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Meio Ambiente

Entre o luto e a saudade: um panorama do maior desastre ambiental do Brasil

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Entenda as consequências da enxurrada de lama de rejeito da mineração

Quem chega em Gesteira, distrito rural no município de Barra Longa, MG, nunca vai imaginar que antes passava um córrego com água cristalina e havia um campo verde amplo na frente, onde bois e cavalos pastavam. Porque quem chegar hoje em Gesteira não verá um pasto, nem um animal ou um riacho. Verá apenas uma gigantesca lagoa de barro escuro onde antes era um vale. Os moradores descrevem para mim, entre o luto e a saudade, a paisagem onde cresceram e que, provavelmente, nunca mais verão na vida.

“Antes esta paisagem daqui era tudo verdinho com uma pastagem e tinha um rio com água clarinha. Acabou tudo.” — diz Claudiano da Costa, morador de Gesteira.


Mais de dez dias após a queda das barragens da mineradora Samarco, ainda se desconhece todas as extensões do impacto ecológico liberado na forma de 62 milhões de litros de lama residual da mineração. O barro de rejeitos saiu de Bento Rodrigues, na cidade histórica de Mariana, em Minas, e ainda percorrerá mais de 850 km até chegar ao mar, deixando um rastro de destruição à fauna, à flora e às comunidades que estiverem em seu caminho. Só é preciso observar a área destruída — seja do leito do rio, seja do espaço — para compreender que é um dos maiores desastres ambientais na história do Brasil.

No entanto, ainda há muitas perguntas buscando entender como esta tsunami de lama afetou todo um ecossistema. Aqui está um panorama do que já sabemos.

Lama Tóxica?

Para ter compreensão do impacto é preciso primeiro entender qual é o conteúdo da enxurrada de lama que vêm das minas. Segundo a mineradora Samarco, as barragens apenas continham rejeitos de minério de ferro e manganês, misturados basicamente com água e areia. A empresa insiste que o material é inerte, não causando danos ao ambiente ou à saúde. No entanto, análises do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Baixo Guandu, ES, mostram a presença de diversos metais pesados na água do Rio Doce, como arsênio, mercúrio e chumbo.

Foto: Douglas Resende e Rafael Lage

Estes elementos são extremamente tóxicos ao ambiente e à saúde humana, sendo absorvidos nos corpos dos diferentes organismos e dificilmente eliminados. Normalmente, eles acumulam nos tecidos de seres vivos e, com o tempo, na própria cadeia alimentar. Ao ingerir a carne ou folhas contaminadas, o metal pesado não é processado, envenenando o bicho ou pessoa que consumiu a comida intoxicada. Com o tempo, os metais pesados podem gerar problemas sérios à saúde, como câncer, úlceras e danos neurológicos.

Na tarde de sábado, 14/11, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, apresentou um laudo da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) negando a existência de metais pesados na água e contrariando os laudos de Baixo Guandu. Nesta quinta-feira, 12/11, uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também foi coletar amostras da lama e da água no Rio Doce para apurar o grau da devastação e verificar, entre outros aspectos, a presença de metais pesados. Ainda resta esperar os resultados da investigação dos cientistas mineiros, que devem chegar no decorrer da semana.

O Fim da Vegetação

No entanto, mesmo sem arsênio e mercúrio e ao contrário do que a mineradora sugere, a lama está longe de ser inofensiva. Apesar da presença do ferro e manganês não significar um perigo à saúde, estes elementos causam consequências profundas à terra.

Foto: Augusto Augusto Gomes/ Andirá Imagens

“O ferro (e o manganês) tem uma facilidade muito grande de reação, sendo um ligante por sua própria natureza. No caso, essa lama vai formar uma capa muito dura devido à presença do ferro. A tendência é fazer uma ligação muito forte e ficar sobre a superfície formando uma crosta” — diz a professora do Instituto de Geociências da UFMG e especialista em geologia ambiental, Leila Menegasse. Segundo ela, esta cobertura poderá impedir a infiltração da água e também cobrirá a própria vegetação, tornando o ambiente estéril.

