Covid-19, 100 dias que mudarão o mundo?
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Mateus Pereira e Valdei Araujo, professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG
2ª parte
Quando interrompemos a primeira parte deste texto, estava claro que os brasileiros entrariam em isolamento para enfrentar a pandemia. Sem mais comentários, retomemos a nossa crônica-diário. (Para quem ainda não leu a primeira parte basta acessar aqui: https://jornalistaslivres.org/covid-19-100-dias-que-mudarao-o-mundo/)
77o dia – 16 de março, segunda-feira. No dia anterior Mateus voltava de sua viagem de estudos de seis meses em Bolonha, na Itália, estávamos ansiosos para nos reencontrar. O Brasil tem 15 casos de Sars-Covid-19. A imprensa cobre o ato contra o STF e o Congresso Nacional, realizado no domingo, com a presença de Bolsonaro, apesar dos riscos de contaminação. Desde o dia 11 de março repercute as contaminações de membros da comitiva da viagem do presidente aos Estados Unidos, tendo o primeiro caso sido confirmado já no dia 12. Até agora Bolsonaro não divulgou os exames que confirmariam que ele mesmo não teria sido contaminado. Ou teria o presidente se contaminado, mas se curado com o tratamento da hidroxicloroquina, por entre tantos fakes, como saber? Nesse dia, disse a respeito da pandemia, em sua peculiar linguagem fragmentada: “Foi surpreendente o que aconteceu na rua até com esse superdimensionamento. Que vai ter problema vai ter, quem é idoso, [quem] está com problema, [quem tem] alguma deficiência, mas não é tudo isso que dizem. Até a China já praticamente está acabando.”
78o dia – 17 de março. A Europa responde por 74% dos novos casos. À noite, no Brasil, pode-se ouvir o primeiro “panelaço” contra o governo de Jair Bolsonaro. Ficava pronto o livro organizado por nós (e por Bruna Stutz): “Do Fake ao fato: desatualizando Bolsonaro”. Ainda acreditávamos que faríamos lançamentos presenciais. Era uma só uma ilusão.
79o dia – 18 de março. Os jornais noticiam a primeira morte pelo vírus em São Paulo. O presidente do Senado e dois ministros de Bolsonaro testaram positivo para a Covid-19. Reportagem do site Outras Palavras perguntava: “Coronavírus impulsionará impeachment?”. Uma brasileira, diretora-assistente da OMS, afirma que os brasileiros estavam minimizando o risco do coronavírus. Médico que tratou o primeiro paciente morto no Brasil faz apelo para que pessoas fiquem em casa. O site Intercept noticia que a empresa Riachuelo mantinha funcionários em escritório mesmo com casos de coronavírus confirmados. De noite, mais panelaços contra o governo. Eles são vistos pelos autores com esperança. Reportagem do ConJur afirma que corte de jornada e salários proposto pelo governo divide advogados.
80o dia – 19 de março. Nas esquerdas aumenta a preocupação com as periferias e os mais vulneráveis durante a epidemia. A Embaixada da China no Brasil responde o deputado federal Eduardo Bolsonaro (sem partido) e filho do presidente, que acusou, no dia anterior, o país asiático de omitir informações sobre a pandemia: “As suas palavras são extremamente irresponsáveis e nos soam familiares. Não deixam de ser uma imitação dos seus queridos amigos. Ao voltar de Miami, contraiu, infelizmente, vírus mental, que está infectando a amizades entre os nossos povos”. Economistas apontavam para o risco de depressão e do aumento da pobreza em função da pandemia. Alguns argumentos diziam que o Brasil estava a cerca de dez dias atrás da Itália no ritmo da epidemia.
83o dia – 22 de março. No dia anterior marcamos um churrasco para nos encontrarmos, isto depois de muito debate, Valdei tem histórico de asma e não sabe ainda se está no grupo risco. Na manhã deste domingo Mateus acorda com tosse, fadiga e febre: churrasco e reencontro adiados sem data. De noite, após ter áudio de conversa em Whastsup vazada em que chamava de histéricas as preocupações com a epidemia, o empresário Roberto Justus sofre com protestos no Twitter e em outras redes sociais. Alinha-se com outros empresários bolsonaristas que argumentavam na mesma direção, como os donos da Madero, Havan e Riachuelo.
84o dia – 23 de março, segunda-feira. Boris Johnson reconhece a gravidade da crise no Reino Unido e muda o discurso e as ações que vinha adotando. Em 3 de março, em entrevista, se gabava de continuar a apertar as mãos da vítimas da Covid-19.
85o dia – 24 de março. Ao mesmo tempo que Bolsonaro recua na medida provisória sobre o corte de salários, o Banco Central libera mais de 1 trilhão de reais para os bancos. Reportagens denunciam que o empresário, dono da Madeiro, afirma que a economia não pode parar em função de 5 ou 7 mil mortes. Renda Familiar de Emergência era anunciada na Argentina. Bolsonaro fez um pronunciamento que difere em substância de seus dois anteriores, nos dias 6 e 12 de março. No fatídico discurso de 24 de março, o presidente minimiza a doença, criticando as medidas de isolamento. Apesar de breves elogios ao ministro da Saúde, faz apelos para que as pessoas voltem à normalidade, contrariando o próprio ministro. Critica o que ele denominou de histeria da imprensa, argumentando que o caso da Itália só seguiu os rumos que conhecemos, pelo elevado número de idosos do país, além do seu clima frio, e que, portanto, não poderia servir de exemplo ao Brasil. Questiona o fechamento de escolas e sugere que apenas pessoas do grupo de risco deviam se confinar. Critica duramente os governadores de estados, os quais acusa de estarem levando a economia ao colapso. Nomeia os efeitos do Coronavírus de “gripezinha”, se vangloria de seu histórico de atleta e ainda especula sobre o tratamento com a hidroxicloroquina. Mais panelaços durante o pronunciamento. E muitas reações imediatas, inclusive do presidente do Senado, que pede liderança séria para lidar com a crise. O premiê do Japão pede o adiamento dos jogos olímpicos de Tóquio por um ano. Médica e enfermeira do SUS de Ouro Preto faz visita domiciliar a Mateus para avaliar se o caso era suspeito de Covid-19. OMS vê potencial para que os EUA se tornem o novo epicentro da crise.
