Ciência
Comunidades quilombolas não foram consultadas sobre acordo para a base de Alcântara, no Maranhão
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Em carta enviada ao Congresso em junho deste ano, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR), o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar de Alcântara (SINTRAF), a Associação do Território Quilombola de Alcântara (ATEQUILA), o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (MABE), e o Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara (MOMTRA) demonstram profunda preocupação com os impactos negativos que cerca de 800 famílias quilombolas sofrerão caso o “Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) Brasil – Estados Unidos da América e Comunidades Quilombolas de Alcântara/MA” seja aprovado.
Para o advogado e cientista político Jorgem Rubem Folena de Oliveira, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) que trata do uso da base de Alcântara, assinado em março pelos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump, dos Estados Unidos, é “completamente inconstitucional por atentar contra a soberania do Brasil”. No acordo assinado, não está previsto o repasse de tecnologia aeroespacial para o Brasil.
A votação do requerimento de urgência do ATS está na pauta de amanhã da Câmara dos Deputados.
“O governo também faz propaganda que “toda a região adjacente ao CLA será beneficiada pelo incremento imediato do desenvolvimento social e econômico refletido na geração de empregos, na criação de novas empresas e na ampliação do empreendedorismo e negócios de base local como restaurantes, hotéis, postos de gasolina, barbearias. Perguntamos: quantos e quais empregos serão gerados? Quantas novas empresas serão criadas? Quem financiará restaurantes e hotéis? Quais os serviços básicos de saúde, educação, saneamento e transporte que beneficiarão as comunidades quilombolas? Não há um estudo sequer, apresentando ou elaborado por especialistas independentes ou pelo governo que responda a estas questões. Ademais, como todas estas empresas e iniciativas serão instaladas na área sem o consentimento prévio das comunidades quilombolas de Alcântara, proprietárias do território?”
Para os quilombolas, que não foram consultados como determina a Lei, o bem estar, a segurança alimentar e o direito de ir e vir estão ameaçados. Veja o documento na íntegra:
Prezados Congressistas,
O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR), o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar de Alcântara (SINTRAF), a Associação do Território Quilombola de Alcântara (ATEQUILA), o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (MABE), e o Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara (MOMTRA), em representação e atenção às comunidades quilombolas de Território Quilombola de Alcântara e as demais instituições subscritas vêm, pela presente, apresentar demandas e solicitar providências relativas à proteção de seus direitos territoriais e aos recursos naturais e contra deslocamentos forçados frente ao ACORDO DE SALVAGUARDAS TECNOLÓGICAS CELBRADO COM OS ESTADOS UNIDOS e consequente expansão do Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA):
1. Como é de conhecimento público, o Governo da República Federativa do Brasil assinou Acordo com o Governo dos Estados Unidos da América sobre Salvaguardas Tecnológicas Relacionadas à Participação dos Estados Unidos da América em Lançamentos a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, em Washington, em 18 de março de 2019, pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, pelo Ministro de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, pelo Ministro de Estado da Defesa, Fernando Azevedo, e pelo Secretário Assistente, Escritório de Segurança Internacional e Não Proliferação do Departamento de Estados dos Estados Unidos da América, Christopher A. Ford.
2. O referido Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) foi enviado aos membros do Congresso Nacional pelo governo federal em 23 de maio de 2019, para aprovação, por meio da Mensagem n. 208.
3. Para a efetivação do AST será necessário expandir a atual área do CLA– de 08 mil para 20 mil hectares – e, consequentemente, deslocar aproximadamente 02 mil quilombolas.1 Nenhum/a destes integrantes das 219 comunidades quilombolas, que vivem no território de Alcântara há mais de 200 anos, ou suas entidades representativas, foram consultadas sobre a assinatura do referido acordo, cujo efeito impacta diretamente a vida destas comunidades. A assinatura do AST sem consulta às comunidades quilombolas viola frontalmente o direito à consulta prévia, livre e informada, assegurada na Convenção 169 (C169) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Estado Brasileiro em 22 de julho de 2002 e incorporada ao ordenamento jurídico pelo Decreto n. 5.051 de 09 de abril de 2004.
4. O governo faz propaganda de que os serviços de lançamentos a serem realizados desde o CLA, contratados com empresas, são muito lucrativos. Estima que em “20 anos, devido a não aprovação do AST [assinado pelo então presidente, Fernando Henrique Cardozo, em 2001 e não aprovado pelo Congresso Nacional], o Brasil perdeu aproximadamente U$ 3,9 bilhões em receitas de lançamentos não realizados, considerando apenas 5% dos lançamentos ocorridos no mundo neste período, além de não desenvolver opotencial tecnológico e de turismo regional”.2 Não há um estudo sequer, elaborado por especialistas independentes ou pelo governo que corrobore esta afirmação. No Acordo firmado entre Brasil e Ucrânia em 2003 houve prejuízo de R$ 500 milhões ao Brasil sem que nenhum foguete tenha sido lançado. O insucesso desta empreitada é atribuído à pressão dos Estados Unidos sobre a embaixada da Ucrânia no Brasil para não transferir tecnologia espacial ao nosso país; justamente o que aquele acordo propiciava e o que o presente, com os EUA, veta. Documentos secretos filtrados pela organização Wikileaksrevelam que o governo americano escreveu à embaixada da Ucrânia no Brasilinformando que eles “não apoiavam o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil” e que “[…] os EUA não se opõem aoestabelecimento de uma plataforma em Alcântara, desde que a atividade não resulte na transferência de tecnologia de foguetes ao Brasil”.3 Ademais, o atual AST é mais restritivo quanto ao acesso às áreas restritas, controladas, ou seja, a movimentação de pessoal brasileiro nas áreas restritas da base só vai acontecer com permissão e comum acordo do governo dos Estados Unidos.