As raízes ficam soterradas, desaparece a possibilidade da fotossíntese porque a água fica muito turva e as folhas ficam todas fechadas pela deposição de materiais. As plantas que entrarem em contato com essa lama certamente irão morrer” acrescenta o professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, Francisco Barbosa.

Rio Doce Morto

Quem se aproximar do Rio Doce, seja em Minas seja no Espírito Santo, verá ele amarronzado, escuro e com diversos detritos boiando. Essa imagem não é apenas feia e desagradável, ela também é extremamente danosa à vida aquática. Esse barro, mesmo diluído, torna á água turva e barra a passagem de raios solares, escurecendo o rio e impedindo que algas façam fotossíntese. O baixo nível de oxigênio na água é insustentável para os animais, fazendo com que, em um ato de desespero, muitos peixes simplesmente pulem fora d’água.

Se em cima cadáveres boiam, embaixo o rio encolhe. “Toda essa área que recebeu uma carga de segmentos irá sofrer um processo de deposição de material no fundo do rio. Isto vai aumentar a altura da calha e, a grosso modo, vai entupir o rio” explica o coordenador do Centro de Pesquisas Hidráulicas, Carlos Barreira Martinez. O processo é intensificado pela destruição da mata auxiliar, ainda existindo a possibilidade de a lama cobrir as nascentes, diminuindo consideravelmente o volume da água. Este perda não significa apenas menos água, mas compromete sua qualidade e a torna imprópria para o uso.

Foto: Agência Brasil

Os mananciais oriundos do Rio Doce são usados para abastecer diversas comunidades rurais, seja para o uso pessoal, seja para irrigação de plantações ou consumo pelo gado. Essas comunidades rurais serão profundamente afetadas e não poderão recorrer ao rio mais. Mesmo considerando apenas a população urbana, a enxurrada de lama passa por, no mínimo, 23 cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo, o que representa meio milhão de pessoas com a torneira seca.

Milhares de pessoas sem água

A cidade mais afetada pelos rejeitos da Samarco é também a maior da bacia do Rio Doce: Governador Valadares, MG, com 280 mil habitantes. Mesmo a 300 km de Mariana, sua SAAE, em laudo preliminar da água, encontrou um nível de turbidez oitenta vezes maior do que o tolerável, além de níveis de ferro que chegaram a superar treze mil vezes o tratável. Esta condição insalubre do rio fez com que o abastecimento de água fosse cortado no domingo, 08/11. Dois dias após a interrupção, a prefeita Elisa Costa declarou estado de calamidade pública.

Foto: Leonardo Merçon — Photography / INSTITUTO ÚLTIMOS REFÚGIOS

“Todo o dia esse caos. Todo dia gente transportando água. Todo mundo carregando água como pode”

descreve de Marcos Renato, habitante da cidade. Em longas filas, a população gasta horas em pontos de distribuição de água, sofrendo, além da seca e da sede, das altas temperaturas. “Estamos atendendo normalmente nas unidades de saúde e nos preparando para possíveis doenças que venham a surgir pela falta de água e pelo uso da água contaminada. Enfim, a situação aqui não está nada fácil” comenta Flávia França, médica local e membro da Rede de Médicas e Médicos Populares.

Segundo a prefeitura do município, as companhias Samarco e Vale fizeram pouco ou mal esforços para ajudar a população. Na sexta-feira, 13/11, em nota ela comunicou que a mineradora só tinha aceitado pagar os caminhões pipa. Mais tarde do dia, a primeira remessa de água, com 280 mil litros, estava contaminada com querosene, não servindo para consumo. A situação só começou a melhorar no sábado, quando o governador de Minas, Fernando Pimentel, anunciou o uso de um coagulante que permitirá o tratamento da água. A substância facilita a separação da lama e da água, permitindo assim que ela seja filtrada e volte a ser potável. A expectativa é que o abastecimento na cidade retorne nesta segunda-feira, dia 16/11.