86o dia – 25 de março. Outra enfermeira da cidade de Ouro Preto recolhe três amostras, nas narinas e na garganta de Mateus. O exame é enviado para a Fundação Ezequiel Dias em Belo Horizonte, Minas Gerais. Neste dia, 25 de março, a febre cede.
87o dia – Em 26 de março, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos afirma que a ultra-direita fracassa no combate ao vírus. Ao mesmo tempo, pesquisa do instituto Gallup indica que a provação de Trump subia para o maior nível do seu mandato. Mais de 1.000 mortos nos EUA pelo coronavírus. A epidemia avança na Espanha, com mais de 4.000 mortos e 56 mil casos confirmados. Na América Latina, medidas rígidas são adotadas pela maiorias dos governos. Para Trump a Covid-19 ainda é como uma gripe e os casos nos EUA estavam caindo.
88o dia – 27 de março. Bolsonaro lança campanha publicitária com o slogan #OBrasilNãoPodeParar e o site Intercep mostra que há certa adesão social a esse discurso. A OMS afirma que a evolução da pandemia na África é gravíssima. Nos chegam relatos de que em condomínios de luxo em bairros nobres de Vitória ( ES) os cuidados com o vírus são minuciosos, com funcionários, não dispensados, higienizando três vezes ao dia os espaços comuns. Na tarde dessa sexta-feira, alguns moradores desses prédios devem ter se juntado à carreata que no final da tarde pedia a reabertura do comércio em Vitória e Vila Velha, #OBrasilNãoPodeParar. O papa Francisco produz uma das imagens mais icônicas ao caminhar pela Praça de São Pedro vazia, levava consigo um crucifixo que a tradição diz ter salvado a cidade de Roma da peste negra em 1522.
89o dia – 28 de março. A manchete de um jornal português sintetiza a preocupação do país com o alastramento do vírus: “Covid-19 em Portugal. A caminho do desconhecido e a tentar atrasar o passo”. Uma manchete, uma síntese, uma constatação: a de que vivemos um momento em que atrasar o passo pode ser mais prudente do que a chegada rápida a um certo futuro. Mas quem decide como e quanto atrasar? Quem paga a conta? Questões da boa e velha política.
90o dia – 29 de março. A manchete da Folha afirma que moradores passam fome nas favelas e começam a sair às ruas. Trump agora refere-se “a gripe” como pandemia e prolonga o isolamento nos EUA. Ele se diz preocupado: “Eu só via essas coisas em países distantes, nunca no nosso”. Enquanto isso, Bolsonaro passeava pelas ruas do Distrito Federal estimulando as pessoas a irem às ruas. Em decisão inédita, as postagens com os vídeos do presidente foram removidos de sua conta pelo Twitter no mesmo dia. Nesse momento, as declarações de Bolsonaro passam a se distanciar um pouco das de Trump, embora o repertório comum seja vasto. Continua a se contrapor à maioria dos prefeitos e governadores do país, bem como ao seu ministro da Saúde, que reforçava as políticas de isolamento.
91o dia – 30 de março, segunda-feira. O Parlamento Húngaro, sob justificativa de combater o coronavírus, dá poderes quase ilimitados ao primeiro-ministro Viktor Orbán, dentre eles, a possibilidade de censura.
92o dia – 31 de março. Os ministros da Justiça e Economia se opõem a Bolsonaro e apoiam o ministro da Saúde. O isolamento social é respeitado por 60% das pessoas no Brasil, mostra software. Quinze estados brasileiros usam a tecnologia que mapeia comportamento individual através de sinais de dispositivo de rede sem fio. O site O antagonista resume o novo pronunciamento do presidente da seguinte forma: “Jair Murphy Bolsonaro. Se algo pode dar errado, é porque vai dar errado”. Vice-presidente exalta Ditadura Militar (1964-1985) no dia do aniversário do golpe de Estado de 31 de março de 1964. Os autores passam o dia envolvidos com a campanha #DitaduraNuncaMais. Mateus continua com febre e tosse. Ainda sem resultado do exame.
93o dia – 01 de abril. Às 7h45 a Prefeitura de Mariana confirma a primeira morte pelo covid-19 na cidade, um homem de 44 anos, sem comorbidades e com provável contaminação local. Não sem alguma ironia, a Folha noticia que no pronunciamento do dia anterior o presidente teria mudado o tom buscando a conciliação. Dia da mentira? Ele e seu grupo político continuam a guerra de desinformação contra o seu próprio ministério da Saúde. O país já registra 42 mortes. Bolsonaro compartilha vídeo falso a fim de sugerir que o isolamento social pode gerar uma crise de desabastecimento. Depois que a farsa foi denunciada ele pede desculpas, gesto raríssimo que talvez demonstre o quanto se sente isolado. Como muitos estudiosos diziam: a luta é contra a pandemia e a infodemia, ao mesmo tempo. As notícias falsas e o vírus competem para ver quem viraliza mais, isto é, quem sofre mais mutações atualizantes.
94o dia – 2 de abril. As notícias sobre subnotificação ganham as manchetes. Governo anuncia redução e suspensão de salários durante a pandemia. O jornal El País afirma que o Brasil tem sido preterido por fornecedores para obter material médico contra o coronavírus. Usar ou não usar as máscaras? Eis a questão?
