O rapaz gritava ajoelhado: pegaram até meus documentos! Ao lado, uma adolescente ninava uma boneca abrigada do choro da chuva num posto de gasolina junto a outros 300 seres humanos varridos de sua própria existência. Quando um ser humano sofre, todos sofrem.

Imagens do desmonte da cracolândia, dia 21/5/2017, na região da Luz em São Paulo

Imagens do desmonte da cracolândia, dia 21/5/2017, na região da Luz em São Paulo
Uma criança, sabe-se lá que idade tinha, saiu ressabiada da multidão munida de um cachimbo de crack, de sua curiosidade e incumbida de uma missão: saber quem eu era. Mostrei as fotos, mas ele queria ver minha cara, meus olhos. Ali, mais vale sua intenção impressa em sua postura, seus gestos, seu olhar, do que seu discurso. Então vc é dos Diretos Humanos, afirmou a criança já voltando à multidão. Aquela autoridade portadora de duas câmeras fotográficas já não era uma ameaça pra eles.

Imagens do desmonte da cracolândia, dia 21/5/2017, na região da Luz em São Paulo
O Largo Coração de Jesus era um vazio molhado cheio de restos.
O colega fotógrafo francês que surgiu ao meu lado na chuva resumiu aquela cena trava-linguas: Tristes… Tristes… Tristes Trópicos*.

*Livro do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss escrito na década de 1930 após sua viagem ao Brasil. Mas também podia ser a música de Itamar Assumpção:
“O trópico tropica
Emaranhado no trambique
A treta frutifica
E tritura todo o pique
A trapaça trina e troa
E extrapola cada dique
O tratado é intrincado
Destratado é truque chique
O grito atravancado
Tranca até que eu petrifique
Tristes gregos e troianos
Desbragado piquenique”
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