Por Padre Julio Lancellotti, especial para os Jornalistas Livres
Neste ano, tem aumentado em muito os ataques da Polícia Militar à população de rua em São Paulo. Muitos já foram os confrontos em remoções, como as ocorridas na Cracolândia da Luz, na região do viaduto Bresser e Alcântara Machado. Em todos esses locais, verificaram-se ataques da Tropa de Choque, bombas de gás e efeito moral, repressão e violência com prisões e tumultos .
O que tem agravado é a violência cotidiana do “rapa”, operado pelas sub-prefeituras, com a GCM (Guarda Civil Metropolitana) e PM coligadas. Mas a repressão contou também com a Força Tática da PM, que tem atuado de maneira truculenta e abusiva nas áreas de concentração da população de rua .
A população de rua na cidade de S.Paulo é alvo da PM, da GCM e das sub-prefeituras, na chamada zeladoria urbana, dos seguranças privados e dos seguranças clandestinos. É por isso que hoje em dia é possível dizer que a população de rua vive em condições análogas às de REFUGIADOS URBANOS .
Expulsa de todos os lugares, tratada com violência pela segurança pública , suspeita e rejeitada pelos Consegs (Conselhos de Segurança ditos Comunitários), essa população de rua sobrevive e resiste, sofre e chora — abandonada e humilhada.
A vida do povo de rua é pública, devassada e muitos são seus juízes e algoses .
Nos últimos 15 dias, tenho estado presente em ações da sub-prefeitura juntamente com PM e GCM, nas remoções de grupos de rua no Belém e na Mooca.
O rapa das sub-prefeituras arranca o pouco que esses refugiados urbanos têm: remédios, documentos, roupas, cobertas, colchões, alimentos — tudo feito com requintes de crueldade. Em tais operações, além dos veículos da Prefeitura estão viaturas da GCM e da PM e os caminhões e funcionários da INOVA ,empresa contratada pela prefeitura para a limpeza pública. Nunca vi representantes da Assistência Social.
O tratamento cruel e desumano é a prática. Desde arrancar cobertas de quem está dormindo, descobrir mulheres, insultar e provocar .
Nos baixos do viaduto Guadalajara, um PM queria saber:
“Quem é você ? dirigindo-se a mim. E o que está fazendo aqui ?”
Respondi:
“Sou o padre Júlio da Pastoral de Rua.”
Então, ele me encarou e gritou, em tom desafiador:
“E daí ?? Tudo vai ser retirado mesmo!”
O Capitão logo chegou, perguntando o que havia ocorrido. Disse que o PM era comandado seu. Quando perguntei se ia tomar alguma providência, o oficial levantou o dedo em riste e em tom ameaçador vociferou :
“Não vou fazer nada! Te conheço muito bem!”
Na Bresser, também , as ações da Força Tática são diárias. Nesta sexta-feira, logo após a minha visita, chegou a viatura da PM. Avisaram-me e voltei. Encontrei dois PMs dando geral e intimidando os moradores, crianças chorando e mulheres acuadas. Todos calados e paralisados de medo.
Logo percebi que um morador do local não estava mais por ali e comecei a andar entre os barracos. Notificados os PMs de que eu estava em busca desse morador, o morador apareceu. Estava sendo torturado dentro de uma barraco — os PMs queriam que ele apontasse os traficantes e onde estava a droga .
Novamente incomodados com a minha presença, os PMs perguntaram-me:
“Quem é você? O que faz aqui?”
Respondi:
“Sou o padre Júlio da Pastoral de rua.”
Furiosos, me perguntaram:
“Você é auxiliar dos traficantes?”
Quiseram meu documento de identificação e anotaram meu RG. Um dos PMs pisava nos pés dos que estavam sendo averiguados, e dizia:
“Vocês estão no seguro do padre?”
Perguntas para humilhar, pois sempre dizem:
“Vocês são da turma do padre? Pode chamá-lo. Avisa o padre!”
Um deles me chamou a atenção, pois, durante todo o tempo, falava ao celular e dizia:
“O padre tá aqui!”
Depois de muito tempo foram embora contrariados. O morador de rua que tinha sido torturado no barraco vomitou e desfaleceu .
O sofrimento deste povo é demais. Vê-los pisados pelas botas da PM é uma situação que clama por Justiça!
Justiça que não virá pela Corregedoria, por identificação dos agressores e das vítimas, pelas secretarias de Segurança Pública, de Direitos Humanos, de Coordenação das Sub Prefeituras, pela Assistência Social, pelo comando da PM, pelo Ministério Público e pela Defensoria, pois todos sabem muito bem o que acontece e as propostas burocratizadas nunca chegam na calçada.
Todos temos que cobrar e exigir que a violência do Estado cesse e nos manifestarmos solidários aos mais fracos estando ao lado deles e ecoando a sua dor .
PS: Depois da polêmica envolvendo o governo paulista, a prefeitura de São Paulo decretou o sigilo de uma série de informações da GCM (Guarda Civil Metropolitana), como por exemplo o sigilo das imagens das câmeras da GCM. Querem esconder o quê? A truculência da GCM contra os moradores de rua? A covardia do rapa? As ações violentas da PM? As remoções? Os acertos do poder público com os traficantes? As propinas pagas para os agentes de segurança? Como age o crime organizado? O serviço reservado da PM e da GCM infiltrado nas manifestações? O submundo da cidade nas madrugadas? O extermínio que acontece nas quebradas? O crime organizado com participação de agentes públicos?
A proibição foi conhecida a partir do pedido de imagens sobre a Cracolândia , o que o poder público esconde embaixo dos Braços Abertos e do Recomeço que a cidade não pode conhecer !