95o dia – 3 de abril. Os casos globais chegam a 1 milhão. No Brasil, Bolsonaro continua em rota de colisão com o seu ministro da Saúde. Equador entra em colapso sanitário. O país tem a oitava população do continente, mas já registrava o segundo maior número de mortes. Covid-19 acaba com 10 milhões de empregos nos EUA. Profissionais da saúde no Brasil denunciam a precarização das condições de trabalho em tempos de pandemia. O bolsonarismo dissemina diversas narrativas eficazes, em especial, entre a população evangélica. O ministro da Saúde, Mandetta, é o principal alvo das milícias digitais: Quantos são robôs? Quem financia? Qual o papel da leniência de Facebook, Twitter e Google com essas práticas? É divulgada uma pesquisa feita com dados do Twitter do dia 15 de março, quando a #BolsonaroDay subiu, apontando que 55% das postagem nessa hashtag haviam sido feitas por robôs. O Judiciário e o Legislativo assistem a tudo impassíveis: bilontras ou bestializados?
96o dia – 4 de abril. Todas as chamadas da primeira página da Folha são dedicadas à pandemia, sem exceção. Chega em nosso Zap, enviado por uma amiga do Rio Grande do Norte, um áudio convocando para o jejum e oração do domingo que começava pedindo a “proibição e criminalização do socialismo, comunismo e marxismo cultura dentro do Brasil”. A atriz (?) continuava sua fala – com um sotaque nordestino genérico – pedindo a destruição do Foro de São Paulo, que estaria por trás da grande conspiração para quebrar o Brasil, e explicava: “A China comprou a Itália, com isso, no fim do ano a Itália ficou cheia de jovens chineses que cuspiam e tossiam em tudo para espalhar o vírus”. Continua: “A Itália tem 30% de velhos e é fria, por isso houve aquela matança generalizada. O vírus só gosta de frio, segundo, a cloroquina está sendo muito eficaz na cura da Covid-19, os governos estaduais de esquerda estão usando a quarentena para quebrar o Brasil, com o país parado, com demissões em massa, o povo vai ficar sem dinheiro e com fome, a Europa pode fazer quarentena por ter lastro da moeda em Ouro, a do Brasil não, esse é o plano dos comunistas para tomar o poder no Brasil, estão soltando presos. Tudo isso para levar ao impeachment de Bolsonaro, mas se ele cair, o Mourão não vai poder assumir, porque houve uma PEC37 em 2019 que vetaria, haveria nova eleição e Ciro Gomes – que está sendo financiado pelo governo Chinês, pois o país asiático quer comprar todas a empresas brasileiras a preço de banana. A assim, o Brasil se torna socialista”. Um certo desespero de professor: como se combate esse tipo de narrativa? Podemos descobrir a cura para a pandemia, mas a infodemia será o novo normal?
97o dia – 5 de abril. Bolsonaro e apoiadores fazem jejum religioso contra o novo coronavírus – e o plano comunista para dominar o Brasil. Olavo de Carvalho, guru do presidente, defende em seu perfil no Facebook a demissão de Mandetta usando um desrespeitoso trocadilho: “Fora, ministro Punhetta”. O ministro seria o “exemplo típico do que acontece quando um governo escolhe seus altos funcionários por puros ‘critérios técnicos’, sem levar em conta a sua fidelidade ideológica”. O guro do governo ainda afirma que “tudo o que os comunistas mais desejam é que o adversário tente vencê-los fugindo da briga ideológica”.
98o dia – 6 de abril, segunda-feira. A imprensa internacional anuncia o agravamento da situação de saúde de Boris Johnson, premier britânico da nova direita global que, inicialmente, fez coro com os que minimizam os efeitos da pandemia. O pensador indígena brasileiro, Ailton Krenak, afirma que “voltar ao normal seria como se converter ao negacionismo e aceitar que a Terra é plana. Que devemos seguir nos devorando”. O ministro Mandetta quase cai ao longo do dia. Um amigo envia um e-mail no fim da noite: “Estamos sendo atualizados no papel de transmissores passivos de vírus, sem alma e sem coração”. Em função da pressão de Bolsonaro, o Ministério da Saúde adotará na próxima semana a arriscada estratégia do distanciamento social ampliado, isto é, reduzir o isolamento em cidades e estados com 50% da capacidade de saúde vaga. Fato que, segundo o próprio Ministério, aumentará o número de infectados. Finalmente, a OMS divulga um documento sobre o uso das máscaras, que tinham ido do inferno ao céu, durante a pandemia. No mesmo dia, uma reportagem afirmava: “Mortes por coronavírus se concentram em poucas cidades no mundo: Nova York tem 29% dos mortos pela Covid-19 nos EUA e se tornou o epicentro da doença. São Paulo reúne 40% dos óbitos do Brasil”. São Paulo estará a caminho de ser um epicentro global?
99o dia – 7 de abril. Estimativas apontam para o fato de que a pandemia iria elevar em até 22 mil as pessoas em condições de extrema pobreza na América Latina. Na África, os casos confirmados passam de 10 mil. A maioria dos 54 países já havia tido um caso. A África do Sul, o país mais atingido, já tinha 1.700 doentes. Brasil tem 114 mortes por coronavírus em 24h, a maior cifra em um dia. O total de mortes chega a 667. O Datafolha divulga pesquisa mostrando que 28% dos brasileiros não fazem isolamento, uma porcentagem parecida com o apoio quase incondicional do presidente: as narrativas do zap estariam funcionando? Ao mesmo tempo, a Folha afirma que o remédio defendido pelo governo pode não ser a salvação esperada por muitos bolsonaristas: “Taxa de mortes com cloroquina equivale à de quem não usa, diz estudo preliminar da Fiocruz”. O Whatsapp limita o envio de mensagens para combater a infodemia: todos se perguntam se o limite vale também para os robôs e empresas de impulsionamento? Morre de covid-19 o pastor norte-americano Landon Spradlin, que ficou famoso por chamar a pandemia de histeria. Nova York tem mais mortes por covid-19 do que no 11 de setembro. Os EUA lideram o número de casos no mundo, sendo que registraram o maior número de mortes por coronavírus em um único dia, com mais de 1.800 mortes. No Twitter, Trump ataca a OMS e a China. O site O antagonista registra que por razões econômicas o presidente da Turquia, “Erdogan, rejeita o isolamento, e o vírus avança na Turquia”. “Erdogan tem resistido aos apelos dos médicos e da oposição para que ordene às pessoas a permanência em casa – ele insiste que ‘as rodas da economia precisam continuar girando’”. No Twitter, Bolsonaro envia votos de recuperação a Boris Johnson. A CEF libera aplicativo para pedidos do apoio de 600 reais aprovado pelo Congresso.
