O feriado do 7 de setembro em Florianópolis não foi comemorado nem repudiado pelos movimentos sociais nas áreas nobres da cidade, como de costume. Neste ano, o Grito dos Excluídos deixou as avenidas planas para as autoridades desfilarem em seus carros fechados e os militares exibirem seus aparatos de opressão das minorias. O movimento preferiu gritar contra a exclusão do alto do Morro da Cruz e celebrar o amor à pátria junto com os jovens e comunidades assolados diariamente pela violência e pela ausência de políticas públicas.
Com o aumento da pobreza e do assassinato de jovens, entidades sociais, políticas e religiosas decidiram se reunir na sede das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), no Monte Serrat, para fazer um grito verdadeiro ao lado dos excluídos. Foi uma manhã ensolarada de quase verão, que encheu esse lugar perto do céu de esperança e fraternidade. O manifesto enfocou a luta contra a criminalização e extermínio dos jovens negros das periferias: foram 60 mil jovens assassinados pelos aparatos de repressão no ano passado no Brasil, conforme o Mapa da Fome.
Crianças, adolescentes e jovens tiveram um dia de acolhimento e valorização
De janeiro a junho deste ano, 115 jovens já foram assassinados somente na capital catarinense, tanto pela violência policial quanto pela ausência do Estado, acentuou o padre Vilson Groh, que acolhe cinco mil jovens em situação de risco em um instituto social de Florianópolis. “O Estado não tem políticas públicas juvenis e o resultado disso é a tragédia do extermínio”, afirmou o padre, que integra a coordenação das CEBs. “Se continuarmos assim, em 2050 serão 2 mil 750 jovens assassinados”, alertou, criticando o Estado por apostar mais no encarceramento e na punição do que em ações de educação e valorização do jovem.
Em oposição ao que o padre chama de processo histórico de marginalização, que só faz alastrar a violência e o tráfico, as entidades conseguiram criar no terreno da Caixa d’água, um momento onírico de fraternidade. Ali, num dos pontos mais altos da cidade, onde se tem a vista magnífica da Ilha banhada pelas Baías Sul e Norte, realizaram a Oração do Pai Nosso dos Mártires, ou extra-oficialmente, o Pai Nosso dos Pobres e Marginalizados, pedindo coragem contra a violência e as injustiças sociais. Da oração, os manifestantes passaram ao grito do Fora Temer, mostrando que a atitude religiosa não se separa do gesto político.
Marcos Pinar, da União Florianopolitana de Entidades Comunitárias anunciou a fundação da Rede de Direitos Humanos pelo Fim da Violência e pela Construção das Políticas Públicas, criada em 19 de agosto, que vai dar amparo, solidariedade, apoio psicológico às pessoas que sofrem violência do Estado e também exigir o cumprimento das políticas públicas: “Estamos passando por uma ditadura oficiosa, sem políticas para a juventude das periferias, em que o trabalhador está perdendo todos os seus direitos, incluindo o de se aposentar. Então precisamos nos unificar. São os excluídos gritando literalmente para não serem engolidos, exigindo a volta da democracia e das políticas públicas no país”.
Uma grande tenda coberta de toldo branco protegia os participantes do sol e servia de palco para apresentações de poesia, teatro, artes plásticas. Todos trouxeram guloseimas para café da manhã solidário, que começou às 9 horas e foi até às 14 h, com a participação de cerca de 200 representantes de entidades. Servido em uma grande mesa sobre a grama, o lanche foi embalado por música popular e samba de raiz com o Grupo Tradição. Orientadas pelo arquiteto popular Loureci Ribeiro, as crianças e adolescentes foram estimulados a confeccionar faixas em que pediram reforma urbana, o fim da violência e do feminicídio. E também Fora Temer. O Grupo Teatro do Oprimido, integrado por mulheres, apresentou uma esquete desmascarando os interesses escusos da Reforma da Previdência.
