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Meio Ambiente

Essa cachoeira pode acabar

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Quem espichar o olhar pela janelinha do avião ao chegar ou sair de Brasília logo terá sua atenção despertada para vários grandes círculos lá embaixo, ao lado de extensas áreas de plantação quadriculadas. Aos olhos de um ET é possível que aquilo pareça algo como um grande campo de pouso à espera de seu disco voador, mas, na verdade, aqueles círculos são os pivôs centrais, que funcionam como um grande braço de chuveiro giratório usado para molhar as sementes ou a plantação que estão embaixo, esta, sempre viçosa.

Ali, em pleno entorno de Brasília, nas barbas da capital federal, onde, por coincidência, serão realizados o Fórum Mundial da Água e o Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama), entre os próximos dias 17 a 23 deste mês de março, está a maior concentração de pivôs centrais do país. Setenta e cinco por cento deles estão apenas nos municípios de Cristalina, em Goiás, e nas vizinhas Unaí e Paracatu no lado de Minas Gerais, garantindo grande produção de grãos do agronegócio o ano inteiro, às vezes com até três safras anuais. Não é à toa, nestes tempos de golpe, que no ano passado o agronegócio registrou um crescimento de 13%. A agricultura consome 70% da água usada pelo homem, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), e esse percentual vale também para o Brasil.

Cristalina é a terra da irrigação e quem sofre as consequências são os rios Samambaia e São Marcos, da bacia do Rio Paraná. Até o ano passado eram 716 pivôs em 6.162 quilômetros quadrados, após os primeiros deles surgirem na década de 1980. Ali são plantados 45 produtos diferentes, dentre os quais a soja, milho, feijão, café, capim, algodão, trigo etc., etc.

Até aí, tudo bem, afinal, o país precisa produzir e precisamos de alimentos. Ôpa, eu disse tudo bem? Não, nem tudo está bem por ali. Fala-se muito que o Rio São Francisco está secando a cada ano e, em uníssono, dizem que isso se deve ao desmatamento, a criminosa destruição do cerrado ou à mudança climática. Sim, o desmatamento em suas margens ocorre há séculos, inclusive, com a destruição de árvores do cerrado para alimentar de carvão a caldeira do vapor Benjamim Guimarães desde 1925, após navegar pelos rios Mississipe, nos Estados Unidos, e Amazonas.

Uma praga

Pois bem, durante 17 dias a reportagem dos Jornalistas Livres percorreu 4.800 entre Belo Horizonte e a Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, com atenção especial voltada para o Noroeste de Minas, no Aquífero Urucuia, onde fica o Grande Sertão: Veredas, assim chamado pelo escritor João Guimarães Rosa, que percorreu por ali e deu asas à imaginação após ouvir histórias de vaqueiros e jagunços. Mas hoje, coitado, se “Joãozinho” voltasse ao Noroeste de Minas e conversasse com o povo dos lugares certamente derramaria lágrimas aos borbotões.

Durante a viagem pudemos concluir que, na verdade, a culpa não é apenas da destruição do cerrado e suas veredas. O que está secando as águas do São Francisco, o chamado rio da integração nacional, são os pivôs centrais da irrigação desenfreada e as extensas plantações de eucalipto, destinado a produzir o carvão que alimenta as famintas bocas dos alto fornos das usinas siderúrgicas mineiras.

O eucalipto, uma planta exótica originária da Austrália que gosta bastante de água para crescer, pôde ser visto em toda parte, em toda a extensão da viagem até o Oeste do Mato Grosso, contribuindo seriamente para a devastação do cerrado, além do agronegócio. Hoje, o eucalipto é responsável por 9% do Produto Interno Bruto (PIB) de Minas e ocupa, por baixo, 2% do território mineiro. Virou uma praga. Parece até que passou a ser usado para tornar certos latifúndios ‘produtivos’ e, assim, escaparem das ocupações dos sem-terra. E onde tem eucalipto só há ele, xô passarinhos e a fauna e flora do lugar.

Autor de tese sobre desertificação no semiárido mineiro, Walter Viana, responsável pela fiscalização ambiental na Superintendência de Meio Ambiente e e Desenvolvimento Sustentável (Supram) no Norte de Minas, assim como outros ambientalistas, defende a proibição de novos plantios de eucalipto na região como forma de garantir a água. A cultura do eucalipto consome 230 litros de água por metro quadrado plantado a mais que o cerrado, além de provocar o rebaixamento do nível freático em meio metro por ano. Da média histórica de precipitação pluviométrica no Norte de Minas, por exemplo, de mil milímetros/ano, o eucalipto consome sozinho 800 milímetros. E como o cerrado precisa de 500 milímetros, há, portanto, um déficit de 300 milímetros.