100o dia – Dia 8 de abril, agora. A cidade que foi o epicentro original, Wuhan, recebe de presente sua “liberdade”. Depois de 11 semanas, 76 dias, o bloqueio da cidade chega ao fim. Há receios, no entanto, de ondas de recontaminação na China. The Guardian: “Cidade chinesa de Wuhan reabre quando Boris Johnson passa a segunda noite em terapia intensiva”. Casos globais atingem 1,4 milhão de pessoas. O teste feito por Mateus ainda não está pronto, mas a recuperação é visível. Valdei segue em isolamento em Padre Viegas, distrito de Mariana, cidade em que as mineradoras não pararam suas atividades. A cada dia ônibus repletos de trabalhadores circulam entre as minas e os bairros e distritos. Quem pode imaginar como serão os próximos 100 dias? O Globo noticia que o pacote de 600 reais de ajuda exclui 21 milhöes de trabalhadores necessitados.
Deixemos para a próxima coluna, para não nos alongar mais, a pausa reflexiva para pensarmos nas respostas às muitas perguntas que esses 100 dias deixam em aberto. Até breve! Fiquem em casa!
[1] Professores de História na UFOP, em Mariana.
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Geral
O caso Mariana Ferrer, por Honoré de Balzac
Enfim, “de todas as mercadorias deste mundo, a mais cara é sem dúvida a justiça”.
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07/11/20O caso Mariana Ferrer por Honoré de Balzac
Por Dirce Waltrick do Amarante*
Quando o escritor francês Honoré de Balzac teve acesso ao vídeo da audiência de Mariana Ferrer, ele decidiu escrever o Código dos homens honestos, isso nos idos de 1875, mas só agora estou tornando públicas suas palavras, que estavam sob segredo de justiça.
Em uma análise bastante rigorosa, Balzac lembra, em primeiro lugar, que sabemos perfeitamente bem que “em princípio, ficou estabelecido que a justiça seria para todos, mas […]” . A tradução é de Léa Novaes, pois Balzac tinha dificuldade em escrever em português.
Dito isso, ele fala da figura do procurador. Em tempos idos, diz Balzac, os procuradores “levavam tão a sério o interesse de um cliente que chegavam a morrer por eles”. Além disso, eles “nunca frequentavam a sociedade”, e se a frequentassem eram vistos como “monstros”, mas hoje, “hoje tudo está monetarizado: já não se diz que Fulano foi nomeado procurador-geral, vai defender os interesses de sua província […]. Não, nada disso; o senhor Fulano acaba de conquistar um belo posto, procurador-geral, o que equivale a honorários de vinte mil francos […]”.
Balzac ia falar da figura do juiz e do defensor público, mas depois de tudo que assistiu ficou sem as palavras justas para descrevê-los.
Então, o escritor francês decidiu se debruçar sobre o papel do advogado, que “frequenta bailes, festas […] despreza tudo o que não é elegante”. E, diz Balzac, “Justiça seja feita aos advogados […]! São os decanos, os chefes, os santos, os deuses da arte de fazer fortuna com rapidez e com uma sagacidade que os torna merecedores de muitos elogios”.
Enfim, “de todas as mercadorias deste mundo, a mais cara é sem dúvida a justiça”.
Não citei na íntegra o texto do Balzac, porque foram esses os únicos fragmentos aos quais tive acesso, os outros foram apagados.
*Formada em Direito, em 1992, na Universidade Federal de Santa Catarina
Geral
O show de Trump: renovação ou cancelamento?
A eleição nos EUA e o destino da democracia na condição atualista
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06/11/20por
Aloisio MoraisNos EUA voto popular não significa vitória. Biden terá mais votos do que Trump e ainda assim o resultado da eleição continuará indefinido por algum tempo. Apesar dos descalabros que marcaram a gestão Trump antes e durante a pandemia, o seu desempenho na atual corrida eleitoral será muito forte.
Mateus Pereira, Valdei Araujo e Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG
A disputa está sendo muito mais acirrada do que era inicialmente previsto pela maior parte dos institutos de pesquisa e da mídia americana, embora a cautela e o medo nunca deixaram de estar presentes. Sob esse ponto de vista, as eleições deste ano são como uma repetição do que vimos em 2016, ainda que o resultado possa ser a derrota eleitoral para Trump. Em 2016 foram os democratas que denunciaram a interferência russa, agora é o presidente-agitador que se apressa em questionar a legitimidade do pleito, sem mostrar nenhuma prova. Sabemos que no ambiente do atualismo provas têm como base apenas convicções.
Um sistema eleitoral que sobreviveu por séculos, sem grandes mudanças, pode ter se tornado obsoleto desde a eleição de Bush, em 2000. Um lembrete do possível declínio da democracia americana: das últimas oito eleições presidenciais desde 1992, os democratas venceram no voto popular as últimas sete, mas em apenas quatro ocasiões ganharam o colégio eleitoral e fizeram o presidente.

