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Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste

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É 7 de setembro. Sou de uma geração de crianças que estudou o poema “A pátria” de Olavo Bilac na escola, e acreditou que haveria uma república de confiança. E houve.

“Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!/Criança! Não verás nenhum país como este!/Olha que céu! Que mar! Que rios! Que floresta!/A Natureza, aqui, perpétuamente em festa,/É um seio de mãe a transbordar carinhos./Vê que vida há no chão! Vê que vida há nos ninhos,/Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!/Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!/Vê que grande extensão de matas, onde impera/Fecunda e luminosa, a eterna primavera!/Boa terra! Jamais negou a quem trabalha/O pão que mata a fome, o teto que agasalha…/Quem com o seu suor a fecunda e umedece,/Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!/Criança! Não verás país nenhum como este: Imita na grandeza a terra em que nasceste!”

Acreditei. Fui constituída cidadã na lira da utopia. Dentro de minha casa, meu pai tinha ideias comunistas e falava o tempo inteiro em democracia, em uma sociedade justa e igualitária. Lutou por isso. Emancipou e até hoje emancipa a avassaladora maioria dos que viveram e vivem à beira de sua grandeza.

Ninguém falava em ecologia, mas também ninguém pensava que rios e florestas pertencessem a um conjunto de coisas que se acabariam. Estou muito assustada. O país nunca tinha vivido tempos de tantas políticas de inclusão como os que vivemos há pouco. Há muito não se via o aumentar das universidades públicas e a república tinha vivido até ali, órfã da Lei Maria da Penha, da permissão ao casamento homoafetivo, do sistema de cotas e de vários outros programas de desenvolvimento geral da nação. Por erro de todos os lados, o Brasil destrambelhou e a atrapalhada e confusa quadrilha agarrada no poder de curto prazo não para de lançar sobre nós suas autoritárias mudanças definitivas, como lanças de fogo e como quem tem pressa. Muita pressa.

A flagrante desidratação dos aparelhos culturais em todo país é cruel e dá pena. A falência das universidades, dos institutos de pesquisa, ou seja, tudo que garante o real desenvolvimento de um país , revela que não se está interessado no bem estar dessa pátria, dos seus filhos e em especial dos mais pobres. Não fossem espantosos os números reais de nossa guerra urbana e rural onde pobres e negros principalmente , são invadidos, assassinados, desrespeitados diuturnamente, ainda tem a violência simbólica de esfregar malas de dinheiro na cara de milhões de honestos brasileiros desempregados , dedicados trabalhadores tentando , com uma inabalável dignidade dizer aos filhos que roubar é crime, enquanto prisões domiciliares em mansões sem uso de tornozeleira, desfilam imunidades em nossa cara.

Quem tem dinheiro para pagar um advogado? Quem pode pagar (e sem atrasar) um plano de saúde hoje ? Quem tem crédito para fazer um empréstimo de cinco e pagar dez? Quem? A violência simbólica desnutre a esperança e é aquela que diz: “Foda-se a pátria, você está nessa? O que vale é o meu. Foda-se o Estado!! Privatiza tudo e garanta minha parte na negociata. Fodam-se as florestas e os rios, eu quero é ganhar a minha parte oferecendo o campo de ninobio para mineração. Fodam-se os índios, essa gente selvagem e incivilizada só quer mato é bicho em volta , sem deixar chegar a verdadeira civilização. Foda-se a política, todo político é corrupto, não tem mais jeito não. O bom é eleger um empresário, gente boa em administração.”

Tudo mentira. Frieza. Destreza. Ilusão. O Estado somos nós, nele existem nossos representantes, os que elegemos para cuidar de nossa casa. É um ardil da pior espécie dizer que não há Estado honesto e que não poderá haver um político que honre sua função. Por isso uma reforma política se faz urgente, mas quem tem que fazer a reforma política não pode estar comprometido com a forma política e os velhos vícios que queremos extirpar, vícios que incluem a escarniosa lista de vantagens. O que temos que tirar do Estado são os caprichos da corte, o excesso de benefícios individuais para os parlamentares, como muitos vereadores, por exemplo, que vendem suas próprias excessivas férias, vivem ostensivamente ” bem de vida ” pelas cidades do Brasil.

É 7 de setembro, eu me pergunto: Se as malas de Gedel em Salvador, de Rocha Loures em São Paulo e no Distrito Federal são as protagonistas da novela nacional, quantos coadjuvantes talvez roubem por aí, prefeituras inteiras sem que possamos mensurar? Quantos juízes são comprados, meu deus, procuradores de municípios que nunca ouvimos falar? Se for a exemplo do Distrito Federal, se for a exemplo do comportamento da Capital Federal, o prognóstico é desesperador. Uma espécie de metástase da corrupção toma conta do corpo da pátria. Que loucura. Quanta riqueza que não é identificada como riqueza. Alguém de nós teria coragem de não deixar ar nem água para as crianças que acabaram de nascer ou que nascerão num futuro próximo? Quem seria tão cruel? Pois é o que está acontecendo. Reservas, museus, rios, florestas, estão morrendo. A Amazônia não é do presidente. Pertence aos brasileiros e queremos deixar a pátria sã para nós e para os nossos novos filhos.