Ataque duplo

No Noroeste de Minas, então, o diabo juntou a fome com a vontade de comer. E quem paga o pato é o pobre Rio São Francisco e tudo o mais que está às suas margens até desaguar na divisa de Alagoas com Sergipe “para formar o Oceano Atlântico”, como gostam de brincar os ribeirinhos. De um lado a irrigação do agronegócio chupa a água das nascentes dos rios que dão vida e volume ao Velho Chico. De outro lado, as plantações de eucalipto sugam a água do solo e comprometem o lençol freático, secando as veredas, justamente os locais onde estão as nascentes de água. Isso é fato e deixa desesperados os produtores e aqueles que se beneficiam das águas dos afluentes do São Francisco. E o que hoje está ruim, amanhã estará pior, sem dúvida, se nada for feito.

Pivô central no cerrado

 

Às margens do Rio do Sono, o distrito de Paredão de Minas retrata bem a situação. A vila pertence ao município de Buritizeiro e foi o lugar escolhido por Guimarães Rosa como local onde o bando de Riobaldo atravessou o rio para o embate final com Hermógenes. Ali, no centro do povoado, Diadorim cravou a faca em Hermógenes, que sucumbiu, mas foi ferida mortalmente. Paredão está cada vez mais com ares de ‘cidade fantasma’, devido ao êxodo de seus moradores, diante da falta de alternativas que garantam a sobrevivência.

“Hoje estou parado com pescaria porque não temos água nos rios, que estão secando por causa do eucalipto. Estão fazendo bolsão na corrida da água, que gera oxigênio para a água, e aí os rios estão todos mortos”, conta Adailton da Silva Pamplona, pescador registrado desde 1992 na Sudep.

“Estão acabando com as veredas, que são o minador (as nascentes d’água). Nossos buritis estão acabando desde que entrou aqui a Fazenda Sendas, do Arthur Sendas. Cada dia que passa pior está ficando, é mais eucalipto e desmate. O Sendas tinha gado, mas aí veio a Gerdau, comprou a fazenda e não deixou nada. Eles vieram aqui no Paredão e doaram bicicletas e uns livrinhos. Por que não deram 10 mil reais para a gente fazer uma faculdade, para preservar a natureza? Não, eles estão comprando a gente com bicicleta. Nós precisamos é que o turista venha à nossa região ver as belezas que tem”, completa Adaílton, que acaba não contendo as lágrimas.

O bolsão para coletar água para os eucaliptos

Os bolsões a que Adaílton se refere são grandes buracos feitos na terra onde a água de chuva corre no meio dos eucaliptos. A água é represada e forma uma grande piscina, um artifício usado como forma de garantir a umidade do solo em favor dos eucaliptos nos tempos de seca. Isso pode ser visto, por exemplo, numa extensa plantação de eucalipto em Buritizeiro, nas terras onde o falecido empresário carioca Arthur Sendas criava gado solto no cerrado. Com sua morte em 2008, as terras foram adquiridas pela Siderúrgica Gerdau, que derrubou tudo para plantar eucalipto. A Fazenda Porto Alegre tem uma área de 1.550 hectares, o que equivale a cerca de 1.550 gramados de um campo oficial de futebol. Imagine o tamanho! E, ironicamente, ao seu redor não faltam placas de “Preserve o meio ambiente”.

Um prefeito assustado

Outro que está assustado com as mudanças que vêm ocorrendo na região é o prefeito de Aruana de Minas, Ronaldo Verdadeiro, do PP. O município, distante 238 quilômetros de Brasília, se auto-intitula como “A Cidade das Cachoeiras”. “Nós temos um potencial muito grande em relação à água. Temos mais de 20 cachoeiras, entre elas a Cachoeira da Jiboia, com 144 metros de queda, e temos vários rios, como o São Miguel, que nasce em Formosa, em Goiás, e deságua no Urucuia, afluente do São Francisco. Estamos enfrentando uma situação muito difícil. O ano de 2017 foi difícil e 2016 foi muito mais difícil ainda. Hoje (em novembro passado) estamos com dois caminhões-pipa levando água a todos os cantos do município, principalmente nos cinco assentamentos do Incra e outras comunidades, levando água para beber e para os animais. Isso é cada vez mais frequente. Está muito difícil”, conta Verdadeiro.