5. O governo também faz propaganda que “toda a região adjacente ao CLA será beneficiada pelo incremento imediato do desenvolvimento social e econômico refletido na geração de empregos, na criação de novas empresas e na ampliação do empreendedorismo e negócios de base local como restaurantes, hotéis, postos de gasolina, barbearias. Perguntamos: quantos e quais empregos serão gerados? Quantas novas empresas serão criadas? Quem financiará restaurantes e hotéis? Quais os serviços básicos de saúde, educação, saneamento e transporte que beneficiarão as comunidades quilombolas? Não há um estudo sequer, apresentando ou elaborado por especialistas independentes ou pelo governo que responda a estas questões. Ademais, como todas estas empresas e iniciativas serão instaladas na área sem o consentimento prévio das comunidades quilombolas de Alcântara, proprietárias do território?
O documento de Wikileaks está disponível em
https://wikileaks.org/plusd/cables/09STATE3691_a.html
6. Os direitos das comunidades quilombolas não se referem apenas às compensações financeiras para aquelas que foram forçadamente deslocadas para as agrovilas há 30 anos, como entende o governo. O direito das comunidades é presente e atual, se estende a todo território quilombola de Alcântara já identificado e demarcado pelo INCRA, bem como aos recursos naturais nele inseridos, além do acesso ao mar. A propriedade quilombola é, por sua vez, imprescritível, impenhorável e inalienável.
7. A Constituição Federal reconhece às comunidades quilombolas como patrimônio cultural imaterial da sociedade brasileira (Art. 216, § 5o) e assegura a emissão de títulos de propriedade definitiva de suas terras pelo Estado (Art. 68 ADCT).
8. Diferentemente do que o governo prega, o AST afeta as questões fundiárias. As comunidades quilombolas aguardam há mais de 10 anos, a titulação coletiva da propriedade do território étnico, determinada pela 5a Vara da Justiça Federal do Maranhão em 27 de setembro de 2006 e nunca concluída pelo INCRA. Em 04 novembro de 2008, o INCRA publicou o Relatório Técnico de Identificação e Demarcação (RTID) do Território Quilombola de Alcântara, identificando 78 mil hectares como terras pertencentes às comunidades quilombolas, excluindo a área atualmente ocupada pelo CLA. Desde a desapropriação da área de 62 mil hectares pelos Governo do Estado do Maranhão e Federal, em 1982, para instalação do Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA), as comunidades quilombolas têm sido sujeitas a toda a forma de violação de direitos, individuais e coletivos, por ação ou omissão do governo e suas empresas ou instituições, e ainda aguardam reparações.
9. A figura abaixo indica a área de 12 mil hectares pretendida pelo governo para expansão da área do CLA.

10. Entretanto, em novembro de 2008 a 5a Vara da Justiça Federal do Maranhão homologou acordo entre o Ministério Público Federal, a União e a Agência Espacial Brasileira, em que estas se comprometeram em não expandir a atual área utilizada pelo CLA (8,713 mil hectares). De igual modo, compreende-se que o CLA não poderá ser expandido para a implantação do Acordo com os EUA, ainda mais sem consultar as comunidades quilombolas.
11. O governo nunca atentou, ou reconheceu, ao fato de que há uma conexão intrínseca, documentada pela perícia antropológica realizada pelo Ministério Público Federal,4 entre terra, território, meio ambiente, vida, religião, identidade e cultura enraizada nas comunidades quilombolas de Alcântara. Essa conexão se expressa pela rede de todas as comunidades quilombolas que promovem um intercâmbio social, cultural e econômico permanentemente que consolida um sistema de intercâmbio e uso dos recursos naturais de forma equilibrada. Ainda que cada comunidade possua limites sociais e tradicionalmente identificados por marcos concretos, os limites físicos não restringem o acesso aos recursos naturais, como ocorre no caso da propriedade privada de imóveis rurais. O domínio exercido pelas comunidades no território propicia que, em contextos de escassez, uma comunidade suprasua necessidade mediante o uso dos recursos naturais das outras, e vice- versa. É extremamente difícil estabelecer os marcos físicos da área de influência de cada comunidade. Quando se trata de roças e plantações, os limites são mais fáceis de identificar porque são estabelecidos em comum acordo entre as comunidades. Mas quando se fala em relações sociais, intercâmbios matrimoniais, econômicos ou rituais, as fronteiras entre as comunidades se alargam.