Acreditamos que as eleições nos EUA são um exemplo do confronto entre duas estratégias e duas concepções sobre fazer política: de um lado, Trump e sua promessa de eterna atualização da atualidade em modo nostálgico; e Biden, com sua aposta moderada no cansaço na agitação atualista que seu adversário republicano encarna e radicaliza, e a retomada da política em moldes liberais. Essa retomada é feita sem uma crítica efetiva ao modelo neoliberal abraçado pela cúpula do partido democrata. Uma aposta radical, como Sanders, teria se saído melhor? É difícil dizer, mas tudo leva a crer que não, tendo em vista o complicado xadrez do voto estado a estado.
A escolha entre as duas estratégias/concepções se mostrou muito mais difícil e apertada do que se imaginava. A tal “onda azul” anunciada por parte da imprensa estadunidense esteve longe de acontecer. De fato, Trump se mostrou eleitoralmente muito mais forte do que os analistas supunham. Considerando que esta não é a primeira vez que os institutos de pesquisa falharam em captar esse movimento no eleitorado americano, e considerando também que fenômeno semelhante ocorreu no Brasil em 2018, coloca-se a questão de saber se as tradicionais pesquisas de opinião tornaram-se de alguma forma obsoletas em um mundo atualista. Esse quadro muda pouco, mesmo com uma eventual vitória de Biden ou pior, com uma inconveniente reeleição de Trump.
São vários fatores que devem ser considerados para avaliar essa questão. Os próprios institutos se apressaram a ensaiar algumas explicações ao público. O diretor da Trafalgar Group, Robert Cahaly, afirmou que muitos eleitores “esconderam”, como já havia acontecido, sua preferência por Trump por algum receio ou constrangimento social.[1] Não podemos desconsiderar algum tipo de boicote/sabotagem dos eleitores republicanos, já que na retórica do trumpismo as pesquisas de opinião fazem parte da mídia vendida. Outros recorreram à justificativa de que as pesquisas anteriores representavam apenas fotografias do momento específico em que as entrevistas foram feitas, e não o que se poderia esperar na eleição propriamente dita. Isso poderia ter sido de fato observado pela tendência de redução da vantagem de Biden nos últimos 15 dias. Afinal, o episódio da contaminação de Trump e sua rápida recuperação pode ter tido um saldo positivo, ao menos na mobilização de sua base, como já havíamos especulado em coluna anterior.
Aceite-se ou não essas justificativas, fato é que os institutos de pesquisa sairão dessas eleições com sua credibilidade e imagem pública mais arranhadas, sobretudo diante das especificidades do sistema eleitoral americano. Como afirmamos, muitos fatores concorrem para esse desgaste. Um deles está relacionado à condição atualista que caracteriza o nosso presente e como cada um dos candidatos se coloca frente a tal condição.

Trump é um político bastante sintonizado com o ambiente da comunicação atualista onde as provas dispensam comprovação factual. Seja nas redes sociais, seja em seus concorridos comícios, o presidente se revela um comunicador difícil de ser batido. Dentre os aspectos associados à condição atualista, destacamos a intensidade e velocidade sem precedentes do fluxo de notícias, em detrimento dos protocolos de verificação e checagem da informação veiculada. Esse ambiente infodêmico[2] é particularmente fértil para a produção de desinformação e sua disseminação como misinformação.[3] Além das informações imprecisas, para não dizer apenas falsas, que a infodemia trumpista ajuda a difundir, é preciso levar em consideração a agitação/ativação que produz. É como se a oposição se agitasse confusamente e a base trumpista se ativasse a cada um de seus comentários polêmicos. Assim, o uso constante das redes sociais para disseminar fake news ou comentários faz com que, seja de modo positivo ou negativo, o presidente esteja sempre no foco da mídia. O acúmulo de notícias sobre suas falas ou atos inconsequentes faz com que seja difícil recuperar qual foi o absurdo dito ou feito na semana anterior. Na condição atualista há um valor excepcional em estar mais atualizado (e exposto) que o seu adversário.
Ainda assim, a manipulação das fake news como ferramenta política supõe uma linguagem organizada para se tornar eficaz. Essa afirmação pode soar chocante à primeira vista: como podemos atribuir coerência a um discurso fundamentado em desinformação e que frequentemente e sem o menor pudor afirma hoje o contrário do que disse ontem, como o exemplo do uso de máscaras na pandemia?[4] O ponto aqui é que a condição atualista coloca muitos obstáculos para que o passado, mesmo o mais recente, seja trazido à reflexão. Assim, quando confrontados com suas próprias contradições, políticos atualistas como Trump e Bolsonaro simplesmente atualizam suas narrativas e afirmações quando as anteriores se tornam insustentáveis. Com muita frequência, os seus discursos mudam em função da conveniência da atualidade, sem a mínima necessidade de se prestar conta da contradição com o que eles mesmos diziam no dia anterior.
Essa estrutura atualista do discurso político só se torna eficaz, porém, no interior de uma linguagem organizada e facilmente identificável pelo público que a compartilha, no interior de uma condição material de reorganização do mundo do trabalho e do capital. A crise de 2008, concentração de renda, neoliberalismo, capitalismo de vigilância e a formação do atual “precariado” são elementos, dentre outros, fundamentais para entender a emergência de líderes que governam e são eleitos por pequenas maiorias mobilizadas pela historicidade e ideologia atualista. Só assim podemos entender a força de Trump na eleição independente do resultado final, ainda que sua derrota interesse a todos os democratas do mundo.

Trump lança mão de artifícios retóricos quando confrontado com suas afirmações evidentemente baseadas em mentiras e contradições, de tal maneira que ele consegue, mesmo em tais situações, transmitir e reforçar o código entre o seu público. O código se estrutura em uma lógica antagonista, na qual o portador é sempre vítima de perseguição por parte do establishment e da imprensa vendida para a “esquerda corrupta” ou as corporações globalistas.