Prefeito de Aruana de Minas, Ronaldo Verdadeiro do PP

 

“Nós temos aqui a localidade de Canguçu, onde nunca precisou levar água lá e agora foi preciso, porque o córrego Pasto dos Bois está secando. Da ponte pra baixo secou, coisa que há muitos anos a gente não via. Ele deságua no Rio São Miguel. Por isso estamos fazendo a nossa parte com um projeto com a Emater de cercamento de nossas nascentes. A Emater já fez um levantamento de todas as nascentes em 14 municípios e encaminhou para o Ministério do Meio Ambiente. São Pedro está mandando menos chuva porque o homem degradou o meio ambiente. Pra mim tem duas coisas que estão provocando isso, o desmatamento da Amazônia e os pivôs centrais”, avalia o prefeito.

“A região nossa aqui é uma das maiores regiões irrigadas, com os municípios de Unaí e Paracatu. Produz muito, produz mas é preciso produzir com responsabilidade. Não adianta produzir e destruir de outro lado. Em Unaí tem uma família lá que é a maior produtora de feijão do Brasil, os Manica. Do jeito que as coisas estão caminhando aí a gente fica muito preocupado. Aqui na divisa com Unaí tinha uma das maiores veredas, mas destruíram, tocaram fogo. As cachoeiras estão ameaçadas, a própria Jiboia só recuperou agora nos últimos dias por causa das primeiras chuvas. Devido à escassez, hoje, na área rural, já existem cerca de 350 a 400 cisternas com capacidade para 20 mil litros de água para captar água de chuva, num trabalho da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco)”, acrescentou Verdadeiro.

Três safras

A secretária de Meio Ambiente e Turismo de Aruana, Ivone Ferreira, percorre bastante a região e também tem muito para contar: “Esse verão foi muito preocupante pra nós. Nós promovemos uma Semana do Turismo com alunos da rede pública e quando chegamos na Cachoeira da Jiboia a água não chegava nem a cair embaixo de tão pouca que tinha. Eu cheguei até mesmo a pensar que a cachoeira fosse secar, porque são muitos pivôs lá em cima, além do represamento das águas. Estão fazendo lavoura com três safras por ano usando os pivôs centrais. Eles plantam na época de chuva e na outra, no período de seca, usam a água dos pivôs, só que com isso eles estão fazendo três safras, quando o correto seriam duas. Vários rios e riachos secaram aqui e não secavam antes. Temos 33 cachoeiras aqui e a gente fica com medo de perdê-las”, conclui Ivone.

Poço salvador

Mais acima, no extremo Noroeste de Minas, em Serra das Araras, distrito de Chapada Gaúcha, o pequeno produtor rural Saul Durães e seu filho, Júnio, produzem feijão, milho, arroz e tem algumas cabeças de gado. No final do ano passado eles viveram uma situação dramática ao verem o córrego Marimbas secar e, temendo o pior, acabaram partindo para o que muitos agricultores da região estão fazendo: para garantir água estão pagando caro pela perfuração de poços artesianos. Saul acabou obrigado a reunir suas economias e pagar R$ 15 mil pela perfuração de um poco de 120 metros de profundidade.

“Estou com 74 anos, sou nascido e criado aqui e nunca vi o rio Marimbas seco. A primeira vez foi esse ano. Aqui tinha muito peixe, surubim, jacaré, sucuri. Hoje não tem nem piaba. O problema é o desmatamento. Estão pegando o cerrado para fazer carvão, os rios estão secando e enchendo de areião. Várias empresas vieram plantar eucalipto nas cabeceiras dos rios.Todos os que secaram têm influência de eucalipto nas cabeceiras. Estava sustentando a criação com água armazenada até que choveu. Não tinha água no córrego de jeito nenhum. Os vizinhos também estão todos prejudicados. É só prejuízo. Com as primeiras chuvas, tem 23 dias que o rio Marimbas voltou a correr. Da barra até a cabeceira ele abastece 79 famílias. E nós estávamos com 47 famílias prejudicadas por causa da seca”, relata Saul.

 

Em Minas, onde está a “produção” de 78% das águas do Rio São Francisco, segundo estudiosos do assunto, estima-se que um percentual de 70% de seus tributários estão secos ou estão secando, lembra o agrônomo e deputado federal mineiro Zé Silva, do Solidariedade, que preside na Câmara a Frente Parlamentar em Defesa dos Rios Brasileiros, hoje reunindo mais de 200 parlamentares. “Nossos rios estão morrendo de sede” gosta de dizer, repetindo o que dizia há anos o falecido jornalista e escritor mineiro Wander Piroli.

