Ainda no levante de luta das ocupações realizadas na madrugada desta segunda (31), os integrantes do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), junto com a Frente de Luta por Moradia (FLM), ocupam e resistem num grande terreno abandonado há pelo menos 15 anos, localizado na Vila Antonieta, Zona leste de SP.
Ali, vimos um panorama diferente das outras ocupações que aconteceram na cidade. O local já estava sendo habitado por cerca de dez usuários de crack que moram em barracas improvisadas, feitas de saco plástico e materiais recolhidos no lixo. Mas, esses dependentes químicos também querem uma nova vida. Eles serão incorporados pela ocupação.
Meses antes dos movimentos decidirem que o terreno da Rua Refinaria Presidente Bernardes seria ocupado, dezenas de conversas foram realizadas com os usuários que habitam o local. Muitos deles, pediam socorro. Outros diziam que o maior sonho de suas vidas, sem dúvida, seria conseguir abandonar “a pedra”. E realmente, essa era uma grande pedra no meio do caminho da vida deles.
Com diálogo, acolhimento e, sobretudo, com respeito a história de cada um, as lideranças do movimento, foram aos poucos sendo compreendidas e aceitas. Dali, foi um passo para que os casos mais graves concordassem em serem levados à uma igreja do bairro e à casa de vizinhos do terreno, e lá passassem a receber alimentos, banho, conversas e voltassem a sentir o valor da dignidade.
Maria Nayara, 25 anos, uma das usuárias que foi acolhida temporariamente na casa de uma vizinha ao terreno, diz que está achando tudo isso maravilhoso. “É uma obra boa, é uma moradia. Eu entrei no crack porque quis, mas eu soube me equilibrar, tanto que estou aqui para mudar de vida, já dei o primeiro passo e não desejo isso só para mim, como para todos.” declarou ela, quando conversávamos sobre o que representava aquela ação da FLM para sua vida.
Veja Nayara no vídeo live, trecho de 5min:
Enquanto conversávamos com Sr. Miltinho, dentro de seu barraco improvisado, as “paredes” e o “teto” pareciam “ter vida”: éramos vigiados por baratas, besouros, ratos e insetos de várias espécies. Imaginem as piores condições possíveis. Era isso.
Miltinho tem 64 anos, vive no terreno há quinze, trabalhou a vida toda como lixeiro, mas é viciado em crack. Ele já tem uma história de resistência no local. Diversas vezes, a PM invadiu o terreno, o reprimiu, mas ele resistiu e nunca fui embora. Assim como Nayara, ele acredita que a luta fará com que sua vida melhore. “É o sonho de uma casa! Não tenho vergonha de falar que eu choro, peço a Deus para sair disso. Eu creio que minha vida vai mudar em tudo.”
Ali temos muitas outras histórias fortes, de luta. A D. Feliciana, integrante da Frente de Luta por Moradia, uma verdadeira representante do Brasil profundo, com seus 78 anos e seus 8 filhos criados, um deles preso no CDP de Osvaldo Cruz, nos disse com firmeza que acha injusto o povo pobre não ter casa. “Os políticos brasileiros só pensam neles. A gente paga aluguel caro. Quando pagamos uma coisa, faltam outras dez.” finalizou
Veja a entrevista com Dona. Feliciana:
Marcelo, 32 anos, é piauiense, tem 15 irmãos, a maioria já mora em SP. Todos eles têm um desejo em comum: ter um lar próprio. Junto com outros integrantes do movimento, ajudou a bandeira da FLM a ser erguida no local. Ele trabalha como ajudante geral numa gessaria e atende a elite paulistana, realidade muito distante da sua. Ele acorda todos os dias às 4 da madrugada e atravessa a cidade para trabalhar, sofre para pagar um valor de aluguel que não faz nenhuma diferença no bolso dos ricos. Ele mora num barraco, ali mesmo na Vila Antonieta. Veja o Vídeo:
E um dos momentos mais emocionantes de uma ocupação é sem dúvida, quando a flâmula do movimento é fincada no terreno. A bandeira “demarca” o local como sendo de propriedade dos ocupantes. Ali, vimos crianças, idosos e gente que representa o verdadeiro povo brasileiro ajudando a erguer um sonho. O olho do povo brilhava, o coração agora estava aquecido mesmo na madrugada fria da segunda-feira. Fazia 15 graus, mas a sensação era de 10. O mato alto, o lixo do terreno, o breu, nada atrapalhava aquelas guerreiras e guerreiros. Sim, a maioria eram mulheres que são mães, pais, tias, madrinhas, avós e todo mundo tinha um sorriso no rosto.
Garrafas de café, pães, água e comidas caseiras faziam parte do colaborativismo. Uma cobertura de lona foi erguida para que crianças e idosos pudessem se proteger da baixa temperatura. Ali, eles descansaram em colchonetes, para aguardar o amanhecer e iniciarem a limpeza e organização geral do local.
Todas essas histórias podem estar muito longe de você, podem parecer tristes, mas são exemplos de luta e de uma força que nos pareceu muito natural. Nem eles sabem explicar de onde vem tanta garra. Eles têm um poder de estimular a luta entre eles e entre todos que estejam próximos e pronto.
Veja mais sobre a outras ocupações na nossa página do youtube, na Playlist OcupaSemTeto_2016 .