Quando querem por a perder um paciente nos execráveis manicômios tradicionais com técnicas de tortura e choques elétricos , a primeira coisa que se faz é tirar suas referências, suas coisas pessoais, sua memória, seus pequenos objetos que constituem a palavra eu. E aí sim , nesse momento se enlouquece um homem; se não era louco antes de chegar ali, acaba de ficar. É esta mesma tentativa que se está fazendo contra o povo brasileiro, tornando-o perdido, dando informações desencontradas, retirando suas referências , apresentando fotos nas manchetes com legendas trocadas e um triste carnaval diário feito de mentiras e manipulações: Nossa crise não é a econômica, é a política.” Como se essas duas coisas fossem indissociáveis. “A economia está melhorando”. Aonde? Nenhuma economia pode ir bem com estes números de guerra que atinge policiais e cidadãos, com milhares de profissionais da arte e de vários setores produtivos que estão. Improdutivos demais. O desemprego está baixando enquanto aumenta o número de desempregados? Manobras de ilusão se intensificam.

Em Brasília as ruas que dão acesso à casa do Presidente estão fechadas, sua impopularidade exige proteção, afinal a qualquer momento uma manifestação pode explodir à sua porta, uma vez que seu cargo não tem a legitimidade dada pelo povo ao qual representa. E por isso não o representa. A Amazônia não é dos ladrões brancos impregnados de processos e factíveis suspeitas. Essa gente que não precisa roubar, essa gente que já está rica ,que não mora na favela e não tem cinco bocas para sustentar em casa. Amanhã é 7 de setembro e ninguém consegue esquecer os 51 milhões ,os quais, a pouquíssimos brasileiros tenha sido dado ver. A não ser na TV.

Felizmente conheço novos pensamentos, flores que nascem dessa lama, creiam-me. Alguns políticos, nossos parlamentares que são minoria nesse Congresso tão mercadológico, esse Congresso tão comércio de escravos ideológicos de quem paga mais, fazem uma corajosa e ferrenha oposição e tal qual David, confiam na pequena certeira pedra e não se assustam com o tamanho de Golias. Alguns valentes resistentes políticos lutam para nos honrar e defender ,enquanto surgem na calada dessa grande noite novos quadros de representação. Há uma periferia bombando, fortalecida pelo sistema de cotas que pôs um monte de pretos nas universidades. Deu acesso. Diminuiu danos. Existe uma esquerda que não é só branca e elitizada. Há organizações não governamentais que se tornaram grandes vozes parceiras das organizações civis e que se valem da democracia e da garantia de suas instituições , mesmo dentro de uma república vilipendiada e doente, para não se deixar abater.

A boa notícia é que as coisas não param de piorar e isso nos leva a crer que seu fim está próximo. O sol não fica o tempo inteiro no meio dia. Uma hora ele se põe. Uma hora a gira vira. É hora de identificar nossos representantes, achar o nosso lado nessa brincadeira. Quem não sabe se é de esquerda ou de direita, e na minha história não existe centro, é só se perguntar em que ideologia pode melhor caber. Às esquerdas se atribui o fundamento do bem coletivo. Em resumo, é a base da filosofia ubuntu: “ Como posso ter tudo e ser feliz sozinho, enquanto meu irmão não tem nada?”

E , às direitas costuma -se atribuir regras de privilégio pessoal e individual, cruel competição, individualismo acirrado, aumento da desigualdade de muitos para garantir o acúmulo de bens e privilégios na mão de poucos. Simples assim. Veja de que lado você está e comece a agir a partir da política do seu cotidiano, do nosso cotidiano com base na sua ideologia.

A pior coisa nesse momento é achar que não tem jeito. Leva à não atitude e consequentemente à letargia e à omissão .Uma outra coisa também muito ruim e perigosa é esperar um salvador da pátria. Salvadores da pátria em geral não dão conta sozinhos do serviço coletivo , coisa muito pesada para um só lombo. Salvadores da pátria são centralizadores ,em geral se inflam egoicamente da função que lhe outorgam e ao fim, não salvam nada.

Muita coisa tem sido destruída, mas não a nossa experiência. Nada podem contra ela. O que estamos assistindo? O cinismo, a confirmação de uma sequência de golpes. Tudo isso que dói agora, também nos amadurece e não há história que possa dar ré neste saber. Luto para preservar a natureza da qual Bilac me fez guardiã desde menina é pra que não se acabe. Batalharei até o fim por ela.
É dia da independência . Não conheço coisa mais cara que isso. Simbora. Estamos, às vezes até sem saber, nos preparando para fazer a hora e não esperar acontecer.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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