Uma ameaça

O Brasil está entre os dez países com a maior área irrigada do planeta, mostra estudo feito pela Agência Nacional de Águas (ANA). De acordo com o Atlas Irrigação, o uso da água na agricultura irrigada atualmente no país tem 6,95 milhões de hectares que produzem alimentos utilizando diferentes técnicas de irrigação. A pesquisa mostra ainda que o número representa apenas 20% da área potencial para a atividade, o que é preocupante.

Isso explica por que a população do Oeste baiano também vem sofrendo com a falta d’água. Quem entrar no Google Earth, por exemplo, e dar uma chegada àquela região baiana vai ver que ela também está cheia de pivôs centrais sugando as águas dos rios. Isso acabou levando a população da cidade de Correntina a sair às ruas, em novembro, para botar a boca no trombone e protestar contra a falta d’água, que chegou ao ponto de secar as torneiras, devido ao baixo volume do Rio Arrojado.

Mas o drama da população só chamou atenção quando cerca de mil pessoas entraram nas fazendas Igarashi e Curitiba, onde quebraram os pivôs centrais de irrigação e derrubaram as instalações elétricas. Está havendo um “hidrocídio” no país, alertou Roberto Malvezzi, o “Gogó”, da Comissão Pastoral da Terra e do Conselho Pastoral dos Pescadores na Região do São Francisco, ao denunciar a destruição dos mananciais. Vale lembrar que nos últimos dez anos o cerrado, que abrange 12 estados brasileiros, perdeu mais de 50 mil quilômetros quadrados, algo bem maior que o estado do Rio de Janeiro.

Isso faz com que a guerra pela água fique cada vez mais acirrada. E a coisa está tão grave que 11 bispos de 16 dioceses banhadas pelo Rio São Francisco se mobilizaram e divulgaram um documento reivindicando uma moratória de dez anos para a região do cerrado e um repouso sabático para os principais biomas brasileiros.

No oeste baiano corre a informação de que outorga, a autorização federal ou estadual para uso de água dos rios, chega a custar a propina de R$ 1 milhão. Hoje, uma fazenda com outorga é bem mais valorizada do que a que não possui a autorização. Por essas e outras cada um vai se virando como pode e a sede pelo lucro rápido fez, por exemplo, com que o fazendeiro paulista Luzenrique Quintal tivesse a cara de pau de fazer uma transposição das águas do Rio Araguaia para as suas duas fazendas em Goiás, para abastecer os pivôs centrais. A coisa foi tão acintosa que a canalização acabou interditada.

Para terminar, vale registar que no último dia 5 cerca de mil mulheres sem terra ocuparam a fábrica de papel e celulose da empresa Suzano, em Mucuri, no extremo sul da Bahia, divisa com o Espírito Santo. Uma reclamação de destaque da ocupação foi o plantio desenfreado de eucalipto na região. Elas denunciaram que os monocultivos têm provocado uma grande crise hídrica na região por conta do alto consumo das árvores, que, “plantadas sem responsabilidade social e com objetivos financeiros”, têm secado os mananciais de água doce. Mais uma prova de que o eucalipto está se tornando uma praga nacional.

Colaboraram Cynthia Camargo e Henrique F. Marques

 

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Meio Ambiente

Vale S.A. nada fez após cinco anos do crime em Mariana

Passados mais de 1.800 dias, a impunidade prevalece e quase nada foi feito em favor da população atingida e do meio ambiente

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Há exatamente cinco anos acontecia o rompimento da barragem do Fundão em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, MG, levando 20 vidas, destruindo a vila e jogando toneladas de lama de minério no oceano ao acabar com a vida ao longo do Rio Doce em Minas e no Espírito Santo. A barragem da Vale S.A. e BHP Billiton, mas operada pela mineradora Samarco, rompeu-se na tarde do dia 5 de novembro de 2015.

Durante todo esse período, mais de 1.800 dias, os responsáveis pelo crime não foram julgados. Em 2019, o crime de homicídio foi retirado do processo. As mortes provocadas pelo rompimento da barragem foram consideradas pela Justiça como simples consequência da inundação causada pelo rompimento, prevalecendo a impunidade. De lá para cá, as comunidades destruídas não foram reconstruídas e não há respostas para a recuperação do meio ambiente e para moradores, que passaram a sofrer de depressão e outras doenças.

