O gesto de sufocamento, o retirar o ar de alguém, tal cortar a luz e a água de quem não honra as contas de sua morada, uma baioneta que fura os olhos da gente, de repente. A cena numa cidade americana, o joelho sobre um pescoço negro e mãos brancas que empunham a arma, é o mesmo gesto que cala o índio, que sufoca, atira e mata.
Todo o mal que a cena traz une os jovens, preto, branco, latino, asiático? Genocídio, epistemicídio, tudo que desencanta a vida e a palavra. Desiste em mim o pessimismo de crer que o mundo chega ao fim. Em plena pandemia e sob joelhos, aflora dos equívocos uma flor de cinco pétalas, como os continentes numa terra redonda, os povos todos dizem um basta.
Há algo terrível, indecente, que persiste no Brasil, a terra que quer ser uma grande nação, a morte de seus povos. Vidas indígenas importam?
Nos trazem novos lutos a todo momento, insiste turvo destino, teimosia, indecências do racismo. Matam os inocentes, dão porte às armas para aqueles que já nasceram armados na alma, na carência de mando, àqueles que não estimam o fenômeno da vida, momento sagrado e fugaz de cada um em si.
Por isso creio num Deus, aquele que deixa viver. Resistência é a sombra dos aflitos sobre as praias dos milionários. Estamos entre o sertão da razão, entre o grito dos mulambos, entre o nevoeiro das mentiras.
Oro, rezo todos os dias, acendo velas e incenso, abro as cartas. Pedem reconhecimento e fim da violência, o fim da eugenia. Canto com Pedro Casaldáliga, na abertura da Missa da Terra sem Males:
Em nome do Pai de todos os Povos,
Maíra de tudo, excelso Tupã.
Em nome do Filho,
que a todos os homens nos faz ser irmãos.
No sangue mesclado com todos os sangues.
Em nome da Aliança da Libertação.
Em nome da Luz de toda Cultura.
Em nome do Amor que está em todo amor.
Em nome da Terra-sem-males,
perdida no lucro,
ganhada na dor,
em nome da Morte vencida,
em nome da Vida,
cantamos, Senhor!
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