueira e as iniciativas descentralizadas em municípios mais carentes para concentrar todas as atividades no centro de Paraty. “Antes tínhamos um país que estava se expandindo e a FLIP tinha esse movimento de descentralização da cultura. Agora vivemos em outro país que precisa se concentrar e se fortalecer pra voltar a pensar nesses projetos mais complexos que dependem de mais investimento público”.

Debates ao vivo dentro do auditório da Igreja Matriz foram muitas vezes preteridos pelo público, que preferiu a projeção na praça
Com um discurso conformista, defendendo a “adaptação da feira aos novos tempos”, Munhoz insistiu no sucesso do auditório para pagantes na Igreja Matriz, onde se concentraram a maioria dos paineis “ao vivo”. Garantiu que todos os 400 ingressos para cada uma das sessões foram vendidos e utilizados, embora todos tenham testemunhado o esvaziamento progressivo desse espaço privatizado em favor do crescimento da audiência gratuita na tenda de projeção. Em torno dela o público chegou a pelo menos menos duas mil pessoas em vários momentos, ultrapassando em muito a lotação de 700 lugares com cadeiras fixada por ele. Isso significa que o próprio público subverteu o modelo elitista e a separação dos auditórios ao se manifestar de forma muito mais efusiva e espontânea no local de livre acesso. Apesar disso, Munhoz afirmou que o espaço intimista será mantido porque é “mais adequado para determinados tipos de paineis”.
Ao final de sua mesa, Conceição Evaristo afirmou que mulheres e negros fizeram a ocupação da FLIP e não pretendem mais sair dela. “Vai ser muito difícil voltar atrás e nos tirar daqui, porque não sairemos mais”. Para outro grande estudioso de Lima, o professor da UFMG Edmilson de Almeida Pereira, poeta e especialista na diáspora africana no Brasil, o espaço foi uma conquista dos movimentos sociais que qualificou o evento. “Quando a literatura não dá visibilidade às tragédias sociais que recaem sobre um povo, ela se torna cúmplice delas”, lembra o pesquisador. Muitas vezes os painelistas e artistas referenciaram Rafael Braga, Ricardo Nascimento e Jonathan Bidoia Neres e os jovens negros presos, torturados ou mortos pela polícia de extermínio. “Essa dimensão política da arte sempre esteve presente e tende a se agudizar com o estado de exceção no país”, sustenta Edmilson.

“Quando a literatura não dá visibilidade às tragédias sociais que recaem sobre um povo, ela se torna cúmplice delas”, afirma o pesquisador Edmilson de Almeida Pereira
O melhor emblema de tudo isso talvez seja a performance multimidiática “Fruto estranho”, apresentada pelo ator e poeta Ricardo Aleixo, na abertura do evento, a partir da mistura de fragmentos de textos de Lima Barreto e de sua própria lavra. A imagem de um artista como um livro vivo onde a pele é a própria escritura do mundo evoca esse movimento de hibridização com as lutas sociais. Se o negro é uma invenção do branco, como diz o poema, cabe a literatura reinventá-lo como uma fabulação de si e por si.
TROPEÇANDO NAS RUAS DA LITERATURA
Pelas ruas de Paraty, a literatura que todos os anos enche a cidade da algazarra dos diferentes acentos e línguas, de poesia, dança, música, teatro e livros, tropeça na escravidão em cada pedra do calçamento antigo, em cada construção que presentifica suor e sangue negros derramados. Ainda que queira, os olhos da escritura não podem se desviar do trabalho infantil em torno da presença dos turistas. A literatura do testemunho, que arrebatou o público nesta edição da FLIP, não pode mais ignorar os sobreviventes contemporâneos dos extermínios que desfilam diante dos olhos dos turistas.
Não basta abrir um painel na programação para reconhecer a presença exótica de caiçaras, negros, quilombolas, indígenas: é preciso dedicar a eles toda a produção intelectual e artística brasileira. Eles não formam uma parte ou uma “aldeia” da literatura, mas são os verdadeiros anfitriões da festa como protagonistas da cultura nacional. E isso vale também para as centenas de coletivos de jovens artistas das tribos urbanas de todo o país que, atraídos todos os anos para o evento, fazem seu trabalho nas ruas de Paraty. São eles que trazem as artes para a plenitude da vida, promovendo saraus de literatura periférica, rodas de batuque, manifestos de poesia marginal, varais literários que aproximam a arte do povo, como fez Paulo Leminski ou Lindolf Bell. Eles continuam totalmente à margem da programação da feira.
Depois de atingir 15 anos, a FLIP não pode mais ignorar a literatura dos Guarani Mbya sobreviventes da dizimação, que expõem seus artesanatos nas calçadas, sob pena de construir um evento tão fake quanto uma cidade onde tudo gira em torno do turismo. Os milhares de forasteiros que se esbaldam todos os anos nos restaurantes e hoteis de Paraty não podem continuar esquecendo que os primeiros habitantes desse paraíso estão em plena luta por território. E ainda são acusados de serem “índios falsificados do Paraguai” numa cidade onde tudo – praias, moradores, pratos típicos, danças, ritmos musicais – carrega nomes como Janaína, Catimbau, Cajaíba, Cachadaço, Saco do Mamanguá e cateretê.
Antes tarde do que nunca, os amantes das letras se depararam também com as manifestações políticas e culturais dos quilombolas do Campinho da Independência, que estão em luta por seus direitos. Viram os estudantes cotistas protestando contra o prefeito de Paraty, Carlos José Miranda (PMDB), que suspendeu o transporte público para a universidade dos municípios vizinhos. E os caiçaras denunciando o roubo da água natural para engarrafamento e comercialização a preço de ouro. Ao mesmo tempo que reconhece a conquista de um espaço cultural e intelectual dominando pela identidade masculina e branca, a jornalista Tatiana Carvalho Costa, integrante do coletivo Elas Pretas, de São Paulo, que está em Paraty fazendo um filme sobre a obra de Ricardo Aleixo, se sentiu constrangida com o assédio às mulheres negras. “Pessoas se aproximam da gente, como se nossa presença na feira fosse algo extraordinário, como se o nosso corpo negro fosse um lugar de expiação do sentimento de culpa”.
A verdade mais nua e crua sobre o impacto negro na festa das elites, quem disse foi ela, dona Diva: “Aparentemente tivemos uma libertação que não existe até hoje”. Já na abertura, uma enorme faixa do Sindicato Estadual dos Profissionais na Educação do Rio de Janeiro, protestando contra o sucateamento da educação pública, recomendava que os participantes da FLIP lessem a obra de Lima Barreto para entender a realidade brasileira atual. Ao final a faixa exclamava: “Salve Lima Barreto!” Salve também Diva Guimarães e todas as negras e negros que rasgam seu lugar na literatura. Subversivas e subversivos!
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América Latina e Mundo
Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte
Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas
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5 anos atrásem
27/10/20
A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.
Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena
No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.
Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes.
A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.
“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.
Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán—, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.
O novo ciclo
A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.
O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.
Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.
A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.
Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.
Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

Chile
Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”
Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia
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5 anos atrásem
23/10/20
Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.
Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena
Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.
Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.
Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.
Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.
Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.
Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.
Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).
A LEI ATUAL
Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.
A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.
Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.
Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.
Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.
Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.
Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.
Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.
Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.
Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão
Bolívia
Veja a tradução da declaração de Evo Morales
Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.
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19/10/20
DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020
- Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
- Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
- Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
- Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
- Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
- Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
- O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
- É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
- Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
- É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
Viva a Bolívia!
Evo Morales
Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres
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