Foto de Aloísio Morais

“Tudo está por fazer”. Esta é a conclusão da chefe da Força-Tarefa Rio Doce, Silmara Goulart, procuradora do Ministério Público Federal (MPF), sobre o crime cometido pelas empresas Vale S.A., BHP Billiton e Samarco. “A sensação, olhando cinco anos de desastre, é de consternação e profunda tristeza com a desolação, tudo ainda está por fazer”, conclui Silmara. “Nenhum grupo de atingidos foi integralmente indenizado, o meio ambiente também não foi integralmente recuperado e sequer o distrito de Bento Rodrigues foi reconstruído”, afirmou.

Além disso, um outro bom exemplo que ela aponta é o auxílio emergencial pago aos atingidos, que foi suspenso em plena pandemia. A procuradora ressalta também o fato do caso envolver duas empresas que estão entre as mais ricas do mundo, a Vale e a BHP Billiton, controladoras da Samarco, que atua em Mariana. “Antes do desastre, elas preferiram economizar para não reparar a barragem que estava em risco. Agora, os mesmos responsáveis preferem brigar para economizar centavos às custas da dignidade humana. Nós, do MPF e instituições parceiras, tentamos todas as estratégias possíveis, pedimos recomendações, recorremos de decisões, mas os resultados são frustrantes”, disse Silmara durante entrevista coletiva.

Na zona rural de Barra Longa as casas e imóveis das comunidades foram parcialmente encobertas pela lama que chegou pelo rio Gualaxo do Norte. Foto de Tânia Rego/ABR

Na ocasião, MPF, Ministério Público de Minas Gerais e Defensoria Pública de Minas Gerais e do Espírito Santo criticaram a  Fundação Renova, criada pelas mineradoras para reparar os danos ambientais e sociais, pelo descumprimento de acordos feitos ainda em 2016, como a criação das câmaras técnicas para assessorar os atingidos. Apenas cinco das 23 câmaras foram contratadas até agora. “Brumadinho (na Grande Belo Horizonte, onde outra barragem se rompeu há quase dois anos) tem assessoria técnica, embora a Vale lute contra. Lá temos avanços incríveis que, infelizmente, não temos em Mariana, onde o desastre é mais antigo”, apontou o promotor André Sperling.

As instituições criticam também a atuação da 12ª Vara da Justiça Federal por decisões recentes envolvendo a tragédia de Mariana. “A diferença principal (entre a reparação em Brumadinho e Mariana), além da experiência acumulada de um caso para o outro, é a atuação do Judiciário Estadual, que foi bem superior em comparação com o Judiciário Federal”, completou Sperling.

Ilustração de Vilé

O procurador Edilson Vitorelli, do MPF, lembrou que, no meio deste ano, o órgão ficou sabendo pela imprensa que corria na Justiça um processo de reparação de dano que não constava no processo coletivo. “Começamos a fazer pesquisa e descobrimos que a Justiça Federal de Belo Horizonte admitiu a instauração de 13 processos desmembrados do nosso processo federal, os quais não eram conhecidos de nenhumas das instituições da força-tarefa. Desses 13 processos, além do MPF não ter sido intimado, nove foram mantidos em segredo de Justiça. Nem que se tentasse pesquisar não seria viável localizá-los. Quem faz coisa certa não faz escondido. Se fosse coisa boa para os atingidos não seria feito de forma oculta”, afirmou Vitorelli.

A Fundação Renova, administrada por Samarco, Vale e BHP Billiton, informou que os novos processos indenizatórios, de adesão facultativa, foram implementados a partir de decisão da 12ª Vara Federal, após petições apresentadas pelas Comissões de Atingidos de Baixo Guandu (ES) e Naque, no Vale do Aço. “O papel da Fundação Renova é executar o que está definido pela sentença judicial”, justificou.

Até setembro, segundo a Renova, foram destinados R$ 10,1 bilhões para as ações de recuperação e compensação. Até 31 de agosto, cerca de R$ 2,6 bilhões foram pagos em indenizações e auxílios para cerca de 321 mil pessoas.

Ilustração de Janete

Nota do MAB

A propósito dos cinco anos do crime da Vale S.A. em Mariana, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) divulgou a seguinte nota:

Nós, atingidos e atingidas de toda a bacia do Rio Doce e litoral capixaba, somos pescadores e pescadoras tradicionais do rio, do mar e do mangue, marisqueiras. Somos trabalhadores da cadeia de apoio da pesca, comerciantes, pousadeiros e surfistas. Somos ribeirinhos e agricultores familiares e artesãs. Somos povos tradicionais, indígenas e quilombolas, assentados da reforma agrária, moradores das comunidades atingidas. Nós somos homens e mulheres, idosos e crianças que tivemos nossos sonhos e projetos de vida interrompidos há cinco anos, pelo crime das mineradoras Vale, Samarco e BHP.