Grupo Teatro do Oprimido apresenta sátira da Reforma da Previdência
Entre as manifestações artísticas, a palavra ficou livre para o discurso político. A poeta e professora Nana Martins, que dá aula na rede pública estadual na Casa de Acolhimento a Adolescentes de Florianópolis e no Colégio Humanitas, aproveitou para ler seus poemas de resistência e ao mesmo tempo explicar o sentido do Dia dos Excluídos. Segundo Nana, o 7 de setembro não significa nada para os moradores das áreas periféricas. É um fato mentiroso que só trouxe a exclusão, a morte e a pobreza, analisa. “Nós não precisamos de mentira, nós precisamos de nossa história real, aquela de luta que o povo negro fez no Brasil”. Em contrapartida, o Dia dos Excluídos é “uma oportunidade para as mulheres negras denunciarem a exclusão histórica que sofrem, sempre ameaçadas pela morte de seus filhos, companheiros e irmãos”
As manifestações do 23° Dia dos Excluídos em Florianópolis foram fruto da união entre a Frente Brasil Popular, União Florianopolitana de Entidades Comunitárias, Tenda da Democracia, Movimento Ponta do Coral e Rede de Resistência e Lutas. Enquanto no morro ocorria essa aliança amorosa entre trabalhadores, militantes e minorias, lá embaixo, na Passarela Nego Quirido, as autoridades e militares celebravam, no espaço do Carnaval, a falaciosa independência de um país que tem sua soberania eternamente sabotada. Algumas faixas penduradas no aterro da Baía Sul pediam intervenção militar. Mas no Morro do Céu, uma chuva de balões brancos com os nomes dos jovens assassinados encerrava o Pai Nosso Revolucionário, simbolizando a luta pela paz e pela volta da democracia.
Quem percorre o Vale do Jequitinhonha no extremo Nordeste de Minas, quase divisa com o sul da Bahia, vê ao longe um conjunto de belas pedras de granito como se tivessem sido despencadas numa chuva de meteoritos. É difícil passar por ali e conter a vontade de ir ver de perto, afinal, a pacata e hospitaleira cidade de Rubim fica logo ali. Pois bem, foi neste belo lugar que um antigo quilombo volante, certamente vindo do interior da Bahia, resolveu se fixar de vez, esquecendo-se do tempo e da chamada civilização, vivendo ali esquecido, isolado. São os Quilimérios, um nome de origem desconhecida.
Uma equipe de cineastas e jornalistas de Belo Horizonte esteve lá e fez o interessante curta-metragem chamado Quilimérios, um documentário de 24 minutos que trata da história deste povo que vive isolado desde o século XIX, na parte mineira do Vale do Rio Jequitinhonha, que logo depois deságua no litoral baiano. Escondidos entre altas pedras de lugares quase inacessíveis, os Quilimérios ainda são desconhecidos por muita gente que vive até mesmo na própria região.
O curta Quilimérios conta um pouco da história deste povo, mostra cenários deslumbrantes e lugares quase intocados do Baixo Jequitinhonha, filmados praticamente com celular e drone, “o que o torna um produto experimental e inovador”, afirma Emerson Penha. O diretor do curta revela que ir a esta comunidade e fazer o documentário foi muito significativo: “É impressionante, nos dias de hoje, com tanta tecnologia, um povo permanecer isolado. Por outro lado, é importante poder mostrar que o mundo tem lugar para todos, independentemente do seu jeito de ser e viver. Todos têm direito a viver como desejam e isso precisa ser respeitado”, observa.
Na região do Baixo Jequitinhonha, divisa entre Minas Gerais e Bahia, as pedras gigantes marcam o caminho do rio. A muralha natural isola tudo, até mesmo a passagem do tempo. Nesse cenário, os Quilimérios vivem como no século XIX. Para eles, o isolamento foi a única opção e até hoje o mistério de sua existência permanece. A explicação sociológica mais razoável é que seriam remanescentes dos quilombos volantes, grupos nômades formados por afrodescendentes que escapavam do cativeiro, indígenas expulsos de suas terras e mesmo brancos que fugiam das cidades por diversas razões.
