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Crônica de um dia trágico em Brasília

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29 de novembro de 2016 foi um longo dia de um longo ano, um ano que parece não chegar ao fim. De Uberlândia, na noite anterior, saíram 10 ônibus com estudantes, professores, sindicalistas, sem terra, sem teto, ativistas e artistas rumo à Brasília para se juntar a dezenas de milhares de outros cidadãos no maior protesto contra a PEC55, a #PECdoFimDoMundo, já visto. Na pauta, também as lutas contra as reformas do ensino médio, da previdência, trabalhista e outras que afetam diretamente a vida de milhões de brasileiros. Na madrugada seguinte, os mesmos 61 senadores que junto a parte do judiciário e da mídia deram um golpe de estado contra uma presidenta honesta, iriam aprovar em primeiro turno uma Proposta de Emenda Constitucional que pretende criar um teto a todos os gastos primários da União por 20 anos. Mas quando chegamos, já cansados da viagem, mas animados, ainda não sabíamos de nada disso. E menos ainda da violentíssima repressão que nos esperava às portas do Congresso.

https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/448294971961052/

Ao chegarmos à capital o grupo se dividiu para várias atividades diferentes. Uns foram para o acampamento da ocupação da Universidade de Brasília. Outros para tentar ocupar um espaço da Praça dos Três Poderes onde oportunistas vendiam produtos com o rosto de um juiz embriagado pelos holofotes da mídia. E cerca de 20 professores e estudantes decidiram participar do debate Desafios da Classe Trabalhadora, promovido pela Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito – FETEC Centro Norte, com a presença de Guilherme Boulos (coordenador do MTST), Ana Julia Ribeiro (secundarista do Paraná), Graça Costa (Secretária Nacional de Reações do Trabalho da CUT) e Ricardo Berzoini (ex-ministro e ex-presidente do PT). Para alguns, foi o primeiro choque de realidade do que viria.

A líder secundarista paranaense Ana Julia Ribeiro

A líder secundarista paranaense Ana Julia Ribeiro

Mesa do debate Desafios da Classe Trabalhadora

Mesa do debate Desafios da Classe Trabalhadora

Não havia cadeiras o suficiente e vários estudantes e sem terra tiveram de sentar no chão

Não havia cadeiras o suficiente e vários estudantes e sem terra tiveram de sentar no chão

Nas falas dos debatedores e participações da plateia lotada, uma análise sensata da conjuntura atual. Ali se falou do golpe consolidado mas ainda não completado, dos erros da esquerda no poder que não fez a democratização dos meios de comunicação, do necessário enfrentamento do sistema financeiro/rentista, do futuro tenebroso que temos pela frente e do desânimo geral que vem se abatendo sobre todos nós desde a deposição da presidenta Dilma. Mas também sentimos o sopro fresco da juventude nas ocupações, os ganhos de experiência e maturidade, a solidariedade entre os movimentos, as alternativas viáveis para sair da crise sem oprimir ainda mais a maioria da população e a urgência de nos unirmos para, ganhando ou perdendo, enfrentarmos de cabeça erguida o que vem por aí. Juntos somos mais fortes e precisamos de todos para longa luta que já está nas ruas.

Tinha gente de todo o canto, inclusive vários índios

Tinha gente de todo o canto, inclusive vários índios

LGBTs também estavam em grande número

LGBTs também estavam em grande número

Saindo de lá, nas ruas, bares e lojas de Brasília, gente de todo canto com camisetas, botons, bonés e faixas de protestos ainda enroladas. O clima estava diferente da normalmente indiferente capital nacional, com seus engravatados suando de um ar condicionado para outro. Ao lado do Ministério da Educação começava a concentração para o ato que viria. Estudantes, sindicalistas, Black Blocs se revezavam para tirar fotos em frente à parede já coberta de pichações e protegida primeiro por dois e depois por vários policiais fortemente armados. Mas ali, em menor número e com as costas contra os tijolos, não esboçavam nenhuma reação contra as palavras de ordem como #NãoAcabouTemQueAcabar #QueroOFimDaPolíciaMilitar. Mais tarde, com apoio da cavalaria, viaturas e helicópteros, a história seria diferente.

Black Blocs perguntam: Onde está Rafael Braga?

Black Blocs perguntam: Onde está Rafael Braga?

Logo depois, em frente ao mesmo prédio do MEC, profissionais ligados ao Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES, organizaram uma palestra com Maria Lucia Fattorelli, auditora aposentada da Receita Federal e fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida. Uma das 30 especialistas internacionais convidadas pelo Syriza, partido de esquerda grego que venceu as últimas eleições naquele país para consultas sobre como enfrentar um dos piores programas de arrocho econômico já implantado, falou sobre o quanto a PEC 55 é ainda mais drástica, brutal e ineficiente para acabar com a crise. Longe de apenas “um remédio amargo”, como diz o governo, a proposta na verdade pretende transferir ainda mais recursos da nação para o setor financeiro internacional a um custo altíssimo para as futuras gerações.

Fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida explica a brutalidade da PEC55

Fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida explica a brutalidade da PEC55

De maneira didática, Fattorelli explicou, primeiro na rua e depois em cima de um carro de som, o processo histórico de construção da dívida pública brasileira ainda nos anos 1980, a importante participação dos governos neoliberais do PSDB durante a década de 1990 e a movimentação financeira internacional desde 2008. Nem a chuva que molhava e afastava temporariamente alguns manifestantes afetou seu discurso coeso e claro sobre a brutalidade da medida que é apenas o primeiro passo, a ser seguida pela independência do Banco Central e outras medidas, para a entrega total da política econômica nacional nas mãos de organismos preocupados apenas com a rentabilidade de seus sócios anônimos, como o Fundo Monetário Internacional. Fora do microfone, confidencia a desilusão com a “burrice” da presidenta em vetar a auditoria da dívida para tentar salvar o mandato. “Essa dívida é irreal e a auditoria poderia ter sido usada como prova para inocentar a Dilma dessa invenção de pedalada fiscal”.

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A presidenta da UNE, Carina Vitral

A presidenta da UNE, Carina Vitral

Logo à frente, já na rua que leva ao Congresso, Carina Vitral, presidenta da União Nacional dos Estudantes, tenta organizar a concentração para a marcha até o Senado. Outros grupos de estudantes e sindicalistas disputam qual faixa sairá na frente. Há várias tendências, partidos e coletivos presentes. Uma certa ansiedade e egos inflados ameaçam criar atritos. Mas no final, cada um pega sua bandeira respeitando os demais e todos seguem com suas próprias palavras de ordem. A alegria é contagiante. A chuva parou, o suor molha os corpos, os sorrisos iluminam os rostos. É difícil estimar o número de participantes. Certamente não menos de 20 mil. Alguns falam em 50 mil. A rua sem prédios colados e os amplos gramados não favorecem uma concentração linear que facilitaria o cálculo.

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Os primeiros manifestantes chegam ao espelho d’água e muitos ainda estão no asfalto, em volta dos carros de som. No meio do caminho ouço a primeira bomba e começa a correria. Corro na direção contrária e somente então vejo a barreira do Choque e logo em seguida a cavalaria já avançando sobre as pessoas. Não vi os coquetéis molotov que o Lula Marques imagina serem de infiltrados. Em minha volta apenas a incompreensão de cidadãos achando que estavam em um país democrático que respeita as manifestações populares. Infelizmente, pelo que tenho visto desde 2011, não posso me dar a esse luxo. Sei das diferenças de tratamento da polícia de manifestação para manifestação. Mas mesmo eu não esperava uma repressão tão forte.

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A população recua, se espalha e sofre. Há dezenas e dezenas de feridos por todos os lados. Gente chorando, gente desmaiando, gente sangrando. E um novo sentimento começa a aflorar: o ódio. A revolta toma conta de muitos que estavam ali para protestar pacificamente. Na impossibilidade de atacar a polícia, placas e monumentos são os alvos principais. Em meia hora não há ninguém perto do Congresso, mas a repressão não para. O céu começa a escurecer e as bombas e helicópteros já voam há mais de uma hora. Sindicalistas fogem dos carros de som atingidos pelos disparos e os meninos assumem os microfones: #MandaMaisJáEstouViciadoNesseGás!

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Não é mais possível organizar nada. Pessoas andam em círculos gritando pelos conhecidos. Ninguém mais sabe onde estão os militantes das centenas de delegações de diferentes comunidades e universidades. Não há mais música, risos ou palavras de ordem, apenas xingamentos e pedidos de ajuda para encontrar os companheiros. Começam também a circular os boatos de mortos, detidos e feridos graves nos hospitais. Mais tarde, haveria longas listas de desaparecidos. Felizmente a maior parte (como as mortes) realmente eram apenas boatos. Mas o desespero, o cansaço e as dores tomam conta de quase todos.

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E a repressão ainda não havia acabado. Mais de duas horas, agora não com o choque a pé ou a cavalaria. É a hora dos helicópteros despejarem bombas até nos estacionamentos dos ônibus e as viaturas a toda com as sirenes ligadas rodando as avenidas. O único lugar a salvo de ataques é o shopping center. Sob a árvore de natal do centro de compras, finalmente há algum descanso. Até as 22:00 grupos na praça de alimentação ainda gritavam contra o Temer e a PEC 55. Os guardinhas aflitos fecham as entradas com medo de “rolezinhos” enquanto as lanchonetes vendem seu fast food. É a paz do consumo.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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