O ponto principal a ser considerado é que para ser politicamente eficaz não é necessário que o código seja compartilhado por todos; mas que seja continuamente ativado junto aqueles que já o compartilham. Por mais que esteja sustentado em desinformações, o fato é que o código é bastante poderoso na ativação de afetos políticos centrais como o medo, ódio e ansiedade, vetores de forte engajamento e agitação política que Trump e Bolsonaro sabem tão bem promover.
O sucesso dessa estratégia se coaduna com a popularização das redes sociais e dos smartphones, bem como das novas tecnologias de processamento de dados manipulados para fins políticos. Nesse contexto, tornou-se possível criar e difundir mensagens sob medida para cada tipo de público, cada indivíduo ou grupo formula suas próprias percepções sobre o mundo a partir de narrativas (códigos) que não mais precisam ser expostos publicamente a todos para serem eficazes. Após alguns reconhecimentos iniciais, os algoritmos se encarregam de abastecer-nos das notícias que nos mobilizam, sempre com o mesmo teor e formato. Reforça-se, assim, o fenômeno das “bolhas”.[5] Esses códigos podem circular de forma subterrânea, de tal modo que o que parece absurdo e chocante para uns, é perfeitamente aceitável e normalizado para outros.
Esse ambiente de circulação de notícias e códigos é condizente com a ordem atualista de nosso tempo e, ao nosso ver, é um fator importante a ser considerado no desempenho surpreendente de Trump nestas eleições. E um dos preços a se pagar para tal sucesso é a radicalização do clima de agitação que tem marcado a nossa época. Esse quadro tem resultado inclusive em distúrbios psicológicos cada vez mais comuns, como o “transtorno do estresse eleitoral”, que segundo estimativas afeta sete em cada dez cidadãos estadunidenses.[6]

Os políticos atualistas claramente não se importam em pagar esse preço, na verdade eles têm lucrado com isso. Mas, ao fim e ao cabo, eles não podem evitar completamente os efeitos colaterais de suas apostas. Agitação e dispersão geram também cansaço no eleitorado. Biden e os democratas tomaram esse efeito como vetor de suas estratégias para estas eleições. Frente à irrefreável agitação de Trump, Biden se vendeu como a opção mais “centrista”, de moderação e convergência. A divergência entre as duas estratégias foi mais uma vez demonstrada logo após o fechamento da votação: enquanto Trump se apressou em declarar-se vencedor e dizer que irá judicializar a eleição em caso de derrota, Biden classificou tal postura como “ultrajante” e pregou calma aos seus apoiadores[7].
Mesmo que a vitória do democrata seja confirmada, é inegável que o preço desse lance foi bastante alto. A imprensa americana noticiou como parcelas importantes do eleitorado negro, que o próprio Biden afirmou ser “a chave para a vitória”, relataram estarem pouco motivados a votarem no candidato democrata.[8] O mesmo ocorreu entre parte do eleitorado hispânico, em especial na Flórida e no Texas. O conservadorismo nos costumes, a adesão a denominações evangélicas que tem crescido entre hispânicos e a tradição anticomunista dos cubanos, e agora também venezuelanos, na Flórida, são fenômenos a serem considerados. Enquanto fechamos essa coluna Trump ainda lidera na Pensilvânia, estado no qual o operariado branco migrou dos democratas para o trumpismo. No último debate, Biden acabou por reconhecer que teria que acabar com a exploração do altamente poluente gás de xisto, o que foi imediatamente explorado por Trump: “Eis uma declaração importante”, ironizou o presidente. Caso perca por margem apertada na Pensilvânia, onde os trabalhadores dessa indústria são amplamente sensíveis ao tema, talvez essa declaração tenha custado a eleição.
Para entender melhor essas flutuações teríamos que fazer algo pouco praticado durante a campanha, uma avaliação retrospectiva fundada em boa informação acerca das políticas públicas implementadas por democratas e republicanos, em especial nos governos Obama e Trump. O apoio ao republicano não é apenas resultado da mágica da comunicação, deriva também da tibieza das políticas democratas e dos acertos de Trump. Reforma do sistema criminal, política externa menos intervencionista, foco na economia e na criação de empregos, com bons resultados, ao menos até a pandemia.
A decisão das eleições primárias do Partido Democrata em nomear um candidato “centrista” para concorrer nessas eleições – ao contrário de uma opção mais radical do populismo de esquerda como Bernie Sanders – foi importante para unificar o partido (em especial o seu establishment) e angariar o apoio do eleitorado “cansado” da agitação radicalizada. Por outro lado, a figura moderada de Biden não se mostrou capaz de promover um grau de engajamento e mobilização do público à altura do seu adversário agitador, nem está claro ainda se seu discurso de união nacional conseguiu atrair eleitores de Trump. Essa diferença é importante em um contexto onde o voto não é obrigatório e, no caso particular das eleições deste ano, ainda mais desencorajado pela pandemia do coronavírus.
Mesmo assim, a moderação pode ter sido eficaz para para derrotar a agitação, mas não para desativá-la. E ainda não podemos assegurar como os EUA sairá dessas eleições, pois Trump continua sendo quem é. Há ainda o risco de o agitador perder e não aceitar sair, e as consequências disso poderão ser catastróficas. E mesmo que ele saia, o trumpismo – o negacionismo, o anti-esquerdismo, o desejo de retorno a um passado glorioso e mítico – ainda permanecerá em parcelas consideráveis da população.

O que tudo isso ensina para o campo democrático brasileiro, que tem de enfrentar a sua própria versão de agitador atualista? Desde o início da votação nos EUA, Bolsonaro disparou freneticamente uma série de tweets ressoando as alegações infundadas de seu ídolo sobre as eleições serem “fraudadas” a favor dos democratas, o que seria um risco para a “liberdade” e para o Brasil. Afinal, nosso agitador atualista tupiniquim sabe bem que a permanência de Trump é uma força de sustentação fundamental para ele. As relações entre EUA e Brasil deixaram de ser uma relação entre Estados, mas sim uma relação de “amizade” (leia-se emulação e, do nosso ponto de vista, subserviência) entre os chefes de turno da Casa Branca e do Palácio do Planalto.