12. Isso significa que a expansão da área do CLA para os 12 mil hectares pretendidos pelo governo federal vai afetar o equilíbrio das relações econômicas, sociais e culturais entre as comunidades quilombolas. Ela limitará o livre e permanente acesso das comunidades às áreas do litoral de Alcântara frente à proposta de criação de corredores nas áreas de lançamento. A restrição de acesso a recursos naturais essenciais como o mar, nascentes de água potável, árvores frutíferas, babaçuais, cocais, dentre outros, presentes nos 12 mil hectares, afetará a conexão e os fluxos econômicos entre as comunidades e o desaparecimento das fronteiras que identificam as territorialidades atuais especificas constituídas historicamente pelos quilombolas. A intensidade deste impacto negativo sobre as comunidades quilombolas, entretanto, nunca foi objeto de estudo técnico pelo governo federal, o que também viola a C169. E o mais grave, se instalará em Alcântara uma situação de insegurança alimentar sem precedentes.
13. Mesmo frente à magnitude do AST e da proposta de expansão do CLA, o único estudo técnico realizado até o momento se refere ao grau de interferência da presença das comunidades (nos 12 mil hectares) na segurança dos lançamentos de foguetes pretendidos. Este estudo demonstra que há incompatibilidade entre a permanência das comunidades no território, suas moradias e roças, com a expansão do CLA.
14. É de se destacar ainda que o CLA funciona há quase 40 anos sem licenciamento ambiental. Inexiste EIA/RIMA do CLA. Não é admissível que as operações de lançamento de foguetes ocorram sem que a comunidade alcantarense e a sociedade brasileira possam mensurar ou dimensionar os possíveis e reais danos à saúde e ao meio ambiente, gerados a partir das atividades espaciais no CLA. Entendemos que não se pode avançar nas tratativas referidas ao AST sem que esta questão do CLA seja resolvida.
15. Após a assinatura do AST com os EUA, muitas audiências públicas, reuniões e seminários têm sido realizados em Brasília e no Maranhão, sem a efetiva e plena participação das comunidades e suas organizações representativas. As comunidades reiteram que querem e devem ser consultadas e incluídas nos debates sobre a expansão e o uso comercial do CLA, posto que é seu direito à consulta prévia, livre, informada e de boa-fé sobre quaisquer obras, projetos ou programas que se objetive realizar em seus territórios, tal como determina a C169 da OIT.
16. Na prática, privilegiar o debate com o foco apenas na ótica comercial e tecnológica, predominante hoje no debate travado sobre o AST, só corrobora para assolar o cenário de invisibilidade e insegurança jurídica a que as comunidades quilombolas de Alcântara estão expostas. Solicitamos que o Congresso Nacional não adote prática similar.
17. Neste contexto as comunidades quilombolas têm resistido às tentativas do governo federal de expandir a atual área do CLA, considerando que o objetivo principal da expansão é a exploração comercial do território – que alegam ser ultra bem localizado para lançamentos de veículos espaciais com economia de combustível – cujo mercado será dominado pelos EUA, já que o Acordo não prevê a transferência de tecnologia de lançamentos para o Brasil. A defesa dos direitos das comunidades quilombolas tem encontrado apoio no Ministério Público Federal, na Defensoria Pública da União, na Justiça Federal, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), na Organização Internacional do Trabalho (OIT) e em organizações da sociedade civil. Duas denúncias internacionais contra o Estado Brasileiro tramitam na CIDH e na OIT por violações à Convenção Americana de Direitos Humanos e a C169.
18. Por fim, cumpre informar que as comunidades quilombolas de Alcântara encontram-se em processo de elaboração do seu Protocolo Comunitário sobre Consulta Prévia, Livre e Informada.
As comunidades quilombolas de Alcântara e suas instituições representativas, e as organizações que subscrevem esta carta, solicitam ao Congresso Nacional:
- a) Que se abstenha de votar o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado entre o Brasil e os Estados Unidos da América até que seja concluída a titulação do Território Quilombola de Alcântara às comunidades quilombolas, nos termos do Relatório Técnico de Identificação e Demarcação publicado pelo INCRA em novembro de 2008;
- b) Que se abstenha de votar o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas antes da realização, pelo Executivo Federal, do Estudo de Impacto Ambiental e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental do CLA;
- c) Que se abstenha de votar a aprovação do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado entre o Brasil e os Estados Unidos da América até que seja realizada consulta prévia, livre e informada, com base na C169, com base no protocolo de consulta elaborado pelas comunidades;
- d) Que desautorize qualquer deslocamento forçado de quilombolas frente à decisão do governo federal de excluir 12 mil hectares da área a ser titulada como propriedade quilombola em benefício da expansão do CLA;
- e) Que, após cumpridos os itens acima, realize no mínimo 03 audiências públicas no Senado e na Câmara Federal, com ampla e efetiva participação das comunidades quilombolas e suas entidades representativas, para discutir o AST.
Pedem e esperam deferimento.
ASSOCIAÇÃO DO TERRITÓRIO QUILOMBOLA DE ALCÂNTARA (ATEQUILA).
MOVIMENTO DE MULHERES TRABALHADORAS DE ALCÂNTARA (MOMTRA).
MOVIMENTO DOS ATINGIDOS PELA BASE ESPACIAL (MABE).
SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS NA AGRICULTURA FAMILIAR DE ALCÂNTARA (SINTRAF).
SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE ALCÂNTARA (STTR).
CENTRO DE CULTURA NEGRA DO MARANHÃO – CCN/MA.
COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES
NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS (CONAQ).
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO/ DEFENSOR REGIONAL DE DIREITOS HUMANOS NO MARANHÃO (DPU/MA).
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES DA AGRICULTURA FAMILIAR DO MARANHÃO (FETRAF/MA).
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES RURAIS AGRICULTORES E AGRICULTORAS DO ESTADO DO MARANHÃO (FETAEMA).
JUSTIÇA GLOBAL (JG).
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA/MA (MST/MA).
REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS.
SOCIEDADE MARANHENSE DE DIREITOS HUMANOS.
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Censura
Militares fazem o que sabem de melhor: esconder os mortos
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5 anos atrásem
09/06/20
Imagine uma epidemia que se alastra rapidamente e mata entre 10% e 20% dos infectados. Imagine que essa epidemia mata principalmente crianças e em especial as da periferia, com menor acesso ao saneamento básico e à saúde. Agora, imagine que por três anos os meios de comunicação sejam censurados nas reportagens sobre a epidemia, que os médicos sejam proibidos de dar entrevistas e que o Ministério da Saúde, controlado por militares, não divulgue os números corretos sobre a doença e as mortes. Isso já aconteceu no Brasil, e não faz tanto tempo assim.
Entre 1971 e 1974, pelo menos 60 mil pessoas de sete estados brasileiros (40 mil só em São Paulo, o epicentro da epidemia) foram infectadas pela bactéria causadora da meningite. Até hoje é impossível precisar quantos morreram. Mas para impedir o que achavam ser uma histeria dos médicos, os militares decidiram esconder esses fatos, e os mortos, da população. Centenas, talvez milhares de crianças, aliás, foram enterradas na mesma vala comum clandestina do cemitério de Perus, na capital paulista, onde eram jogados os corpos de dissidentes políticos torturados e mortos pelo Doi Codi.
Um ótimo vídeo curto sobre a epidemia de meningite e a maquiagem de dados da ditadura militar está disponível no canal Meteoro.doc. Ontem, o canal publicou um novo vídeo, tratando especificamente da atual maquiagem de dados e da disputa de narrativas entre o novo governo militar, que teoricamente ainda não é uma ditadura, e os meios de comunicação para se informar ou desinformar a população.
O tratamento governamental da epidemia de meningite dos anos 1970 só vai mudar em 1974, com um novo general no poder e a aquisição pelo governo de 80 milhões de doses da vacina. Sim, já havia vacina para a meningite e o governo sabia que se tivesse feito uma campanha de vacinação anos antes, teria poupado milhares de vidas. Mas pra que admitir um genocídio se podia dizer que havia um “milagre econômico”? É como disse a ex-secretária da Cultura, Regina SemArte: é muito peso carregar essa fileira de mortos.

Telegrama da Polícia Federal ordenando a censura nos dados sobre a epidemia de meningite. Fonte: Twitter do historiador Lucas Pedretti @lpedret. Como os telegramas não tinham pontuação, usavam a sigla VG para vírgula e PT para ponto final.
Assim, em julho de 1974, com a admissão oficial de que havia uma epidemia, o jornalista Clovis Rossi, então trabalhando no jornal O Estado de São Paulo, preparou uma grande reportagem de capa, intitulada Epidemia de Silêncio, na qual dizia: “Desde que, há dois anos aproximadamente, começaram a aumentar em ritmo alarmante os casos de meningite em São Paulo, as autoridades cuidaram de ocultar fatos, negar informações, reduzir os números referentes à doença a proporções incompatíveis com a realidade — ou seja, levando, deliberadamente, a desinformação à população e abrindo caminho para que boatos ocupassem rapidamente o lugar que deveria ser preenchido per fatos. Fatos que as autoridades tinham a obrigação, por todos os títulos de esclarecer ampla e totalmente”. Leia a matéria completa aqui.
Mas, claro, militares não gostam que digam quais são suas obrigações e publiquem que estão desinformando a população. Assim, a matéria de Rossi foi censurada e em seu lugar o Estadão publicou um trecho do poema Os Lusíadas, de Luís de Camões.
Por causa da Lei da Anistia, de 1979, os militares jamais foram responsabilizados criminalmente pelas mortes na pandemia e nem pelas torturas, mortes, desaparecimentos e ocultação de cadáveres de dissidentes políticos. Mas talvez a história não se repita com a pandemia de coronavírus. Ontem, o Supremo Tribunal Federal, atendendo a uma ação dos partidos Psol, PCdoB e Rede Sustentabilidade, determinou a divulgação diária das informações sobre os dados de Covid-19 até às 19h30, pelo Ministério da Saúde. E também ontem, o Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, decidiu analisar a denúncia do PDT de genocídio promovido pelo Governo Bolsonaro. Esse é um caso raro, já que normalmente o TPI só julga ex-governantes acusados de crimes contra a humanidade.

O auxiliar de coveiro e ministro da Covid, Eduardo Pazuello, general paraquedista que usou o dispositivo para pousar no cargo que ocupa, não entende nada de Saúde. Sua especialidade no Exército é logística de munição – uma função pomposa mas totalmente inútil para um país que não está em guerra.
