A espetacularização de Temer

Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia*

É sempre difícil escrever estando no olho do furacão. Li muitas opiniões sobre a tal intervenção no Rio de Janeiro. Opiniões de gente que respeito, de gente que não respeito tanto. Tem teoria de tudo quanto é tipo.

Divido as opiniões mais correntes em três grupos:

1) As que estão marcadas pelo trauma.

Sempre que os militares entram no jogo vem à tona os traumas de 1964. É natural, pois 21 anos de ditadura marcam qualquer sociedade. Mas insisto que são duas conjunturas completamente diferentes. Na década de 1960, as Forças Armadas tinham agenda própria, representada pela Doutrina da Segurança Nacional, que na bipolaridade da Guerra Fria era cultivada no Exército brasileiro desde o final da Segunda Guerra Mundial, com a fundação da Escola Superior de Guerra.

Hoje, não existe agenda específica para os militares, a não ser, talvez, a manutenção dos seus privilégios previdenciários, o que não creio ser o suficiente para justificar a adoção de um papel protagonista na dinâmica da crise. Isso não quer dizer, é claro, que não seja possível a militarização da crise. Mas se isso acontecer (talvez já esteja acontecendo) será com o Exército assumindo a posição de guarda pretoriana dos interesses neoliberais.

Não é possível ler 2018 com as lentes de 1964.

2) As que apresentam entusiasmo com a “resistência carioca”.

Há os que acreditam que o governo golpista resolveu intervir no Rio de Janeiro por conta de desfile de escola de samba e da faixa que na porta da Rocinha dizia que se Lula fosse preso a “favela ia descer”. Esta tese apresenta o Rio de Janeiro como um reduto da resistência ao golpe, algo que acho, no mínimo, exagerado, pra não dizer que é uma total viagem. Eu queria muito acreditar nesta explicação, muito mesmo, mas acho completamente irreal. Analista responsável não pode brigar com a realidade, não pode projetar seus desejos na realidade.

O Rio de Janeiro é o Estado do bolsonarismo, é a capital que elegeu Marcelo Crivella como prefeito, a terra de Eduardo Cunha e Rodrigo Maia. O desfile da Paraíso do Tuiuti foi lindo, catártico, mas é apenas um refresco, um acalanto, com potencial reduzidíssimo (pra não dizer nulo) de desestabilização do golpe.

Para que uma faixa esteja em algum lugar basta que alguém a tenha colocado lá. Duvido muito que a favela esteja disposta a descer pra ação direta em defesa de Lula. Muitas dessas pessoas até votariam em Lula, mas descer pro asfalto e levar porrada da PM são outros quinhentos. O próprio lulismo, diferentemente do que fez o chavismo na Venezuela, não fomentou esse tipo de sentimento.

3) As que associam a intervenção à reforma da previdência.

Alguns afirmam que o governo golpista está querendo fazer fumaça para mascarar a derrota na votação da reforma da previdência. Essa é uma hipótese mais plausível, mas não sei se faz muito sentido também. No que ajudaria essa fumaça no caso da não aprovação da reforma? O fato objetivo de que a reforma não foi aprovada não mudaria. O que o governo ganharia com isso?

Na mesma linha de raciocínio, outros acreditam que se trata de uma tentativa de modificar o calendário eleitoral, visando, justamente, a aprovação da reforma da previdência. É que os parlamentares não querem colocar suas assinaturas num projeto tão impopular nas vésperas da eleição. Aqui consigo ver mais lógica, pois essa seria a única chance real de aprovação da reforma. Com as eleições agendadas para o ano que vem, talvez, os parlamentares ficassem mais encorajados, contando que a propaganda do governo e o tempo os salvassem da ira dos eleitores.

Mas aí o argumento também parece não fechar: o calendário eleitoral seria modificado por conta de um crise localizada no Rio de Janeiro? Seria o bastante para catalizar uma articulação dessa natureza? Quando o Jucá disse que tava tudo combinado, com o Supremo e com tudo num grande “acordo nacional”, ele estava se referindo à destituição de Dima. Esse grande acordo ainda estaria valendo?

Minha interpretação:

Michel Temer e seus aliados mais leais perceberam que o golpe não conseguiu encontrar um candidato viável; ao que parece a candidatura de Huck não decolou, morreu antes de nascer, as velhas raposas do PSDB estão queimadas, Dória mostrou-se instável e imprevisível, o passado petista de Marina Silva pode atrapalhar. Existe aqui um espaço a ser ocupado.

Temer decidiu, então, catapultar o próprio nome, apresentando a si mesmo como o candidato do golpe ou como cabo eleitoral influente. Pra isso, nada melhor do que criar uma agenda positiva, espetacularizando aquele que hoje, na visão da maior parte da população brasileira, é o grande problema da nação: a segurança pública. Pra esse espetáculo, por razões óbvias, nenhum palco é melhor que o Rio de Janeiro.

(*) Com charge de Nicolielo

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