A história que se conta entre várias gerações na região de Rubim, cidade mais próxima e de pouco mais de 10 mil habitantes, é que esse grupo de pessoas foi formado a partir da fuga de um ex-escravo, Juca Preto, contratado por um fazendeiro da vizinha cidade de Pedra Azul para matar alguém importante. Após cometer o crime, Juca fugiu para a região onde seus descendentes vivem até hoje e que permanece quase inacessível. Ali só se chega a pé ou a cavalo. Na fuga, Juca levou uma índia, com quem teria dado início à família dos Quilimérios. São pessoas muito reservadas, que cultivam costumes antigos e têm hábitos comportamentais como o casamento endogâmico. Atualmente restam apenas alguns quilimérios remanescentes, já que as novas gerações vêm se transferindo para Rubim.
Quilimérios é um filme de Emerson Penha, com música de Túlio Mourão, fotografia de Fábio Damasceno, produção de Zu Moreira, edição de Rafael Diniz (Fiel) e argumento de Tião Soares.
Da: MediaQuatro especial para os Jornalistas Livres
Desde de 2019, com as manifestações contra os cortes na educação e a deforma da previdência, Cuiabá não juntava tanta gente nas ruas. E talvez nunca tenha havido tamanho contingente policial, incluindo helicóptero, para o improvável caso de “vandalismo”. Mas era mesmo de se esperar. Afinal, o racismo estrutural brasileiro em uma das capitais mais conservadoras do país exige que se trate os pretos e pretas sempre como potenciais criminosos. BASTA! O país não pode mais conviver e não conseguirá sequer viver como nação integral enquanto houver preconceitos que se refletem em práticas cotidianas e políticas públicas que oprimem e excluem a maior parte da população.
Texto e fotos: www.mediaquatro.com
Texto e fotos: www.mediaquatro.com
Chegamos a um ponto no Brasil que não é mais suficiente não ser racista. É preciso lutar contra o racismo, nas ruas, nas redes, nos campos e nas casas. E a luta antirracista é central na derrubada do governo Bolsonaro e suas políticas genocidas na economia, na segurança pública e na saúde. Foi por isso que, apesar da necessidade de se intensificar o isolamento social, fomos à Praça Alencastro e marchamos pelas avenidas Getúlio Vargas, Marechal Deodoro, Isaac Póvoas e BR 364 para retornarmos à Praça da República sem qualquer incidente.
Texto e fotos: www.mediaquatro.com
Assim como em outras cidades e estados por todo o Brasil, em Cuiabá e Mato Grosso os negros e negras são maioria e são exatamente os corpos pretos os mais encarcerados, os pior pagos, os que vivem nos lugares mais distantes, os que mais precisam trabalhar fora de casa durante a pandemia (e muitas vezes sem sequer os equipamentos de proteção adequados) e os que mais são atingidos pela Covid-19. Isso não é uma coincidência. É resultado de quase 400 anos de escravidão formal, que em Mato Grosso também vitimou indígenas em larga escala, e de uma abolição inconclusa que indenizou os “proprietários” de pessoas mas nunca pagou a dívida histórica com quem sente na pele seus efeitos até hoje.
Texto e fotos: www.mediaquatro.com
É fato que o assassinato do estadunidense negro George Floyd foi o estopim dos protestos antirracistas em todo mundo e também no Brasil, onde houve atos em pelo menos 20 cidades, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Recife. Mas por aqui, as mortes do menino Miguel, do adolescente João Pedro e dos jovens em Paraisópolis, só pra citar alguns casos mais representativos nos últimos seis meses, demonstram cotidianamente o que significa ser alvo do preconceito, da polícia e das políticas.
Texto e fotos: www.mediaquatro.com
Desse modo, derrubar o governo o quanto antes o governo do fascista que ocupa a presidência é indispensável para conseguirmos combater a epidemia de forma minimamente eficiente. E tirar apenas o presidente não é suficiente, porque seu vice e ministério são igualmente racistas, como está provado em entrevistas antes mesmo das eleições, em pronunciamentos em eventos e na fatídica reunião ministerial.