Para auxiliá-lo no ministério, Pazuello convocou mais de uma dezena de coronéis e oficiais de menor patente para preencher cargos que deveriam ser de médicos, cientistas, sanitaristas e infectologistas. Mas ele achou mais fácil trabalhar com os seus “cães de guerra”, como já declarou.
Nos finais de semana, o auxiliar de coveiro veste um jeans e uma camiseta e, ao lado do chefão, participa das manifestações antidemocráticas junto à boiada, defendendo o fechamento do Congresso e do STF, e pedindo a implantação do AI-5 e uma intervenção militar com Bolsonaro no poder.
Pazuello não é o que existe de pior neste governo.
Não porque seja um estranho no ninho onde pousou, mas porque é mesmo difícil dizer o que existe de pior em uma administração que ignora a ciência, combate à imprensa, despreza as pessoas, protege os fascistas, blinda os filhos milicianos, se cerca de desqualificados, não tem programa para nenhuma área. E, quando se reúne, como no dia 22 de abril, é para filmar uma conversa de botequim e selecionar os melhores momentos para inflamar seus adeptos com uma propaganda barata e sem o menor pudor.
Mas o general da Covid – que será julgado e, certamente, condenado pela História – decidiu agora convocar um civil, tão despreparado para a função como os militares que o cercam.

Carlos Wizard, do cursinho de inglês. E daí?
Um tal Carlos Wizard, de sobrenome conhecido para quem faz esses cursinhos de inglês, é o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos em Saúde (SCTIE), um dos cargos mais importantes do ministério, e que estava sendo ocupado pelo professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Antonio Carlos Campos de Carvalho, um dos poucos nomes indicados pelo ex-ministro Nelson Teich.
Sua secretaria terá a incumbência de formular políticas nacionais de ciência e inovação em saúde, assistência farmacêutica, além do fomento à pesquisa, desenvolvimento e educação.
Sua experiência é zero. Mas como diz o capitão: “E daí?”
Wizard era proprietário do curso de inglês que leva seu nome, vendeu-o para um grupo estrangeiro, e hoje dedica-se às marcas Mundo Verde e Pizza Hut.
Paralelamente às questões sanitárias, vai importar o Taco Bell “um fast-food com muitos fãs no Brasil”.
Wizard é filho de família humilde – pai caminhoneiro e mãe costureira – que frequentavam a igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Por conta dos contatos que teve com missionários norte-americanos, aprendeu inglês.
Aos 17 anos viajou para os EUA levando 100 dólares no bolso e, sabe-se lá como, tornou-se “bilionário”, como ele se declara em perfil no Wikipedia.
No Instagram, o espertalhão gosta de postar fotos com Bolsonaro, com a terceira primeira dama Michelle, com Eduardo Bananinha e a ministra da goiabeira.
Antes da posse, prometeu entupir a população de cloroquina.
Se uma pessoa apresentar algum sintoma da Covid, basta se dirigir a um hospital para começar o tratamento preventivo. E a droga será ministrada ainda a todos os que o cercam, como esposa, filhos, empregados, vizinhos e afins.
Para a próximo mês, Wizard fez uma promessa mais diabólica: ele quer recontar o número de mortos pelo coronavírus – já que os dados divulgados até agora são “fantasiosos ou manipulados”.
A Bela Megale, de ‘O Globo’, ele sentenciou:
– Tinha muita gente morrendo por outras causas e os gestores públicos, puramente por interesses de ter um orçamento maior nos seus municípios, nos seus estados, colocaram todo mundo como Covid. Estamos revendo esses óbitos.
Para o coveiro da nação e morador do Alvorada, seu novo contratado está se saindo melhor que a encomenda.
Leia mais Dacio Malta em:
Cadê o Queiroz? Braço direito de Bolsonaro tem a senha pra derrubar o presidente
Cidadania
Impasse sobre Enem 2020 reflete desigualdades brasileiras na educação
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5 anos atrásem
27/05/20
Por: Beatriz Passos – do Com_Texto
Entrar em uma universidade pública é o sonho de muitos estudantes brasileiros. Mesmo com diversos fatores que tornam complicadas as vivências na universidade, milhares de alunos em todo Brasil se inscrevem no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para tentarem uma vaga no ensino superior. Mas essas instituições estão preparadas para receber esses alunos? Quais são os obstáculos desses jovens? Quem os ajuda nessa caminhada? São questões como essas que fizeram o Com_Texto investigar um pouco dessa trajetória, em 2020, no cenário inédito de pandemia mundial causada pela Covid-19.
Em maio de 2019, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) divulgou que a maioria dos seus estudantes era mulher, parda, com idade entre 18 e 24 anos e com renda per capita familiar de até um salário mínimo. Tais dados foram levantados a partir da V Pesquisa Nacional de Perfil dos Graduandos das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), promovida pelo Fórum Nacional de Pró Reitores e Assuntos Estudantis (Fonaprace) da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Para a coleta de informações foram entrevistados 28.481 estudantes dos cinco campi da UFMT, consultando 68,6% da sua comunidade estudantil.
