Sucateada e sofrendo com os 24 anos de gestão tucana no estado de São Paulo, a USP – Universidade de São Paulo, uma das mais importantes do país, padece e vê os seus padrões de qualidade caírem.
Diante deste cenário, o Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários “Oswald de Andrade” – CAELL USP, que representa mais de 5 mil alunos do curso de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na USP, enviou, na última semana, carta ao governador do estado em exercício, Márcio França (PSB), e ao reitor da USP, Vahan Agopyan, reivindicando melhorias no curso.
A principal solicitação dos estudantes é a contratação de docentes, já que, desde a aprovação do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária, em 2016 e o fim do Gatilho Automático de Claros (que garantia a contratação de professores em casos de desligamento como aposentadorias), o alunos sentem a falta de professores, o que faz com que algumas turmas cheguem a ter mais de 100 matriculados.
Veja a carta na íntegra:
CARTA ABERTA: UM PEDIDO DE SOCORRO DO MAIOR CURSO DE LETRAS DA AMÉRICA LATINA
Os diretores do Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários Oswald de Andrade direcionam essa carta ao Reitor da Universidade de São Paulo, ao Governador do Estado de São Paulo e a todos que se preocupam com um ensino superior de qualidade, público e gratuito.
O curso de Letras da USP está há anos passando por dificuldades em relação ao quadro de professores, que está sempre diminuindo, e ao espaço físico do prédio que não comporta a quantidade de alunos, que, por conta desse problema, não conseguem se formar.
A Universidade de São Paulo, assim como previsto na configuração de Universidade presente no Decreto nº 5.773/06 do MEC, caracteriza-se pela indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão. Assim, as contratações de docentes para as faculdades da Universidade deveriam se qualificar como Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa. Apenas este modelo de contratação garante que os docentes sejam responsáveis pelos três eixos que configuram uma Universidade. O ensino, a pesquisa e a extensão são atividades que se complementam no âmbito universitário, sendo que pesquisa e extensão garantem a qualidade e a atualização constante do ensino.
No curso de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na USP, atualmente, somos mais de 5 mil alunos. Entretanto, desde a aprovação do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária, em 2016 e o fim do Gatilho Automático de Claros (que garantia a contratação de professores em casos de desligamento como aposentadorias), o quadro de docentes nos departamentos de Letras vem diminuindo significativamente. Um dos maiores problemas, do ponto de vista do nosso curso, é o aparente desinteresse por parte da Reitoria pelas nossas necessidades particulares. O argumento contrário à abertura de claros baseia-se em uma operação irracional que divide o número total de docentes por alunos (sem levar em consideração a atuação destes docentes) e na crise orçamentária da Universidade – entretanto o Quadro de Orçamentos da USP não é atualizado desde 2016.
A habilitação em Português é oferecida para todos os alunos do curso pelo Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, que conta atualmente com mais de 100 docentes. Entretanto este ano os matriculados nas turmas de Literatura Brasileira II e IV, matérias obrigatórias do curso, foram surpreendidos com a decisão arbitrária da Reitoria em não contratar um docente, fazendo com que um número reduzido de professores assumisse estas turmas, o que fez com que algumas chegassem a ter mais de 100 matriculados. Observando-se que cada docente leciona para pelo menos duas turmas, é possível visualizar com clareza a situação de sobrecarga sobre estes professores e a diminuição da qualidade destas aulas.
Já o Departamento de Letras Modernas, responsável por habilitações como o Inglês e o Alemão, que contava com mais de 90 docentes, hoje funciona com pouco mais de 50. A situação é ainda pior quando observadas as especificadas das habilitações: o Alemão, por exemplo, que contava com 12 professores, funciona com apenas 4 docentes, sendo que anualmente inscrevem-se 80 alunos na habilitação.
Diante deste cenário, os Departamentos de Letras se veem forçados a deixar de oferecer matérias aos alunos, comprometendo e atrasando sua formação. É um efeito dominó: os alunos não se formam por não cumprirem a quantidade mínima de créditos em matérias, ficam cada vez mais tempo na graduação e as turmas ficam cada vez mais cheias, sobrecarregando os professores e diminuindo a qualidade das aulas.
O nosso prédio – recém nomeado Edifício Antonio Candido de Mello e Souza, professor emérito do nosso curso – possui apenas 3 salas que comportam 100 alunos, poucas que comportam até 80 alunos. No prédio de Letras, a falta de professores culmina em uma sobrecarga estrutural do espaço físico. Em 1988, o professor Antonio Candido publicou o texto “O Direito à Literatura”, provavelmente o mais importante em nossa formação, no qual defende que o acesso à cultura e à literatura são direitos fundamentais de todo indivíduo. Nossos formandos atuam como professores da educação básica, fundamental e superior pública nacional, pesquisam e trabalham na comunidade durante sua formação. Propiciar condições básicas para o funcionamento da Universidade pública, defender a manutenção do ensino, da pesquisa e da extensão é uma devolutiva à sociedade.
Tendo em vista que as reivindicações dos alunos de Letras têm sido, há anos, respondidas com o lamento dos responsáveis de que nada poderia ser feito a curto prazo, ao mesmo passo em que assistimos, a longo prazo, aos problemas se acumularem e agravarem, esperamos que esta carta sensibilize toda a nossa sociedade para nos ajudar a questionar essa pergunta: por que não é possível investir numa educação pública, gratuita e de qualidade, e quais consequências serão suficientemente graves para encerrar esse eterno lavar de mãos?
Deixe um comentário