Foto: Leonardo Merçon — Photography / INSTITUTO ÚLTIMOS REFÚGIOS

Um Oceano Inteiro Afetado

É importante lembrar que o rio não é só água em movimento, mas também funciona como transporte de nutrientes para o mar, que acabam sustentando diversos organismos. Coincidentemente, na foz do Rio Doce, ocorre também o encontro de correntes marinhas do Sul e do Norte, formando um “rodamoinho” de água de cerca de setenta quilômetros de diâmetro. Esta área é rica em nutrientes e também reúne espécies marinhas de todo o mundo. Por isso, segundo o diretor da Estação de Biologia Marinha Augusto Ruschi, o biólogo e ecólogo André Ruschi, a foz do Rio Doce se torna uma dos maiores pontos de desova de peixes marinhos do mundo.

É o maior criadouro do Oceano Atlântico. Todos os grandes peixes do Oceano, do hemisfério sul e norte, vêm para lá se reproduzir, sendo um fenômeno impar. É uma das regiões marinhas mais importantes do planeta e, da costa brasileira, é a mais sensível de todas”. A chegada de diversos rejeitos da mineração significa um risco para todo o ecossistema do oceano. Como ainda resta a chance da presença de metais pesados na lama, há a possibilidade de contaminação da imensa biodiversidade do local. Todos os seres vivos, desde o minúsculo plâncton ao gigante marlim, podem acabar envenenados por estes elementos.

Recuperação?

Restam ainda muitas dúvidas em relação a como e quanto o ambiente será afetado pela lama da Samarco. Mas uma merece destaque: é possível recuperar o estrago? Ainda é muito cedo para afirmar com certeza, porém se estipula que o volume de água do rio talvez será o primeiro a normalizar.

“A natureza é muito mais forte do que podemos imaginar. Com o passar do tempo e muito lentamente os rios vão se recuperando. A vida dos tributários vai voltar a ocupar o rio e ele, em uma ou duas décadas, vai se recuperar. O que é muito tempo.” afirma o coordenador do Centro de Pesquisas Hidráulicas, Carlos Barreira Martinez. No entanto, para que isto ocorra é necessário que a lama se dilua e escorra para outras áreas, o que só é possível com a ação da chuva. A estiagem que a região sudeste enfrenta é um agravador deste cenário, atrasando muito uma possível revitalização do Rio Doce.

Obviamente, a biodiversidade animal e vegetal da região não pode esperar décadas para ver o rio novamente. “O conjunto de seres vivos vai estar todo ameaçado e vários desses organismos vão desaparecer, ainda que, vamos esperar, seja localmente. Eventualmente alguns desses organismos podem ter a chance de voltarem a colonizar essas áreas. Para que isso aconteça, vai precisar de tempo. No entanto, outros organismos não vão ter a chance de colonizar porque requer um tempo muito mais longo para que as cadeias alimentares se restabeleçam”explica o professor do ICB da UFMG, Francisco Barbosa. Ele estima que o começo dessa recuperação só irá acontecer em um futuro distante, precisando de 20 a 30 anos para a maioria dos diversos processos se sucederem.

Mas, se este prazo já é muito grande no continente, no oceano, ele é ainda maior. O especialista em biologia e ecologia marinha, André Ruschi lembra que a chegada de nutrientes ao oceano depende dos ciclos da maré, definidos pelos movimentos dos astros, como a lua e o sol: “A cada onze anos, com as enchentes, as cheias carregam grandes quantidades do material do rio para o mar”.

Como a região também é onde ocorre a confluência de espécies e correntes de todo o Oceano Atlântico, sendo uma das áreas de maior biodiversidade no mundo, o impacto, segundo o cientista, representará um atraso de séculos ao ecossistema.

