ESCOLA SEM PARTIDO OU ESCOLA DA MORDAÇA?

Ilustração Joana Brasileiro

A Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 7180, de 2014 (Escola Sem Partido) realizou mais uma Audiência Pública no dia 14 deste mês de março. Participaram como convidados Carina Vitral – presidente da UNE e estudante, Douglas Garcia – técnico em informática e estudante e Fernanda Salles – jornalista e estudante. Foi mais um festival de horrores por parte dos defensores deste atraso denominado “Escola Sem Partido”, o que não poderia ser diferente, uma vez que só se pode defender o horror com argumentos igualmente horrorosos – questão de coerência.

Seguindo a normalidade do expediente de rispidez e provocações por parte dos defensores do indefensável o Deputado Marco Feliciano, após perguntar para a presidente da UNE, Carina Vitral, se ela tinha lido o Projeto Escola Sem Partido e ouvir uma confirmação da mesma, qualifica-a como analfabeta funcional. “Então você é exatamente aquilo que nós estamos aqui procurando, alunos que leem cinco linhas e não conseguem decodificar nada…”, afirmou Marco Feliciano. Aqui o analfabetismo foi visto a partir da evidência de um pensamento discordante, ou seria Carina Vitral, de fato, uma analfabeta funcional?

A agenda do golpe segue feroz e a história já nos mostrou como se estabelece esse programa de caça às bruxas: distorção de conceitos já consagrados, neste caso o de analfabetismo funcional e uma programação sistemática de disparates, já bem desgastados, que pintam um bicho papão vermelho que coloca em situação de risco as famílias de bem. Mas algumas perguntas surgem, uma geral e outra mais específica ao caso analisado, quais sejam: (1°) quem é a verdadeira ameaça às famílias, principalmente às famílias dos trabalhadores? E, (2°) seria a presidente da UNE uma analfabeta funcional ou uma vítima, por antecipação, da ideologia que sustenta o Escola Sem Partido?

A resposta é mais que óbvia e nos deixa perplexos diante da total despreocupação em disfarça-la. O Projeto Escola Sem Partido é, na verdade, o
Escola do cale a boca, da mordaça e do conservadorismo extremado e elitista. Nesta escola que se desenha qualquer voz divergente daquela que ecoa nos palácios é brutalmente calada e taxada de analfabeta. Na verdade sabemos que nunca existirá uma Escola Sem Partido, sem opções e ideologias, isso é fato. A apresentação de um projeto desta natureza já é uma clara imposição partidária/ideológica.

Ainda em sua fala – que está acessível em várias redes sociais e à disposição para qualquer cidadão que queira requerer o arquivo sonoro desta audiência pelo endereço [email protected]o Deputado Marco Feliciano desfere uma provocação à figura do professor. O aludido deputado traduz e reduz o espaço de ação do professor valendo-se da alegoria “pequeno quadradinho”. Para o parlamentar defensor do “Escola Sem Partido” ou “Escola da Mordaça” – para quem achar esta segunda opção mais oportuna – os pais dos alunos estão indo às escolas e colocando os professores dentro do pequeno quadradinho que, negligentemente, extrapolaram. Não, nobre Deputado! Os pais não estão fazendo isso. E, mais uma vez. Não, nobre Deputado! A ação dos nossos professores (seja nas universidades ou escolas da educação básica) jamais pode ser – por sua importância e abrangência– circunscrita por um pequeno quadradinho.

Infelizmente nós sabemos que este projeto terá dificuldades de ser aprovado em plenário por causa das lutas de esquerda que nós temos aqui dentro; os deputados não vêm pra comissão, quando vêm é pra fazer o seu pequeno deboche e vão embora. Só que agora, o que eles não esperavam é que houvesse uma reação da sociedade. (Se não) ainda que não seja aprovado isso aqui, aqui dentro da Câmara dos Deputados, os pais estão na rua, as mães estão na rua, estão indo pras escolas, estão questionando os professores, ESTÃO COLOCANDO OS PROFESSORES DENTRO DO SEU PEQUENO QUADRADINHO QUE EXTRAPOLARAM.”

Fala do Deputado Marco Feliciano (às 18h08min – início da fala do Deputado)

 

A questão, portanto, é muito clara, ou lutamos por uma escola plural e diversa ou cedemos ao “cale a boca” de um projeto que visa manter o status quo de uma sociedade marcada pela exclusão e que para se manter necessita de uma escola que pregue a limitação e a ditadura. Uma escola em que a liberdade crítica do docente é confinada em um quadradinho de tolhimento e ingerências e onde a leitura divergente é interpretada como analfabetismo. É isso que está no bojo deste projeto.

O Deputado Marco Feliciano deve ser respeitado no seu direito de pensar e de defender aquilo que acredita ser um modelo de sociedade e de escola, mas as outras vozes divergentes também gozam do direito de se expressarem, conforme preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no seu artigo 19. A Presidente da UNE, Carina Vitral, conforme indagada pelo Deputado – o que foi documentado pelos registros desta Audiência Pública – representa sete milhões de estudantes por estar à frente desta instituição histórica e de lutas e, portanto, deve ter sua opinião respeitada. Discutir a UNE, seus problemas e a natureza de seus trâmites eleitorais, é para outro momento e envolve outras pessoas.

Veja abaixo a transcrição de parte do áudio em que a Presidente da UNE, Carina Vitral é qualificada como analfabeta funcional:

Deputado Marco Feliciano:                 __ “você leu o Programa Escola Sem Partido?”

Presidente da UNE, Carina Vitral:     __ “Sim.”

Deputado Marco Feliciano:           __“Então você é exatamente AQUILO QUE NÓS ESTAMOS PROCURANDO, alunos que leem cinco linhas e não conseguem decodificar nada. Você é exatamente o exemplo daquilo que nós estamos falando, de alunos que vão pra escola e são doutrinados em todo tipo de assunto…”

Chamo atenção para o trecho que destaquei “aquilo que nós estamos procurando”. O que estão procurando? Alunos(as) que realmente sejam analfabetos funcionais ou alunos (ou melhor, pessoas) que serão recebidas com hostilidade por simplesmente interpretarem textos de natureza política de forma diferente – mas não errada – daqueles que os escreveram? Afinal, como deve ser feita a leitura e interpretação de um texto? (o Escola Sem Partido vai ensinar esse jeito especial de se ler?) Deve-se ler um texto de natureza política pelos olhos de quem o escreveu (seria isso possível?) ou, naturalmente, lê-se um texto político com nossos próprios olhos, a partir de nossa própria formação, história e opção ideológica? Penso que interpretar seja em parte objetivo e, em parte subjetivo e, assim, no direito de divergir, que cada um possa afirmar sua subjetividade sem ser diminuído ou criminalizado.

Esse episódio extraído desta audiência pública mostra, de forma translúcida, a essência e intencionalidade do Projeto Escola Sem Partido. Deixa claro mais uma vez a propositura de uma lei que não apresenta legitimidade social, mas que veio para fazer calar aqueles que ainda possuem a ousadia de pensar diferente, de forma libertária e alicerçada em uma base caracterizada pela diversidade, liberdade de expressão e busca contínua pela autonomia e protagonismo de todos.

Márcio Greik – Professor de Geografia e Jornalista [email protected]

 

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