Após ataques, menina de 10 anos vítima de abuso recebe apoio de manifestantes no Recife

por Thais Fonseca

A crueldade cometida contra uma menina de 10 anos, que veio à tona com a descoberta de sua gravidez, parece ter chocado menos do que o aborto autorizado pela Justiça. O caso gerou repercussão e manifestação de grupos contrários a interrupção da gestação, que não esboçaram qualquer preocupação com o estado psicológico da criança, nem revolta com a violência sofrida por um ser incapaz que encontrou no seio da sua família, em vez de proteção e cuidado, o seu agressor, um tio que a abusava desde seus seis anos de idade.

Nas redes, fundamentalistas religiosos e extremistas provocaram uma onda de protestos em que transferiram a menina da posição de vítima para assassina. Moradora do Norte do Espirito Santo, a família descobriu a gravidez, já com aproximadamente três meses, no último dia 8 de agosto.

No Recife, onde o procedimento foi realizado na tarde do último domingo, 16 de agosto, no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), Zona Norte da capital, manifestantes se aglomeraram em frente ao hospital e tentaram invadir a unidade para impedir a interrupção da gravidez, e hostilizaram o médico obstetra Olímpio Barbosa de Moraes Filho, responsável pelo procedimento. Foi preciso intervenção policial para garantir o cumprimento da determinação da Justiça para a realização do aborto.

Obstetra experiente, o médico já comandou equipe em outro caso de interrupção de gravidez de criança vítima de abuso, mas ele disse nunca ter sofrido tanta hostilidade como no caso de agora e considera assustadoras as manifestações no hospital e repercussão nas redes contra a criança capixaba. 

Manifestante feminista em apoio à criança vítima de abuso, ao lado do médico Olímpio Barbosa de Moraes Filho, responsável pela realização do aborto – Foto Pedro Caldas Ramos

Chamaram a menina de assassina também, mas felizmente ela não ouviu nada. O procedimento era feito enquanto eu sofria os ataques – declarou o médico em entrevista à Veja.

Mas, a capital pernambucana também foi palco de resistência e atos públicos a favor dos direitos da vítima. A família da criança e a equipe médica receberam apoio de manifestantes feministas, que destacaram a importância de preservar a vida da vítima (tratava-se de uma gravidez rico), além de denunciar a vulnerabilidade das crianças dentro de suas próprias casas, e o descaso do poder público em inibir e punir agressores. O ato foi promovido pela União Brasileira de Mulheres (UBM) e estudante da Universidade de Pernambuco em frente ao Cisam, na segunda-feira, um dia após a realização do procedimento médico.

A gente veio para cá para dar uma resposta contra os fundamentalistas que estavam constrangendo, hostilizando a menininha no hospital, um ato simbólico em apoio, de acolhida tanto à criança, que passou por todo esse processo trágico na sua vida, quanto ao hospital e aos profissionais de saúde – explica uma das integrantes da UMB Laleska dos Santos, 26 anos, lembrando os casos de abuso sexual no Brasil são, em grande parte, cometidos dentro de casa.

Sabemos que no país, infelizmente, a gente tem um índice altíssimo de estupro, de abuso sexual na infância, em outras idades também, e que boa parte desses casos, eles acontecem no ambiente domiciliar, né, em casa, por familiares, e que a gente precisa, nesse momento, se preocupar em acolher a vítima e combater qualquer tipo de hostilidade que ela venha a sofrer e qualquer discurso de ódio, que vem sendo propagado. E também a partir disso a gente buscar justiça, né. Que o estuprador seja encontrado, que ele seja punido, e que a gente possa, na nossa sociedade, fazer o debate que responsabilize quem de fato tem responsabilidade. A gente tem essa mania de culpar sempre as vítimas, se colocar contra – finaliza a manifestante.

Manifestantes feministas realizam ato em apoio à criança vítima de abuso – Foto Pedro Caldas Ramos

Estudante de medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco – UPE, Amanda Xavier, 25 anos, se diz chocada com os atos dos extremistas e ressalta o direito da criança a viver a infância e que não cabe contestar a decisão judicial.

Isso é uma pauta que a gente não deveria precisar mais discutir, principalmente nós como futuros médicos que vamos ser, é um direito, estava respaldado pela lei. Não tinha nada a ser questionado. A gente olha para uma criança… uma criança, ela merece ter a sua infância. Acho que é um ponto que não precisava… infelizmente, na situação do nosso país, a gente ainda precisa discutir isso. Então, a gente vai lutar e vai ser firme o quão preciso for. Eu espero que a gente como estudante consiga levar isso para nossa prática médica para que, se casos ainda como esse acontecerem, a gente não precise tirar uma criança do Espírito Santo para poder vir para outro estado para poder fazer um procedimento que é legal… judicialmente, eticamente, em todos os sentidos – declara a futura médica.

A cirurgia foi bem-sucedida e a menina e, de acordo com declaração do médico à imprensa, a criança disse estar aliviada com a interrupção da gestação.

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