Cerca de um ano depois, em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus, estudantes com perfis parecidos com a realidade da UFMT correm o risco de não terem a oportunidade de pleitear uma vaga no ensino superior. Afinal, a edição 2020 do Enem, principal meio de entrada nas universidades, ainda não tem sequer uma data certa para ocorrer, apesar do governo ter gasto muito dinheiro numa propaganda onde atores com mais de 20 anos interpretavam secundaristas com pleno acesso a computadores, smatphones importados, quartos individuais e livros nas estantes. Esse cenário utópico está muito longe da realidade da maioria dos estudantes brasileiros.
DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO
A UFMT foi uma das primeiras universidades a aderir o sistema de cotas sociais, em 2011, antes mesmo da consolidação da Lei 12.711 de 2012, a Lei das Cotas. Ocasionando um quadro de 69% de seus estudantes pertencentes à categoria de baixa renda, além de ter 55% vindos de escolas públicas. Segundo Vinicius Brasilino, Conselheiro de Estado de Educação, representante dos estudantes do ensino superior na Câmara de Educação Profissional e Ensino Superior e também graduando de Saúde Coletiva pela UFMT, essa realidade ampliou o processo de democratização da universidade. “A maior participação de estudantes das redes públicas garantiu que mais jovens das classes populares tivessem acesso ao ensino superior, podendo dar continuidade ao seu processo de formação e escolarização formal”, afirma.
Brasilino ressalta, contudo, que a manutenção desse acesso não basta. É preciso também garantir a permanência dos alunos no ensino superior. “O fato desta democratização ter dado acesso à universidade aos diferentes perfis de estudantes, ocasionou na demanda pela permanência estudantil, o que a gente chama de assistência estudantil: garantia de benefícios para que o estudante possa estudar com qualidade”, explica. “Esses meios podem ser, por exemplo, bolsas alimentação e moradia. Foi por isso que o Brasil criou o Programa Nacional de Assistência Estudantil, para dar conta de atender a esses estudantes que têm especificidades e demandas emergentes dentro das universidades”.
Porém, especialmente por conta dos cortes de verbas desde 2014, as políticas de assistência não conseguem garantir tais benefícios a todos os que necessitam. No caso da UFMT, em 2020 o orçamento total de custeio é 21% menor do que no ano passado, e da assistência estudantil foram retirados cerca de 40% da verba. “Os principais obstáculos que estudantes em vulnerabilidade social enfrentam estão relacionados às políticas de permanência e assistência estudantil. Afinal, a educação vem sofrendo nos últimos anos vários cortes, como a Emenda Constitucional nº 95 , de 2016, que congelou os investimentos em educação, saúde e outras áreas do desenvolvimento social do país por 20 anos”, comenta o Conselheiro de Estado de Educação.
Vinicius Brasilino também vê como prática perigosa aos cidadãos o possível agendamento da prova do Enem ainda em 2020. “Observando o movimento da pandemia no Brasil e as ações que o Governo Federal vem tomando, que são muitas vezes contrárias ao que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem proposto, a realização do Enem não só coloca em vulnerabilidade sanitária milhares de estudantes, como também se transforma em instrumento de ampliação das desigualdades educacionais e sociais do Brasil”, analisa.
Em razão da pandemia do Covid-19, o Enem 2020, incialmente marcado para os dias 1 e 8 de novembro, provavelmente será adiado de 30 a 60 dias, de acordo com Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) que aplica a prova. A contragosto do Ministro da Educação, Abraham Weintraub, e do Governo Federal, o Senado aprovou um projeto de adiamento o exame por 74 votos a 1 (do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República). No dia seguinte, o presidente do Congresso, deputado Rodrigo Maia, informou ao presidente o projeto teria placar semelhante na Câmara dos Deputados, forçando o mudança.
Sem dúvida essa foi uma grande vitória das pressões de organizações como a União Nacional dos Estudantes (UNE). Mas ainda não é o suficiente. “O adiamento do Enem de 30 até 60 dias, mantém o processo perverso desse governo de privilégios, assim como a anuncida modalidade virtual do exame. Quem realmente tem acesso à internet para fazer o Enem digital? Quem fará virtualmente poderá fazer a prova de sua casa com um conjunto de livros e conteúdos ao lado, com condições de ter um melhor resultado na prova? Para mim, o Enem digital reforça ainda mais uma falsa meritocracia e condições desiguais de acesso à universidade. É um equívoco”, afirma Vinicius Brasilino.

Alunos da UFMT em manifestação contra o projeto Future-se, em 2019 (Foto: Com_Texto)
FUTURO E INCERTEZAS
Luiz Antônio está no quinto semestre do ensino médio integrado ao curso técnico em edificações, no Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) – campus Várzea Grande. Com 18 anos, seus planos no início de 2020 eram prestar o Enem e concorrer a uma vaga na UFMT. “Eu costumava passar em torno de 35 a 40 horas semanais na escola, tudo isso entre aulas, projeto de pesquisa e extensão e grupo de estudo. Esse ano seria o meu último ano do ensino médio, mas agora já estamos nos encaminhando para o terceiro mês de aulas interrompidas por causa da pandemia do novo coronavírus”, conta.