Estamos hoje, dia 5 de novembro de 2020, em Regência (ES), reunidos na foz do rio Doce, para dizer às empresas criminosas: Nossas vidas não têm preço! Não daremos quitação geral as empresas! Não estamos quites deste crime!

Não tivemos de volta nossas vidas, nosso rio, nosso trabalho, nossa renda, nosso lazer, nossa autonomia, nossos sonhos, nem sequer as nossas casas foram concluídas em Mariana e Barra longa, nos três reassentamentos propostos. Somos seres humanos e não mercadoria, não estamos a venda, sem reparação não haverá quitação.

Temos direito a ter voz e vez nas decisões. Estamos cansados de ter nossos destinos colocados à mercê de empresas, políticos e juízes, poderosos e donos desse sistema, que rouba nossos direitos à luz do dia sem nenhum pudor, e nos afundam cada vez mais nessa lama tóxica de interesses privados.

Nossos saberes tradicionais e populares, o nosso conhecimento acumulado por meio de gerações sobre nossos territórios e nossos modos de vida deve ser levado em conta. Já estávamos nos territórios antes da lama chegar. Estaremos aqui, e a nossa descendência estará por gerações nos mesmos territórios, mesmo após a Fundação Renova e os governantes que hoje estão à frente da reparação.

Não permitiremos mais que as nossas vidas sejam resolvidas entre quatro paredes pelas criminosas e seus cúmplices. A solução do problema vira de nós, atingidos e atingidas, povo unido e organizado.

A verdadeira participação popular virá das ruas, das praias, das escolas, das beiradas de rios e mangues, das vilas e das comunidades atingidas. Virá do povo atingido, em seu espaço de vivência, de afeto e de luta.

E, por fim, não abriremos mão de nossa saúde e bem-estar. Além das 19 vidas e do aborto em Bento Rodrigues, muitas outras vidas foram perdidas nesses cinco anos. Vidas que se foram, e vidas que nunca mais serão as mesmas.

Queremos de volta nossa água, nosso rio, nossas praias, nosso lazer e nosso alimento. Aqui está o povo que sempre trabalhou duro para ter o que comer, e sempre produziu alimento saudável para as nossas famílias e comunidades.

Não pedimos para ser atingidos por esse crime, mas agora que fomos, seremos de cabeça erguida e com a certeza de que estamos do lado certo da história. É hora de o Brasil dar um basta a essas empresas que se orgulham de recordes seguidos de lucro – enquanto negam ao povo humilde a justa reparação aos danos causados aos nossos territórios, aos nossos corpos e as nossas vidas.

Vale, Samarco e BHP, se preparem, pois estamos aqui para dizer em alto e bom som: saímos do luto, e os próximos cinco anos serão de muita luta!

Do Rio ao Mar, não irão nos calar! Águas para Vida, Não para Morte!

Ruínas deixadas pela lama em Bento Rodrigues – José Cruz/Agência Brasil
Barra Longa (MG) – Rio Gualaxo do Norte poluído pela lama levada pelo rompimento da Barragem de Fundão – José Cruz/Agência Brasil

Obs. A foto de abertura deste texto é de Antônio Cruz/ABR

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Meio Ambiente

O fogo na Amazônia é protocolo

O drama das queimadas na Aldeia Cajueiro dos Tembé Tenetehara no Alto Rio Guamá, Pará

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Protocolo. Ao chegar nas proximidades da Aldeia Cajueiro, passamos por dois caminhões do exército indo embora por volta das 15h e levantando poeira na estrada sem asfalto. De dentro do carro, vimos a muralha de fumaça típica de qualquer queimada no país. O cheiro de mata queimada é forte. A última vez que senti esse cheiro pesado, foi no Pantanal, no começo do mês.

As queimadas avançam no Pará

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Descendo do carro, já com câmera na mão, olho para o lado e vejo um grupo de indígenas no barracão da entrada, sentados, olhando para o fogo. Alguns bebem água. Suados. Cansados. Pergunto para um dos Tembé, o porquê de o exército ter ido embora, se ainda há fogo pra combater. Ele me diz que falaram que às 14h precisam voltar para a base. É o protocolo.

Ao chegar me apresento para o chefe de operações do Corpo de Bombeiros do Estado do Pará, subcomandante Plínio. Um homem simpático e abatido. Suando e com o olhar fixo na fumaça, ele me diz que o fogo está descontrolado e avisa que “o corpo de bombeiros vai deixar a área às 18h. É Protocolo.”