Foto: Douglas Resende e Rafael Lage

Meio Ambiente

Vale S.A. nada fez após cinco anos do crime em Mariana

Passados mais de 1.800 dias, a impunidade prevalece e quase nada foi feito em favor da população atingida e do meio ambiente

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Há exatamente cinco anos acontecia o rompimento da barragem do Fundão em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, MG, levando 20 vidas, destruindo a vila e jogando toneladas de lama de minério no oceano ao acabar com a vida ao longo do Rio Doce em Minas e no Espírito Santo. A barragem da Vale S.A. e BHP Billiton, mas operada pela mineradora Samarco, rompeu-se na tarde do dia 5 de novembro de 2015.

Durante todo esse período, mais de 1.800 dias, os responsáveis pelo crime não foram julgados. Em 2019, o crime de homicídio foi retirado do processo. As mortes provocadas pelo rompimento da barragem foram consideradas pela Justiça como simples consequência da inundação causada pelo rompimento, prevalecendo a impunidade. De lá para cá, as comunidades destruídas não foram reconstruídas e não há respostas para a recuperação do meio ambiente e para moradores, que passaram a sofrer de depressão e outras doenças.

Foto de Aloísio Morais

“Tudo está por fazer”. Esta é a conclusão da chefe da Força-Tarefa Rio Doce, Silmara Goulart, procuradora do Ministério Público Federal (MPF), sobre o crime cometido pelas empresas Vale S.A., BHP Billiton e Samarco. “A sensação, olhando cinco anos de desastre, é de consternação e profunda tristeza com a desolação, tudo ainda está por fazer”, conclui Silmara. “Nenhum grupo de atingidos foi integralmente indenizado, o meio ambiente também não foi integralmente recuperado e sequer o distrito de Bento Rodrigues foi reconstruído”, afirmou.

Além disso, um outro bom exemplo que ela aponta é o auxílio emergencial pago aos atingidos, que foi suspenso em plena pandemia. A procuradora ressalta também o fato do caso envolver duas empresas que estão entre as mais ricas do mundo, a Vale e a BHP Billiton, controladoras da Samarco, que atua em Mariana. “Antes do desastre, elas preferiram economizar para não reparar a barragem que estava em risco. Agora, os mesmos responsáveis preferem brigar para economizar centavos às custas da dignidade humana. Nós, do MPF e instituições parceiras, tentamos todas as estratégias possíveis, pedimos recomendações, recorremos de decisões, mas os resultados são frustrantes”, disse Silmara durante entrevista coletiva.

Na zona rural de Barra Longa as casas e imóveis das comunidades foram parcialmente encobertas pela lama que chegou pelo rio Gualaxo do Norte. Foto de Tânia Rego/ABR

Na ocasião, MPF, Ministério Público de Minas Gerais e Defensoria Pública de Minas Gerais e do Espírito Santo criticaram a  Fundação Renova, criada pelas mineradoras para reparar os danos ambientais e sociais, pelo descumprimento de acordos feitos ainda em 2016, como a criação das câmaras técnicas para assessorar os atingidos. Apenas cinco das 23 câmaras foram contratadas até agora. “Brumadinho (na Grande Belo Horizonte, onde outra barragem se rompeu há quase dois anos) tem assessoria técnica, embora a Vale lute contra. Lá temos avanços incríveis que, infelizmente, não temos em Mariana, onde o desastre é mais antigo”, apontou o promotor André Sperling.

As instituições criticam também a atuação da 12ª Vara da Justiça Federal por decisões recentes envolvendo a tragédia de Mariana. “A diferença principal (entre a reparação em Brumadinho e Mariana), além da experiência acumulada de um caso para o outro, é a atuação do Judiciário Estadual, que foi bem superior em comparação com o Judiciário Federal”, completou Sperling.

