FLIP: Defensora do Golpe de 1964, Elizabeth Bishop será a homenageada da festa

Fotos com algumas das vitimas assassinadas pela Ditadura Militar brasileira que a escritora Elizabeth Bishop defendeu

A notícia da escolha de Elizabeth Bishop como autora homenageada na Flip 2020 é uma pá de cal num ano em que a cultura, a arte, a literatura descem ralo abaixo no Brasil, menosprezadas e desprezadas não só pelo governo, mas pelos brasileiros que o elegeram. Bishop, nascida nos EUA, viveu no Brasil durante mais de uma década, mas achava nosso país “um horror”. Desprezava a cultura brasileira (salvo raras exceções), a ponto de dizer: ‘Se você nunca vê um Picasso autêntico, finge que Portinari é bom – ou se você nunca na vida ouviu boa música, finge que bossa nova é bom e que Villa-Lobos é o maior etc.’

Por Luciana Hidalgo*

Bishop estava no Brasil em 1964 e, sobre a situação política, escreveu: Aqui, tudo está uma confusão, e uma tragédia, na verdade. Deus sabe o que vai acontecer depois. Parece excessivamente pró-comunista para mim e, por favor, diga a Kennedy ou a Arthur S. Jr. para se mexerem. A América do Sul inteira poderia muito bem azedar – para o lado do comunismo –, como uma leiteira, eu acho, e a culpa é metade do Brasil e metade nossa.”

Quando afinal se deu o golpe militar de 1964, Bishop resumiu: “Bem, foi uma revolução rápida e bonita, debaixo de chuva – tudo terminado em menos de 48 horas. De fato, sentimos um estranho esvaziamento, nos preparamos para viver coladas no rádio e na tevê, deitadas sobre muitos sacos de café; eu assei pão – não havia pão para vender etc. – e também assei um pernil de porco!”

Bishop não só pediu ajuda oficial do governo dos EUA para ajudar os militares a dar o golpe na nossa democracia como, junto à companheira Lota, acompanhou notícias da “revolução” comendo pãezinhos. E quando o governo militar começou a banir políticos da oposição, ela apenas comentou: “A suspensão dos direitos, a cassação de boa parte do Congresso etc., isso tinha de ser feito por mais sinistro que pareça. De outro modo teria sido uma mera ‘deposição’, e não uma ‘revolução’ – muitos homens de Goulart continuariam lá no Congresso, todos os comunistas ricos iriam fugir (como alguns fugiram, é claro) e os pobres e ignorantes seriam entregues à sua sorte.”

Todas essas opiniões de Bishop sobre o Brasil (contidas na sua correspondência) já bastariam, na minha humilde opinião, para que a Flip no mínimo evitasse homenageá-la. Ainda mais num ano em que a extrema-direita governa o país com ameaças de AI-5 e com censuras de todos os tipos a artistas e intelectuais.

Outro trecho de carta, contudo, é ainda mais chocante (atenção, tirem as crianças da sala): “Reidy também era uma das poucas pessoas sãs com quem Lota tinha trabalhado. Ela jura que todos os homens brasileiros são ligeiramente doidos – as mulheres podem ser sãs, mas infelizmente são retardadas mentais…”

Mulheres brasileiras: retardadas mentais. Pois é.

Dizem por aí que não se deve misturar a obra de um autor com a sua vida – et pour cause. Escritores têm mesmo todo direito de expressar livremente o que pensam. No entanto, por que um festival literário da importância da Flip no Brasil prestaria tributo a uma autora estrangeira capaz de dizer tantas bobagens elitistas, reacionárias e preconceituosas sobre nós, deixando assim de homenagear autores brasileiros de enorme relevância?

Esses e outros trechos das cartas de Bishop estão acessíveis em ótimos artigos na revista Piauí. Me dei ao trabalho de ler inúmeras cartas, e o que fica é aquela velha e batida visão de escritora estrangeira, branca e rica, que tudo acompanha sem sair do conforto da sua mansão, comendo pãezinhos. Brioches?

Bishop acha tudo no Brasil provinciano, e nisso até acerta: a escolha de Bishop para uma importante festa literária no Brasil de 2020 é, para dizer o mínimo, provinciana.

Fui convidada para a programação oficial da Flip em 2017, aquela que homenageou Lima Barreto, e pude ver nas ruas a importância desse evento no calendário literário nacional. É antes de tudo uma festa dos leitores, que se aproximam mais dos autores, compram nossos livros, nos param nas ruas para pedir autógrafos. Por tudo isso, espero sinceramente que a Flip reveja essa escolha infeliz, politicamente melancólica, nos escombros de Brasil que nos restam.”

*Luciana Hidalgo é escritora brasileira e doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio Janeiro (UERJ) e pesquisadora-associada à Universidade Sorbonne Nouvelle Paris 3, onde fez pós-doutorado.

COMENTÁRIOS

5 respostas

  1. Realmente, uma escolha infeliz ainda mais nesse período político obscuro.

  2. Otima escolha, se os militares não tivessem feito uma intervenção no passado, seríamos mais uma Venezuela hoje.

  3. Não, caro Edison. Com esse atual desgoverno, o Brasil jamais será “uma Venezuela”. O que ocorre lá é decorrência dos ataques norte-americanos, através de boicotes econômicos, fake news e apoio a golpes (vide o autoproclamado presidente respaldado pelo Tio Sam). O petróleo venezuelano, que há em abundância, é cobiçadíssimo pelos EUA, país imperialista que não sossegará enquanto não “colonizar” os países latino-americanos por suas riquezas naturais. Ao que parece, E. Bishop têm muito em comum: a ignorância acerca do Brasil. Jamais houve “perigo comunista” no período de 1964. Jango (e os demais que compunham o seu governo), nunca ameaçaram nosso regime democrático. Entretanto, o golpe civil-militar, aplaudido pela escritora pernóstica e arrogante, causou uma catástrofe até hoje perceptível.
    Não há o que você recear, pois com o entreguismo e o abalo em nossa soberania, resultados da política de subalternidade do seu presidente, o Brasil não se tornará “uma Venezuela”. Espero que você tenha tempo de perceber o quanto o seu desconhecimento é prejudicial, uma vez que seu comentário não apenas envergonha àqueles que têm inteligência e a usam como, também, é nefasto à nação.

  4. O Sr. Edison decidiu homenagear a homenageada e caprichou na imbecilidade.
    Não pisarei em Paraty esse ano.

  5. Sinto cheiro das palavras de DAMIÁN TABAROVSKY sob tal escolha e tais “protestos”.
    Penso que o crítico pode contribuir e muito com seu “Literatura de esquerda” para compreendermos um pouco mais sobre a “festa literária” – que parece mesmo querer consagrar -se cada dia mais como “festa”; e o porquê de Bishop ser válida ,ainda que nos desagradem suas cartas.

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