Assim, e seguindo o estilo atualista de fazer política, Bolsonaro ressoa as afirmações sem fundamento de Trump, sem se preocupar com a veracidade e desprezando o princípio diplomático básico da impessoalidade. Mas Bolsonaro também tem seu próprio código “alternativo”, cujo enfrentamento é a tarefa prioritária das forças democráticas no Brasil, que deverá avaliar e tomar suas próprias escolhas para vencer o confronto. Assim como o trumpismo, nos Estados Unidos, o bolsonarismo é um fenômeno que não necessariamente depende da permanência de Bolsonaro no poder: ele mobiliza parcelas consideráveis da população através de seus discursos, que defendem o conservadorismo nos costumes, o liberalismo na economia, a luta contra “o sistema”, a religião e a admiração pelo militarismo.
Será que a aposta moderada e centrista será suficiente para derrotar o bolsonarismo aqui? Mesmo que por pouco? Ou, em nosso contexto particular, faz-se necessário redobrar a aposta na radicalização pela via da esquerda? Mesmo que a vitória de Biden seja confirmada, ainda não está claro qual das duas vias parece a mais indicada para o Brasil. Enfim, tudo indica um destino trágico da democracia liberal de “pequenas maiorias” em tempos de agitação atualista. Sem negar a nossa atual realidade, cabe a nós pensar e imaginar alternativas, por mais difícil que pareça ser em nosso atual nevoeiro e impregnados por uma sensação de asfixia. Além disso, a lentidão com que a apuração avança em alguns estados decisivos promete nos deixar hipnotizados pelos mapas eleitorais na expectativa da atualização decisiva.
(*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Ambos são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto, em Mariana (MG). Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição. Agradecemos à Márcia Motta e ao grupo Proprietas pelo apoio e interlocução nesse projeto.
[1] https://noticias.uol.com.br/colunas/thais-oyama/2020/11/04/o-eleitor-oculto-de-trump-e-o-novo-erro-dos-institutos-de-pesquisa.htm
[2] PEREIRA, Mateus; MARQUES, Mayra; ARAUJO, Valdei. Almanaque da COVID-19: 150 dias para não esquecer, ou a história do encontro entre um presidente fake e um vírus real. Vitória: Editora Milfontes, 2020.
[3] Usamos aqui um neologismo para dar conta da diferença que em inglês é mais clara entre a produção deliberada de notícias falsas (disinformation) e sua disseminação involuntária (misinformation).
[4] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/07/20/trump-muda-discurso-e-agora-diz-que-usar-mascara-e-patriotico.htm
[5] EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algorítimos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019.
[6] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/10/quase-sete-em-cada-dez-americanos-relatam-transtorno-do-estresse-eleitoral.shtml
[7] https://br.noticias.yahoo.com/em-pronunciamentos-biden-prega-calma-e-trump-faz-acusacao-de-roubo-065922289.html
[8] https://www.aljazeera.com/news/2020/9/12/biden-battles-trump-lack-of-enthusiasm-among-black-voters
Feminismo
Que tal ajudar Mariana Ferrer a obter Justiça?
Não basta lacrar. Um chamamento a todas as feministas e a todas as mulheres para que enfrentemos a misoginia dos tribunais brasileiros
Publicadoo
5 anos atrásem
05/11/20A reportagem do Intercept Brasil sobre a denúncia de estupro da influencer Mariana Ferrer tornou-se viral nas redes. Sob o título JULGAMENTO DE INFLUENCER MARIANA FERRER TERMINA COM SENTENÇA INÉDITA DE ‘ESTUPRO CULPOSO’ E ADVOGADO HUMILHANDO JOVEM, o texto da repórter Schirlei Alves serviu de base para milhares e milhares de postagens sobre a excrescência jurídica que teria embasado a absolvição do empresário André de Camargo Aranha. Até as 15h30 de ontem (4/11), o Google devolvia 781.000 resultados, quando se procurava pela expressão “estupro culposo”. Memes, charges, textões e textinhos foram produzidos em escala industrial para provar que um estuprador havia conseguido sentença absolutória graças a uma invencionice jurídica obrada pela Justiça, com vistas a proteger um macho branco, amigo de poderosos e, ele mesmo, “filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, que já representou a rede Globo em processos judiciais”, segundo a reportagem do Intercept.
Lida toda a sentença de 51 páginas do juiz do caso, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, entretanto, constata-se que, em nenhum momento da sentença é dito que houve “estupro culposo” contra a jovem. Ao contrário, é dito que não existe essa tipificação e que o estupro é necessariamente doloso. Portanto, está errada a formulação do título do Intercept Brasil.
Está tão errada que o próprio site The Intercept Brasil foi obrigado, às 21h54, nada menos do que 19 horas e 50 minutos depois de publicada a história, a fazer uma “atualização” que diz assim:
“A expressão ‘estupro culposo’ foi usada pelo Intercept para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. O artíficio é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo.”
O Intercept faz como a música de Tom Zé: “Eu tô te explicando pra te confundir. Eu tô te confundindo pra te esclarecer.” Uma explicação que confunde. E, sim, o Intercept disse que a sentença inédita baseou-se no “estupro culposo”.
É só ler o título indigitado de novo:
JULGAMENTO DE INFLUENCER MARIANA FERRER TERMINA COM SENTENÇA INÉDITA DE ‘ESTUPRO CULPOSO’ E ADVOGADO HUMILHANDO JOVEM
Com as redes ajudando a espalhar a bobagem, todo mundo louco atrás de cliques, de “bombar”, da lacração, poucos deram-se ao trabalho de ler a sentença que, sim, absolveu o réu André de Camargo Aranha por “falta de provas”.