Texto e fotos: www.mediaquatro.com
Enquanto não derrubarmos as políticas estúpidas da “guerra às drogas”, do encarceramento em massa, da concentração de renda, do agronegócio acima da agricultura familiar, não há presente para o país. E enquanto não investirmos em políticas públicas de igualdade racial e de gênero, de proteção às minorias e à diversidade, e de promoção dos direitos humanos a TODOS e TODAS, incluindo a punição de policiais assassinos, milicianos e racistas, não haverá futuro também.
Mais de 1 milhão de crianças, 2 milhões de mulheres e 3 milhões de homens foram submetidos ao assassinato e à tortura de forma programada pelos nazistas com o objetivo de exterminar judeus e outras minorias. Nos primórdios da Itália fascista, os camisas negras – milícias paramilitares de Mussolini – espancavam grevistas, intelectuais, integrantes das ligas camponesas, homossexuais, judeus. Quando a ditadura fascista se estabeleceu, dez anos antes da nazista, Mussolini impôs seu partido como único, instaurou a censura e criou um tribunal para julgar crimes de segurança nacional; sua polícia secreta torturou e matou milhares de pessoas. Em 1938, Mussolini deportou 7 mil judeus para os campos de concentração nazista. Sua aliança com Hitler na 2ª Guerra matou mais de 400 mil italianos.
Perdoem-me relembrar fatos tão conhecidos, ao alcance de qualquer estudante, mas parece necessário falar do óbvio quando ser antifascista se tornou sinônimo de terrorista para Jair Bolsonaro. Os direitos universais à vida, à liberdade, à democracia, à integridade física, à livre expressão, conceitos antifascistas por definição, pareciam consenso entre nós, mas isso se rompeu com a eleição de Bolsonaro. O desprezo por esses valores agora se explicita em manifestações, abraçadas pelo presidente, que vão de faixas pelo AI-5 – o nosso ato fascista – ao cortejo funesto das tochas e seus símbolos totalitários, aqueles que aprendemos com a história a repudiar. Jornalistas espancados pelos atuais “camisas negras” estão entre as cenas dessa trajetória.
A patética lista que circulou depois que o deputado estadual Douglas Garcia(PSL-SP) pediu que seus seguidores no Twitter denunciassem antifascistas mostra que o risco é mais do que simbólico. Depois do selo para proteger racistas criado pela Fundação Palmares, e das barbaridades ditas pelo seu presidente em um momento em que o mundo se manifesta contra o racismo, e que lhe valeram uma investigação da PGR, essa talvez seja a maior inversão de valores promovida pelos bolsonaristas até aqui.
A ameaça contida na fala presidencial e na iniciativa do deputado, que supera a lista macartista pois não persegue apenas os comunistas, tem o objetivo óbvio de assustar os manifestantes contra o governo e de açular as milícias contra supostos militantes antifas, dos quais foram divulgados nome, foto, endereço e local de trabalho.
É a junção dos “camisas negras” com a Polícia Militar, que já se mostrou favorável aos bolsonaristas contra os manifestantes pela democracia no domingo passado em São Paulo e no Rio de Janeiro. E que vem praticando o genocídio contra negros impunemente no país desde sua criação, na ditadura militar, muitas vezes com a cumplicidade da Justiça, igualmente racista.
Como disse Mirtes Renata, a mãe de Miguel, o menino negro de 5 anos que foi abandonado no elevador pela patroa branca de sua mãe, mulher de um prefeito, liberada depois de pagar fiança de R$ 20 mil reais, “se fosse eu, a essa hora já estava lá no Bom Pastor [Colônia penal feminina em Pernambuco] apanhando das presas por ter sido irresponsável com uma criança”. Irresponsável. Note a generosidade de Mirtes com quem facilitou a queda de seu filho do 9º andar.
Neste próximo domingo, os antifas vão pras ruas. Espero não ouvir à noite, na TV, que a culpa da violência, que está prestes a acontecer novamente, é dos que resistem como podem ao autoritarismo violento. Quem quer armar seus militantes, e politizar forças de segurança pública, está no Palácio do Planalto. É ele quem precisa desembarcar. De preferência de uma forma mais pacífica do que planejam os fascistas para mantê-lo no poder.