Sem aulas desde o dia 17 de março, o estudante declarou que sua rotina mudou bastante. Como passava muito tempo na escola, se organizava para estudar no colégio, e em casa dedicava-se às outras responsabilidades domésticas. Diferente de outros alunos da sua escola, Luiz Antônio tem acesso à internet em casa, mas ainda assim preferiu fazer a prova na modalidade física, por segurança. “Eu tenho acesso à internet em casa, o que tem me ajudado bastante nesse processo de adaptação. E devido aos problemas da correção da edição passada do Enem, eu optei pela versão impressa da prova, porque tenho um pouco de incerteza com essa experimentação”, assume.
Apesar do ministro dizer que foi “o melhor Enem de todos os tempos”, a edição de 2019 teve erros de correção, além do vazamento de uma das páginas da prova durante o dia do exame, em 3 de novembro. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), foi divulgada uma foto da folha de redação antes do final do exame, já no momento da correção. E quem fez a prova com uma determinada cor de gabarito, teve suas respostas corrigidas com base em um gabarito de cor diferente.
Diante de tantas dúvidas, Luiz comenta que, assim como ele, seus colegas estão muito inseguros. “Tudo isso tem sido muito comentado nos grupos de turmas sobre o Enem, e tudo é uma grande incerteza. Ninguém sabe como vai ser ou o que pode acontecer. Está todo mundo muito apreensivo porque o ano está correndo e já perdemos o final de semestre todo. Então estamos ficando para trás sim, comparado aos alunos de escola particular”, revela.
Sobre os próximos acontecimentos com relação ao Enem, o estudante acredita que o melhor é o cancelamento da aplicação da prova em 2020. “Eu acho as discussões sobre o adiamento do Enem muito pertinentes, porém, ao meu ver, o correto nesse momento seria o cancelamento dessa edição. Porque já foi praticamente todo o primeiro semestre do ano e as escolas estaduais de Mato Grosso não chegaram nem a começar o ano letivo de 2020, enquanto as escolas particulares já estavam praticamente no fim do primeiro semestre”.
OBSTÁCULOS DIFERENTES
Para uma professora de biologia que atua há 20 anos em escolas estaduais de Mato Grosso, que preferiu não ter a identidade revelada, os alunos da rede pública e da rede particular têm condições intelectuais iguais para prestar o Enem. A diferença entre os dois perfis está nas oportunidades sociais que acabam por privilegiar apenas um dos lados. “Os alunos de escola pública têm que trabalhar mais para conseguir uma vaga na universidade. Então, quando eles conseguem, é muito gratificante porque é todo um universo que eles conseguiram vencer. Por isso que, intelectualmente, eles têm condições tanto quanto um aluno de escola particular, porém em relação à estrutura social eles saem perdendo”, comenta a professora.
Com experiência no ensino também em escolas particulares, a professora ressaltou a diferença dos perfis dos alunos que frequentam escolas pagas daqueles matriculados em instituições públicas. “Quando dei aulas em escolas particulares, no começo da carreira, os alunos, em sua maioria, eram classe média ou classe média alta. As escolas tinham boas estruturas, como lousa mágica, internet veloz e salas climatizadas. Além do que, grande parte dos estudantes de escolas particulares não trabalhavam. Já os meus alunos do ensino público normalmente têm duplas jornadas. Se estudam de manhã, trabalham à tarde, e se estudam à tarde, trabalham de manhã, em sua maioria em empregos com carga horária pesada”, conta.
A professora defende a educação pública, acredita que apesar das dificuldades enfrentadas por alunos e até mesmo por professores, o ensino gratuito garante o atendimento a demandas às quais as escolas particulares não se comprometem.
“Outra grande diferença entre a escola particular e pública é que são poucas as escolas pagas que têm, no meu conhecimento, ensino inclusivo com alunos PcD (Pessoas com Deficiência). Na escola pública, esses estudantes são inclusos em salas regulares. E falando do estado de Mato Grosso, existem também as escolas quilombolas, indígenas e rurais com logísticas diferentes”, salienta.
Atenta à diversidade de perfis, a educadora também se preocupa com o lado psicológico dos estudantes que pretendem realizar o Enem. “Como todos que estão passando por essa pandemia, os estudantes estão assustados e com medo, de certa forma sem condições psicológicas para fazerem uma prova densa como o Enem”, acredita a professora. “E nesse momento, o aluno de escola pública estadual soma a essas inseguranças a angústia de não ter iniciado o ano letivo devido à greve realizada ano passado. E o que a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (Seduc-MT) disponibilizou para eles, que são aulas online e/ou pelo canal da TV Assembleia, não é o ideal. Eu sei disso porque participo de grupos de conversas com eles e eles dizem que não têm condições porque não entendem os conteúdos devido aos problemas de conexão”, revela.
As transmissões das videoaulas acontecem via TV ALMT (canal 30.2), com aulas inéditas e reprises durante a semana. As aulas são sobre as quatro áreas do conhecimento exigidas no Enem: matemática; linguagem e suas tecnologias; ciências sociais aplicadas; e ciência da natureza e suas tecnologias. O projeto foi apresentado pelo deputado estadual Delegado Claudinei (PSL), no dia 8 de maio, pela indicação de n.º 1.572/2020, na qual propunha à Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (Seduc-MT) a aplicação de método de ensino a distância para promover aulas virtuais para alunos da rede pública estadual durante a pandemia do novo coronavírus.