Ilustração de Vilé

O procurador Edilson Vitorelli, do MPF, lembrou que, no meio deste ano, o órgão ficou sabendo pela imprensa que corria na Justiça um processo de reparação de dano que não constava no processo coletivo. “Começamos a fazer pesquisa e descobrimos que a Justiça Federal de Belo Horizonte admitiu a instauração de 13 processos desmembrados do nosso processo federal, os quais não eram conhecidos de nenhumas das instituições da força-tarefa. Desses 13 processos, além do MPF não ter sido intimado, nove foram mantidos em segredo de Justiça. Nem que se tentasse pesquisar não seria viável localizá-los. Quem faz coisa certa não faz escondido. Se fosse coisa boa para os atingidos não seria feito de forma oculta”, afirmou Vitorelli.

A Fundação Renova, administrada por Samarco, Vale e BHP Billiton, informou que os novos processos indenizatórios, de adesão facultativa, foram implementados a partir de decisão da 12ª Vara Federal, após petições apresentadas pelas Comissões de Atingidos de Baixo Guandu (ES) e Naque, no Vale do Aço. “O papel da Fundação Renova é executar o que está definido pela sentença judicial”, justificou.

Até setembro, segundo a Renova, foram destinados R$ 10,1 bilhões para as ações de recuperação e compensação. Até 31 de agosto, cerca de R$ 2,6 bilhões foram pagos em indenizações e auxílios para cerca de 321 mil pessoas.

Ilustração de Janete

Nota do MAB

A propósito dos cinco anos do crime da Vale S.A. em Mariana, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) divulgou a seguinte nota:

Nós, atingidos e atingidas de toda a bacia do Rio Doce e litoral capixaba, somos pescadores e pescadoras tradicionais do rio, do mar e do mangue, marisqueiras. Somos trabalhadores da cadeia de apoio da pesca, comerciantes, pousadeiros e surfistas. Somos ribeirinhos e agricultores familiares e artesãs. Somos povos tradicionais, indígenas e quilombolas, assentados da reforma agrária, moradores das comunidades atingidas. Nós somos homens e mulheres, idosos e crianças que tivemos nossos sonhos e projetos de vida interrompidos há cinco anos, pelo crime das mineradoras Vale, Samarco e BHP.

Estamos hoje, dia 5 de novembro de 2020, em Regência (ES), reunidos na foz do rio Doce, para dizer às empresas criminosas: Nossas vidas não têm preço! Não daremos quitação geral as empresas! Não estamos quites deste crime!

Não tivemos de volta nossas vidas, nosso rio, nosso trabalho, nossa renda, nosso lazer, nossa autonomia, nossos sonhos, nem sequer as nossas casas foram concluídas em Mariana e Barra longa, nos três reassentamentos propostos. Somos seres humanos e não mercadoria, não estamos a venda, sem reparação não haverá quitação.

Temos direito a ter voz e vez nas decisões. Estamos cansados de ter nossos destinos colocados à mercê de empresas, políticos e juízes, poderosos e donos desse sistema, que rouba nossos direitos à luz do dia sem nenhum pudor, e nos afundam cada vez mais nessa lama tóxica de interesses privados.

Nossos saberes tradicionais e populares, o nosso conhecimento acumulado por meio de gerações sobre nossos territórios e nossos modos de vida deve ser levado em conta. Já estávamos nos territórios antes da lama chegar. Estaremos aqui, e a nossa descendência estará por gerações nos mesmos territórios, mesmo após a Fundação Renova e os governantes que hoje estão à frente da reparação.

Não permitiremos mais que as nossas vidas sejam resolvidas entre quatro paredes pelas criminosas e seus cúmplices. A solução do problema vira de nós, atingidos e atingidas, povo unido e organizado.

A verdadeira participação popular virá das ruas, das praias, das escolas, das beiradas de rios e mangues, das vilas e das comunidades atingidas. Virá do povo atingido, em seu espaço de vivência, de afeto e de luta.