Uma pena.
Se, em vez da lacração, tivessem mirado no fato em si da absolvição do crime de estupro “por falta de provas”, talvez tivessem ajudado muito mais. Sabe-se que a cada 8 minutos uma mulher ou menina é estuprada no Brasil. Mas a maior parte desses crimes jamais será nem sequer investigada pela falta de indícios e elementos probatórios, já que ocorrem escondidos e, preferencialmente, sem testemunhas.
Mariana Ferrer, diz a sentença, não conseguiu provar a acusação que fez contra André de Camargo Aranha. Será? Está na sentença que o exame toxicológico não apontou o consumo de substâncias estupefacientes, como seria de se esperar se ela tivesse ingerido involuntariamente alguma droga do tipo “Boa Noite Cinderela”. A maioria das testemunhas ouvidas, várias mulheres inclusive, disse que a vítima não cambaleava e que não parecia dopada. As câmeras internas do Café de la Musique, onde teria ocorrido o estupro, mostram Mariana Ferrer subindo para um camarote e descendo, seis minutos depois, sem necessidade de ajuda (e de salto!!!!, como faz questão de ressaltar a sentença). Teria transcorrido nesses seis minutos o crime de estupro, de que Mariana Ferrer não tem memória.
Mas Mariana Ferrer diz ter inúmeras provas irrefutáveis do estupro e que nem sequer foram levadas em consideração pelo julgador.
E, no entanto, todas as mulheres sabem da dificuldade de “provar” a violência sexual, quando ela ocorre entre quatro paredes, sem testemunhas. Mariana Ferrer não seria exceção. Nos trechos da vídeo-conferência que foi o julgamento, assombra a solidão da menina que denuncia, vítima de outros homens violentos, que a acusam de ser (ela sim), um monstro querendo prejudicar a reputação de um “pobre milionário”.
Como sempre acontece, a vítima deixa de ser vítima para se transformar no monstro sensual e ardiloso que precisa ser contido. A qualquer custo.
A verdade é que Mariana Ferrer estava sozinha.
Desde o dia em que alega ter sido estuprada (15/dezembro/2018), Mariana Ferrer tem pedido ajuda pelas redes sociais e tem narrado todo o sofrimento e a depressão que a assolam em decorrência do fato.
Quem foi ajudá-la a reunir provas? Quem foi ajudá-la a colher testemunhos que aumentassem a credibilidade de sua acusação? Quem foi ao Café de la Musique, onde ocorreram os fatos julgados, procurar indícios de que ali funcionaria um “abatedouro” de meninas destinadas ao gozo masturbatório de machos alfa? Quem?
Ou achamos razoável condenar alguém sem elementos probatórios que apoiem a denúncia?
Não, não é razoável.
Apenas a voz da vítima não pode embasar uma condenação. E quem defende isso precisa saber que abdicar de provas é apenas a reedição do velho punitivismo, é vingança. Não é Justiça. Pior, resultará na condenação sem provas dos mesmos criminalizados de sempre: os pretos, pobres e periféricos.
A única forma de evitar a perpetuação desse ciclo perverso requer de nós nós, feministas, que encaremos o estupro, cada estupro, como um problema nosso!
Temos de ajudar as vítimas a robustecer as provas da violência que sofreram. Temos de afrontar a Justiça machista, exigindo a presença de mulheres no julgamento. Tem de ser um trabalho nosso enfrentar a misoginia cuspida e escarrada de gente como Cláudio Gastão da Rosa Filho, o advogado de defesa de André de Camargo Aranha, que humilhou e ofendeu Mariana Ferrer enquanto exibia fotos dela que nada tinham a ver com o processo! Que nenhuma mulher mais tenha de enfrentar um julgamento de estupro apenas diante de homens, na solidão absoluta, como acontecia com as antigas feiticeiras.
Temos de incentivar a solidariedade entre nós, mulheres, para que acolhamos as vítimas, em vez de fingir que se trata de um problema só delas. Não há mulher ou menina que não tenha sido atacada ao menos uma vez em sua vida pela violência sexual. E nós sabemos disso em nossos próprios corpos!
É o pai, é o tio, é o avô, é o tarado que mostra o pinto para a adolescente, é o abusador que se acha no direito de ejacular na mulher dentro do trem lotado…
Temos de organizar o “Socorro Feminista”, para apoiar as mulheres que decidem denunciar a violência sexual.
Os tribunais brasileiros são câmaras de tortura contra mulheres, negros, indígenas e pobres em geral. As cenas de humilhação de Mariana Ferrer não são, infelizmente, exceções. São a regra.
É preciso atuar sobre esse front.
Então, precisamos entender que não se trata de um problema privado de Mariana Ferrer o desenlace de sua denúncia. É de todas nós!
Lembro da França, em 1971, quando uma mulher foi presa e julgada pelo crime de aborto, na época punível com a pena de morte pela guilhotina!
Em vez de “solidariedades”, textões de repúdio, e essas lacrações inúteis, 343 mulheres, entre elas as atrizes Catherine Deneuve e Jeanne Moreau, assinaram o manifesto escrito por Simone de Beauvoir, e assumindo que haviam feito, elas também, um aborto. A força desse texto e a coragem das signatárias empolgaram intelectuais como Françoise Sagan e Annie Leclerc, jornalistas conhecidas, de muitas feministas, a começar por Antoinette Fouque, da advogada Gisèle Halimi ou ainda da deputada socialista Yvette Roudy. Todas declararam ter realizado um aborto, como forma de quebrar o tabu de uma injustiça social.
A Justiça no Brasil é machista, é racista e é classista. Só incidindo juntas sobre ela será possível mudar esse regramento que sempre condena a vítima e libera o agressor.
Mariana Ferrer deve recorrer da sentença em primeira instância. Agora, é organizar a luta para mudar o rumo da História. Quem se dispõe?
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