Os retratos de Mariana

O fotógrafo Bruno Bou explica sua estética a partir dos encontros e a potencialidade na construção dessa linguagem.

“a partir dessa linguagem descobriremos o curto caminho entre realidade e a ficção, no qual aquele desejo de superar essa realidade é exatamente possível quando para além de dedicar nossas vidas exclusivamente à arte, dedicamos a arte à vida..”

O jornalismo me parece interessante quando, mais preocupado que transcrever a realidade, busque digeri-la. Pela mídia não haveria mais razão para se viver e sabemos que políticas são todas as atividades do ser humano. As escolhas e a fotografia são, portanto, necessariamente políticas.

No sentido de superar essa realidade, o preto e branco caminha eliminando a saturação de cor e nos atentando aos atos ou, se preferir, àquelas escolhas. Mais que defender o p&b no campo fotográfico, devemos proteger as pessoas, sobretudo em uma tragédia. Negligenciar os fotografados me colocaria em pé de igualdade com quem busca esquivar-se da culpa nessa tragédia. Por isso, mais importante que tratar a foto é concebe-la — respeitando e aceitando suas condições com os fotografados e as deles.

Se pensarmos o modo de captação das imagens, perceberemos que os personagens por estarem próximos, aceitam os retratos. Isso nos aproxima da naturalidade e ao desejo de uma foto enunciativa sobre o cotidiano que busca mesmo no caos a beleza. Esta ai toda a potencialidade da esperança e de seguir em frente forjando uma nova realidade. O momento pode ressignificar uma situação e convencer a todos que o que se tem vale a pena.

Se irmos mais adiante nessa análise, percebemos que além dos cidadãos serem peça central da narrativa, o ambiente que lhes cerca não foi esquecido. O corte das fotos valoriza os objetos no centro em uma linha horizontal. Esse formato não é 2×3, padrão das câmeras, mas sim 16×9, que diminui a altura valorizando a largura, o que faz trabalhar com mais atenção a composição da foto sem deixar de ambientar o espectador.

Contextualizar é tudo quando se deseja que caminhem com suas próprias pernas. Admitir sua narrativa como parcial é não subestimar quem a recebe, respeitando sua capacidade. Pois na vida há regras e na fotografia nem tanto, mas sem a liberdade se tem a eterna subserviência. Como diria Sérgio Vaz, “A arte que liberta não pode estar na mão de quem escraviza”.

Certo que o trabalho aqui apresentado não ressarce as famílias atingidas pelas barragens, mas a direção da caminhada é mais importante do que o tamanho do passo. E quando nos apropriamos da fotografia para nos auxiliar em uma abordagem, nos permitimos conhecer um novo mundo — nesse caso extremamente triste — e a partir dessa linguagem descobriremos o curto caminho entre realidade e a ficção, no qual aquele desejo de superar essa realidade é exatamente possível quando para além de dedicar nossas vidas exclusivamente à arte, dedicamos a arte à vida, como disse um tal Augusto Boal. E esse é um exercício diário.

Veja mais desta série em: http://www.bouhaya.com/um-n0me-mariana/

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