E, por fim, não abriremos mão de nossa saúde e bem-estar. Além das 19 vidas e do aborto em Bento Rodrigues, muitas outras vidas foram perdidas nesses cinco anos. Vidas que se foram, e vidas que nunca mais serão as mesmas.

Queremos de volta nossa água, nosso rio, nossas praias, nosso lazer e nosso alimento. Aqui está o povo que sempre trabalhou duro para ter o que comer, e sempre produziu alimento saudável para as nossas famílias e comunidades.

Não pedimos para ser atingidos por esse crime, mas agora que fomos, seremos de cabeça erguida e com a certeza de que estamos do lado certo da história. É hora de o Brasil dar um basta a essas empresas que se orgulham de recordes seguidos de lucro – enquanto negam ao povo humilde a justa reparação aos danos causados aos nossos territórios, aos nossos corpos e as nossas vidas.

Vale, Samarco e BHP, se preparem, pois estamos aqui para dizer em alto e bom som: saímos do luto, e os próximos cinco anos serão de muita luta!

Do Rio ao Mar, não irão nos calar! Águas para Vida, Não para Morte!

Ruínas deixadas pela lama em Bento Rodrigues – José Cruz/Agência Brasil
Barra Longa (MG) – Rio Gualaxo do Norte poluído pela lama levada pelo rompimento da Barragem de Fundão – José Cruz/Agência Brasil

Obs. A foto de abertura deste texto é de Antônio Cruz/ABR

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Meio Ambiente

O fogo na Amazônia é protocolo

O drama das queimadas na Aldeia Cajueiro dos Tembé Tenetehara no Alto Rio Guamá, Pará

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Protocolo. Ao chegar nas proximidades da Aldeia Cajueiro, passamos por dois caminhões do exército indo embora por volta das 15h e levantando poeira na estrada sem asfalto. De dentro do carro, vimos a muralha de fumaça típica de qualquer queimada no país. O cheiro de mata queimada é forte. A última vez que senti esse cheiro pesado, foi no Pantanal, no começo do mês.

As queimadas avançam no Pará

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Descendo do carro, já com câmera na mão, olho para o lado e vejo um grupo de indígenas no barracão da entrada, sentados, olhando para o fogo. Alguns bebem água. Suados. Cansados. Pergunto para um dos Tembé, o porquê de o exército ter ido embora, se ainda há fogo pra combater. Ele me diz que falaram que às 14h precisam voltar para a base. É o protocolo.

Ao chegar me apresento para o chefe de operações do Corpo de Bombeiros do Estado do Pará, subcomandante Plínio. Um homem simpático e abatido. Suando e com o olhar fixo na fumaça, ele me diz que o fogo está descontrolado e avisa que “o corpo de bombeiros vai deixar a área às 18h. É Protocolo.”

Morador da Aldeia Cajueiro dos Tembé Tenetehara

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Os brigadistas sob o comando do sub Plínio, como eles o chamam, não aparentam só cansaso. Estão desorientados, sem saber o que fazer com a falta de equipamentos e com o calor, que os deixa desnorteados a cada vez que precisam entrar na mata. Tentam se proteger da tiririca – gramínea que corta o rosto e braços – e das tachis, formigas vermelhas e venenosas que entram na roupa e dão choques ao ferroar o corpo. Parece drama de quem vive na cidade, até você ser ferroado por dez formigas de fogo de uma só vez.

Uma bomba motorizada para puxar água é colocada em uma caixa d’água antiga, em cima de um caminhão; só assim é possível utilizar a mangueira para apagar um foco grande de fogo mata adentro. Tudo improvisado.
Os bombeiros, suados e gritando palavras de ordem uns para os outros, não parecem saber o que estão fazendo. Não se entendem. Discutem sobre o comprimento certo da mangueira. Esquecem de por os EPIs e pedem para não serem fotografados sem o equipamento. É protocolo.