Morador da Aldeia Cajueiro dos Tembé Tenetehara

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Os brigadistas sob o comando do sub Plínio, como eles o chamam, não aparentam só cansaso. Estão desorientados, sem saber o que fazer com a falta de equipamentos e com o calor, que os deixa desnorteados a cada vez que precisam entrar na mata. Tentam se proteger da tiririca – gramínea que corta o rosto e braços – e das tachis, formigas vermelhas e venenosas que entram na roupa e dão choques ao ferroar o corpo. Parece drama de quem vive na cidade, até você ser ferroado por dez formigas de fogo de uma só vez.

Uma bomba motorizada para puxar água é colocada em uma caixa d’água antiga, em cima de um caminhão; só assim é possível utilizar a mangueira para apagar um foco grande de fogo mata adentro. Tudo improvisado.
Os bombeiros, suados e gritando palavras de ordem uns para os outros, não parecem saber o que estão fazendo. Não se entendem. Discutem sobre o comprimento certo da mangueira. Esquecem de por os EPIs e pedem para não serem fotografados sem o equipamento. É protocolo.

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Do outro lado, os Tembé entram na mata mais rapidamente, para acalmar as chamas que vão se formando. São muitos focos de fogo. O chão, em muitos lugares, está em brasa. As copas das árvores estão pegando fogo e é preciso derrubar algumas. É necessário atenção máxima para os pedaços grandes de brasa que caem. Uma sucupira de mais de 100 anos vai ao chão pela motoserra. Tudo nessa situação é perigoso. Alguém pode ser esmagado por esses colossos que queimam por dentro. Os indígenas entram na mata no momento em que a árvore desaba, para apagar as brasas antes que, mais uma vez, o fogo pule para outros pontos; usam mochilas amarelas de água, emprestadas pelo Corpo de Bombeiros do Estado do Pará. A fumaça sobe no meio do mato, mas ainda é preciso esfriar mais a árvore tombada. São 18h e os bombeiros precisam sair. É Protocolo.

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Lançados à própria sorte, sem equipamento adequado, sem mangueira, sem treinamento e sem EPIs, os Tembé decidem abandonar a briga. Não há mais o que fazer. A noite esconde outros perigos além do fogo. O fogo pode ser visto a olho nu na escuridão. Serpentes como a cascavel e a jajaraca ficam escondidas e atacam, caso sejam pisoteadas. São invisíveis! Consumidos pelo fogo, galhos ficam expostos como espetos afiados, na mata e no chão. Uma espetada nas pernas, pés ou na barriga pode ser fatal, no meio da mata e à cinco horas de distância da cidade mais próxima, Paragominas.

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Alguns dos Tembé voltam pra Aldeia Cajueiro, mas outros precisam ficar e lidar com a falta de energia e luz. Fios dos postes foram derretidos pelo fogo. O cacique Reginaldo Tembé e outros Tembé Guardiões da Floresta, tentam fazer a emenda de um fio de alta tensão que foi rompido durante a queimada que já dura mais de três semanas.

O fogo misterioso, que começou de forma estranhamente milagrosa, próximo a uma fazenda, não vai descansar à noite. O fogo não sabe o que é descanso. Vai consumir mais ainda a mata, ao compasso do vento, assim como vai consumir os animais, como o bicho-preguiça, a jibóia e o jabuti. O fogo não sabe o que é protocolo.

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Amanhã de manhã, na Aldeia Cajueiro, os Tembé Tenetehara, cansados e com fome, irão acordar para batalhar mais uma vez, sem apoio dos bombeiros e do exército. Serão despertados pela fumaça que cobre a aldeia. Terão tosse mais uma vez. É o protocolo.

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Vejam outras matérias sobre as queimadas na Amazônia e no Pantanal.

https://jornalistaslivres.org/o-agro-e-pop-e-o-fogo-e-de-mentira/

https://jornalistaslivres.org/pantanal-em-chamas-arvores-solo-e-animais-dizimados/

https://jornalistaslivres.org/desinformacao-a-favor-do-fogo-pantanal-em-chamas/

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Meio Ambiente

FAMQLive – Festival em Defesa do Parque da Fonte

Parque da Fonte agoniza pelo descaso das autoridades

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Parque da Fonte

A situação do nosso almejado Parque da Fonte é muito crítica

Impedidos de entrar na área, temos recebido e encaminhado diversas denúncias de novas contruções dentro do terreno, árvores derrubadas, queimadas, a água que escoava pela Rua da Fonte secou, fotos do Google mostram Córrego da Fonte soterrado e depois, coberto com gramado.

