De economia e medicina medievais

Ilustração Joana Brasileiro

No final de novembro ocorreu mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BCB). Essa reunião avalia o estado geral da economia, notadamente, o risco de alta inflação para determinar a taxa de juro básica da economia brasileira. Esse comitê tem, portanto, o poder de determinar o piso dos juros no país e, por consequência, determinar quanto o governo pagará para aqueles que tem dinheiro investido em títulos da dívida pública.

“Em doze meses, os juros nominais atingiram R$406,8 bilhões (6,61% do PIB)”, afirma a Nota de Política Fiscal do BCB de 28/11/2016. Uma montanha de dinheiro que sai do orçamento do governo diretamente para os bolsos de que empresta dinheiro para o governo, ao mesmo tempo responsável pelo agravamento da desigualdade de renda e invisível. Em nenhuma conversa sobre “austeridade” se fala sobre esse que é o maior gasto do Estado brasileiro.

Contudo, há um efeito ainda pior: ao ter direito a esse montante de juros, o detentor de recursos não investe seu dinheiro em bens que contribuiriam para o crescimento econômico. Ele tem um resultado ótimo, sem risco e com liquidez, a qualquer momento pode vender seus títulos e ter o dinheiro livre de volta. É o melhor dos mundos. Para que investir numa fábrica?

Juntando, então, na mesma cumbuca a taxa de juros, a instabilidade política e a política de “austeridade” temos a recessão que estamos vivendo. Veja como a ata do Copom explica os dados que colheu até novembro:

O conjunto dos indicadores divulgados desde a última reunião do Copom sugere atividade econômica aquém do esperado no curto prazo. Houve reduções nas projeções para o PIB em 2016 e 2017 e interrupção na recuperação dos componentes de expectativas de índices de confiança. Após ter interrompido uma longa sequência de quedas no segundo trimestre, a medida de investimento nas contas nacionais voltou a recuar no terceiro trimestre.

A ata revela, em linguagem suave e bem medida, que estamos em uma recessão maior do que esperávamos, que as projeções indicam queda maior nesse ano e no próximo, que as pesquisas mostram queda na confiança na recuperação da economia e que o investimento voltou a cair. Continua a ata:

A economia segue operando com alto nível de ociosidade dos fatores de produção, refletido nos baixos índices de utilização da capacidade da indústria e, principalmente, na taxa de desemprego.

A indústria vem produzindo, assim, menos do que poderia e trabalhadores que buscam emprego e não encontram rondam a casa dos 12 milhões.

Após os recuos dos indicadores de atividade econômica relativos a agosto, a ausência de uma reversão nos meses seguintes torna menos provável o cenário em que esses movimentos refletiriam oscilações naturais da atividade econômica em torno de momentos de estabilização. Aumenta, portanto, a probabilidade de que a retomada da atividade econômica se já mais demorada e gradual que a antecipada previamente.

Em outras palavras, a economia não vai voltar a crescer nos próximos meses. Para não dizer que não há notícias boas, a inflação tem mostrado menos força, a ponto de reduzirem a taxa de juros em mirabolantes 0,25 ponto percentual. Cabe perguntar se para o conjunto da população brasileira vale a pena pagar esse custo para reduzir o ritmo da inflação.

Ilustração Joana Bra sileiro
Ilustração Joana Brasileiro

Na Idade Média, era muito comum usar sangrias e sanguessugas para todos os males que afligiam a humanidade. Como o sangue “transportava” a doença, melhor era tirar o sangue. A forma como as autoridades econômicas brasileiras pensam a economia é igual: “O dinheiro é problema? Austeridade é a salvação, retire-se o dinheiro de circulação. Vamos ter uma fraqueza, mas logo todos voltarão a ter confiança de que estamos no rumo certo.”

O desemprego derruba o consumo, a taxa de juros e a incerteza derrubam o investimento privado e, o governo, com sua política de “austeridade”, derruba seus gastos e seus investimentos. Em regozijo estão apenas os do mercado financeiro, nacionais e estrangeiros. E os especialistas da vez nos pedem calma. É preciso ter muita fé nesses economistas medievais!

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