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Do outro lado, os Tembé entram na mata mais rapidamente, para acalmar as chamas que vão se formando. São muitos focos de fogo. O chão, em muitos lugares, está em brasa. As copas das árvores estão pegando fogo e é preciso derrubar algumas. É necessário atenção máxima para os pedaços grandes de brasa que caem. Uma sucupira de mais de 100 anos vai ao chão pela motoserra. Tudo nessa situação é perigoso. Alguém pode ser esmagado por esses colossos que queimam por dentro. Os indígenas entram na mata no momento em que a árvore desaba, para apagar as brasas antes que, mais uma vez, o fogo pule para outros pontos; usam mochilas amarelas de água, emprestadas pelo Corpo de Bombeiros do Estado do Pará. A fumaça sobe no meio do mato, mas ainda é preciso esfriar mais a árvore tombada. São 18h e os bombeiros precisam sair. É Protocolo.

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Lançados à própria sorte, sem equipamento adequado, sem mangueira, sem treinamento e sem EPIs, os Tembé decidem abandonar a briga. Não há mais o que fazer. A noite esconde outros perigos além do fogo. O fogo pode ser visto a olho nu na escuridão. Serpentes como a cascavel e a jajaraca ficam escondidas e atacam, caso sejam pisoteadas. São invisíveis! Consumidos pelo fogo, galhos ficam expostos como espetos afiados, na mata e no chão. Uma espetada nas pernas, pés ou na barriga pode ser fatal, no meio da mata e à cinco horas de distância da cidade mais próxima, Paragominas.

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Alguns dos Tembé voltam pra Aldeia Cajueiro, mas outros precisam ficar e lidar com a falta de energia e luz. Fios dos postes foram derretidos pelo fogo. O cacique Reginaldo Tembé e outros Tembé Guardiões da Floresta, tentam fazer a emenda de um fio de alta tensão que foi rompido durante a queimada que já dura mais de três semanas.

O fogo misterioso, que começou de forma estranhamente milagrosa, próximo a uma fazenda, não vai descansar à noite. O fogo não sabe o que é descanso. Vai consumir mais ainda a mata, ao compasso do vento, assim como vai consumir os animais, como o bicho-preguiça, a jibóia e o jabuti. O fogo não sabe o que é protocolo.

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Amanhã de manhã, na Aldeia Cajueiro, os Tembé Tenetehara, cansados e com fome, irão acordar para batalhar mais uma vez, sem apoio dos bombeiros e do exército. Serão despertados pela fumaça que cobre a aldeia. Terão tosse mais uma vez. É o protocolo.

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Vejam outras matérias sobre as queimadas na Amazônia e no Pantanal.

https://jornalistaslivres.org/o-agro-e-pop-e-o-fogo-e-de-mentira/

https://jornalistaslivres.org/pantanal-em-chamas-arvores-solo-e-animais-dizimados/

https://jornalistaslivres.org/desinformacao-a-favor-do-fogo-pantanal-em-chamas/

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Meio Ambiente

FAMQLive – Festival em Defesa do Parque da Fonte

Parque da Fonte agoniza pelo descaso das autoridades

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Parque da Fonte

A situação do nosso almejado Parque da Fonte é muito crítica

Impedidos de entrar na área, temos recebido e encaminhado diversas denúncias de novas contruções dentro do terreno, árvores derrubadas, queimadas, a água que escoava pela Rua da Fonte secou, fotos do Google mostram Córrego da Fonte soterrado e depois, coberto com gramado.

Parque da Fonte

A indignação e impotência é imensa

Na justiça, processo aguarda apenas o deferimento da imissão da Prefeitura na posse. Num primeiro momento, juíza indeferiu, exigindo que a Prefeitura depositasse mais 3 milhões de reais – mas a dívida do proprietário com a prefeitura já ultrapassa o valor do imóvel, por que motivo depositar um dinheiro que o proprietário não poderá receber? Ninguém poderá receber.