Parque da Fonte

A indignação e impotência é imensa

Na justiça, processo aguarda apenas o deferimento da imissão da Prefeitura na posse. Num primeiro momento, juíza indeferiu, exigindo que a Prefeitura depositasse mais 3 milhões de reais – mas a dívida do proprietário com a prefeitura já ultrapassa o valor do imóvel, por que motivo depositar um dinheiro que o proprietário não poderá receber? Ninguém poderá receber.

Neste momento, intercedemos para que a excelentíssima juíza reveja sua sentença e, finalmente, esta área volte a ser pública, como históricamente sempre foi. Urge imitir a Prefeitura na posse! Urge que esta área seja pública, que tenhamos direito a entrar, fazer vistorias, participar das medidas de segurança e preservação. E participar da concepção e projeto do Parque da Fonte do Peabiru.

Parque da Fonte

Para que todos escutem nosso grito, resolvemos realizar o FAMQ-LIVE EM DEFESA DA FONTE!

Para entender a situação em que se encontra o Parque da Fonte

2001 – realizamos a “Festa da Ocupação” – movimentou tanto o Butantã, que nos rendeu conhecer o Peabiru.

2003 – foi declarada ZEPEC- Zona Especial de Proteção Cultural, pelo Plano Diretor da Cidade.

2010 – realizamos a ManiFestAção em Defesa da Fonte

2011 – foi decretada de utilidade pública – DUP.

2012 – foi tombada como patrimônio ambiental, histórico e cultural pelo CONPREP – Conselho de Preservação do Patrimônio da Cidade. Muitos eventos continuaram a acontecer na Rua da Fonte: o SoMozum pela Fonte, a Lavagem da Pracinha, Carnaval, Capoeira, Mostra de Artes, Hip-Hop.

2014 – foi declarada ZEPAM – Zona Especial de Proteção Ambiental na revisão do Plano Diretor.

2015 – nas imediações da Rua da Fonte, realizamos o FAMQ – Fonte de Artes do Morro do Querosene, um festival de expressõess artísticas e culturais das mais diferentes linguagens.

2016 – realizamos (na mesma rua da Fonte) o II Encontro de Jongueiros do Morro do Querosene – nesse dia a Prefeitura esteve presente e anunciou o depósito, em juízo, de 2 milhões de reais (naquela época a dívida do proprietário ainda não superava o valor do imóvel). Foi dado início ao Processo na Justiça, este mesmo que agora aguardamos o deferimento para a imissão na posse.

FAMQ-Live em defesa do Parque da Fonte

Agora, nos dias 2, 3 e 4 de outubro de 2020, realizaremos o FAMQ-LIVE EM DEFESA DA FONTE!

Abertura: Dia 2/10 – das 19h30 às 22h – Roda de Conversa ONLINE com transmissão pelo facebook e youtube.

Programação do Festival

Significado, situação e perspectiva do Parque da Fonte do Peabiru e outros parques.

Convidados

Representates do Parque da Fonte do Peabiru, Parque do Jaraguá é Guarani, Parque Augusta, Parque do Bixiga, Parque da Vila Ema, Parque dos Búlfalos, Parque Chácara do Joquéi, Parque do Caxingui, Parque da Àgua Podre, Fórum das Áreas Verdes, Praça das Nascentes, Rios e Ruas, Prefeito de São Paulo, Secretaria do Verde, Secretaria da Cultura, SubPrefeitura do Butantã, Câmara Municipal de São Paulo, vereadores que estão nos acompanhando nesta luta, o atropólogo Paulo Dias, o historiador Júlio Abe, o etnomusicólogo Eric Galm, o indianista Paulo Junqueira do ISA, o representante da SOS Mata Atlântica, o jardineiro do cerrado Daniel Caballero, Daniel Munduruku, e ainda um representando do Parque Estadual Serra do Japi e outro do Parque da Lagoa do Abaeté, de Salvador.

Dias 03 e 04/10 – das 16h às 19h

Festival de Artes (músicos, poetas, dançarinos, capoeiras, grafiteiros, pintores, escultores, literatas, brincantes, circenses, contadores de história, mímicos, bonequeiros)

Acompanhe a programação completa!

www.youtube.com/associacaoculturalmorrodoquerosene

www.facebook.com/FontedeArtesdoMorrodoQuerosene

Parque da Fonte

ASSOCIAÇÃO CULTURAL DA COMUNIDADE DO MORRO DO QUEROSENE

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