Estudante segurando cartaz “Em defesa da educação pública” durante as manifestações contra os cortes no setor em 2019 (Foto: Com_Texto)
DIMINUINDO BARREIRAS
A Rede de Cursinhos Populares Podemos+ formada pelo Levante Popular da Juventude ajudou a aprovar em 2019 mais de 100 alunos no Enem. Criada em 2017, em São Paulo, a rede está presente em 50 cidades, distribuídas em 21 estados do Brasil, e tem em sua organização 1600 educandos e 800 educadores. Com componentes voluntários a Podemos+ reúne pessoas que buscam ajudar jovens brasileiros que são afastados ou excluídos do ensino superior a ingressar em universidades federais ou estaduais.
“As experiências na nossa rede de cursinho estão vinculadas aos jovens da classe de trabalhadores, que são moradores de periferias, jovens estudantes de escolas públicas, jovens mães, e aos que não têm possibilidade de pagar mensalidades absurdas em cursos preparatórios. Nosso objetivo é com as questões de igualdade mesmo, de facilitar o acesso à universidade, como é o caso do cursinho de escrita acadêmica que serve justamente para aqueles que têm dificuldades em desenvolver trabalhos com critérios acadêmicos”, explica a Coordenadora da Rede de Cursinhos Populares Podemos+ e da Frente Territorial do Levante Popular da Juventude, Lorhana Lopes.
Outra ação neste sentido foi o mutirão de ajuda na realização das inscrições no Enem. “A gente precisava fazer com que o máximo de pessoas tivesse acesso. Por isso, movimentamos mais de 800 pessoas, em ação voluntária, para contribuírem nesse processo que é extremamente burocrático. Então, passamos por processo formativo, lemos todas as informações da plataforma do Inep, e depois entramos em contato por telefone com pessoas que preencheram o formulário básico para solicitar a ajuda, além dos outros educandos já inscritos”, conta Lorhana. Em Mato Grosso, a Podemos+ atua desde 2019 em Cuiabá e conta com 42 educadores voluntários. No primeiro ano de curso foram aprovados três alunos na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Em 2020, o processo de mobilização foi interrompido pela pandemia do Covid-19, e até o momento da pausa cerca de 60 jovens já estavam inscritos para participarem das aulas.
Questionada sobre o porquê de não continuar com as aulas no formado de Ensino a Distância (EaD), a coordenadora da Rede de Cursinhos Populares Podemos+ em Mato Grosso, Amandla Sousa, revela que a modalidade seria incompatível com as realidades dos educandos que a rede atende. “Nós da Podemos+ não podíamos pensar na manutenção das aulas do cursinho em uma modalidade EaD. Essa não é a realidade da população brasileira. Essa não é a realidade dos sujeitos com os quais estamos contribuindo para que acessem a universidade e essa também não é a realidade de Mato Grosso. Nós temos bairros do município de Cuiabá, onde é a situação de vulnerabilidade dos trabalhadores é tamanha que falta por vezes alimentação para essas pessoas. O que dirá internet”, esclarece.
Segundo a coordenadora, a Podemos+ utiliza uma metodologia da educação popular e justamente por isso considera mais importante acompanhar os educandos e suas famílias neste período de fragilidade causada pela crise sanitária e econômica mundial. “Neste momento nós temos que nos preocupar com a vida do nosso povo. Temos que nos preocupar em garantir condições de vida digna, e o Enem deve se adaptar a esse processo para que ele não seja mais excludente. Na realidade do nosso povo que é tão diverso, que tem tantas dificuldades, adiar o Enem com base no ano letivo de 2020 é fazer justiça social”, afirma Amandla Sousa.
NOTA OFICIAL DIVULGADA NO PORTAL DO INEP
Atentos às demandas da sociedade e às manifestações do Poder Legislativo em função do impacto da pandemia do coronavírus no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Ministério da Educação (MEC) decidiram pelo adiamento da aplicação do exame nas versões impressa e digital. As datas serão adiadas de 30 a 60 dias em relação ao que foi previsto nos editais.
Para tanto, o Inep promoverá uma enquete direcionada aos inscritos do Enem 2020, a ser realizada em junho, por meio da Página do Participante. As inscrições para o exame seguem abertas até as 23h59 desta quarta-feira, 27 de maio.
SAIBA MAIS:
V Pesquisa Nacional de Perfil dos Graduandos das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes): https://noticias.paginas.ufsc.br/files/2019/05/VERSAO_MESTRA_DO_RELATORIO_EXECUTIVO_versao_ANDIFES_14_20h52_1.pdf
NOTA OFICIAL | Adiamento do Enem 2020: http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/nota-oficial-adiamento-do-enem-2020/21206
Rede de Cursinhos Podemos+: @cursinhospode
Matéria original no site do Com_Texto: https://com-texto.wixsite.com/comtexto/post/impasse-sobre-enem-2020-reflete-desigualdades-brasileiras-na-educa%C3%A7%C3%A3o
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