Neste momento, intercedemos para que a excelentíssima juíza reveja sua sentença e, finalmente, esta área volte a ser pública, como históricamente sempre foi. Urge imitir a Prefeitura na posse! Urge que esta área seja pública, que tenhamos direito a entrar, fazer vistorias, participar das medidas de segurança e preservação. E participar da concepção e projeto do Parque da Fonte do Peabiru.

Parque da Fonte

Para que todos escutem nosso grito, resolvemos realizar o FAMQ-LIVE EM DEFESA DA FONTE!

Para entender a situação em que se encontra o Parque da Fonte

2001 – realizamos a “Festa da Ocupação” – movimentou tanto o Butantã, que nos rendeu conhecer o Peabiru.

2003 – foi declarada ZEPEC- Zona Especial de Proteção Cultural, pelo Plano Diretor da Cidade.

2010 – realizamos a ManiFestAção em Defesa da Fonte

2011 – foi decretada de utilidade pública – DUP.

2012 – foi tombada como patrimônio ambiental, histórico e cultural pelo CONPREP – Conselho de Preservação do Patrimônio da Cidade. Muitos eventos continuaram a acontecer na Rua da Fonte: o SoMozum pela Fonte, a Lavagem da Pracinha, Carnaval, Capoeira, Mostra de Artes, Hip-Hop.

2014 – foi declarada ZEPAM – Zona Especial de Proteção Ambiental na revisão do Plano Diretor.

2015 – nas imediações da Rua da Fonte, realizamos o FAMQ – Fonte de Artes do Morro do Querosene, um festival de expressõess artísticas e culturais das mais diferentes linguagens.

2016 – realizamos (na mesma rua da Fonte) o II Encontro de Jongueiros do Morro do Querosene – nesse dia a Prefeitura esteve presente e anunciou o depósito, em juízo, de 2 milhões de reais (naquela época a dívida do proprietário ainda não superava o valor do imóvel). Foi dado início ao Processo na Justiça, este mesmo que agora aguardamos o deferimento para a imissão na posse.

FAMQ-Live em defesa do Parque da Fonte

Agora, nos dias 2, 3 e 4 de outubro de 2020, realizaremos o FAMQ-LIVE EM DEFESA DA FONTE!

Abertura: Dia 2/10 – das 19h30 às 22h – Roda de Conversa ONLINE com transmissão pelo facebook e youtube.

Programação do Festival

Significado, situação e perspectiva do Parque da Fonte do Peabiru e outros parques.

Convidados

Representates do Parque da Fonte do Peabiru, Parque do Jaraguá é Guarani, Parque Augusta, Parque do Bixiga, Parque da Vila Ema, Parque dos Búlfalos, Parque Chácara do Joquéi, Parque do Caxingui, Parque da Àgua Podre, Fórum das Áreas Verdes, Praça das Nascentes, Rios e Ruas, Prefeito de São Paulo, Secretaria do Verde, Secretaria da Cultura, SubPrefeitura do Butantã, Câmara Municipal de São Paulo, vereadores que estão nos acompanhando nesta luta, o atropólogo Paulo Dias, o historiador Júlio Abe, o etnomusicólogo Eric Galm, o indianista Paulo Junqueira do ISA, o representante da SOS Mata Atlântica, o jardineiro do cerrado Daniel Caballero, Daniel Munduruku, e ainda um representando do Parque Estadual Serra do Japi e outro do Parque da Lagoa do Abaeté, de Salvador.

Dias 03 e 04/10 – das 16h às 19h

Festival de Artes (músicos, poetas, dançarinos, capoeiras, grafiteiros, pintores, escultores, literatas, brincantes, circenses, contadores de história, mímicos, bonequeiros)

Acompanhe a programação completa!

www.youtube.com/associacaoculturalmorrodoquerosene

www.facebook.com/FontedeArtesdoMorrodoQuerosene

Parque da Fonte

ASSOCIAÇÃO CULTURAL DA COMUNIDADE DO MORRO DO QUEROSENE

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