“Como ser mulher, mãe, forte e construir uma carreira?”

Em meio à produção do CD “Canto Sem Pressa” e de uma agenda apertadíssima para construir o trabalho como artista independente, Natasha se viu grávida de José, hoje com um ano e três meses. Ao lado de seu marido e produtor musical Eduardo Andrade, eles optaram por ter o filho, e também parir o disco no ano de 2016. Agora, em setembro de 2017, ela retoma seus trabalhos artísticos e se apresenta em Belo Horizonte, no Palácio das Artes, nesta sexta-feira, 8 de setembro, às 21h. Confira a entrevista, em que ela fala um pouco sobre as alegrias e dores da criação.

A: Como foi,para você, a maternidade?

N: A maternidade, sem dúvidas, foi a coisa mais transformadora e intensa que eu já vivi na minha vida, e que vivo pelo resto da minha vida agora. É algo que é para sempre e é uma transformação por completo, a gente necessita de abrir um espaço muito grande na vida para que esse ser que depende totalmente de você e do pai se desenvolva, e junto disso, a gente precisa fazer diariamente muitas escolhas.

A: Que tipo de escolhas?

N: Quando a gente descobre que está grávida, é necessário pensar como vai ser o parto, como é que a gente vai alimentar e amamentar o bebê, se vai ser exclusivamente leite materno ou se vai ser com complemento, como que vai ser alimentação do seu filho, como que você vai conduzir a educação do seu filho, entre outras questões. Como ensinar, educar, ou como você vai dizer para ele que algo é certo ou errado também é uma escolha, já que tem várias formas de dizer, são milhões de escolhas que você tem que fazer.

A: Como ficou o seu emocional durante a gravidez?

N: Eu fiquei exausta, pois tive que lidar com diversos sentimentos que ficam transitando dia inteiro dentro de mim, entre raiva e amor. Ter um filho deixa a mulher completamente exausta física e emocionalmente também, então mexe com tudo, mexe com a estrutura de todo ser humano. Além disso, eu estava trabalhando muito quando descobri que estava grávida do José.

A: Como foi a descoberta? 

N: Então, quando eu estava grávida, eu tava trabalhando muito, muito, muito. Estava gravando o meu primeiro disco, “Canto Sem Pressa”. Eu comecei a gravar o disco em Agosto e em Setembro descobri que estava grávida de 5 semanas, então realmente a concepção foi junto, em cima, do lançamento. Eu trabalho com meu marido, o Dudu, e a gente estava gravando dia e noite, ele é o produtor musical do meu disco e faz a direção musical do show, entre outras coisas, e pra nós na época foi sim um baque, porque não era uma gravidez planejada e porque tem esse peso enorme de que a vida profissional de uma mãe e acaba.

É aquele clássico ‘acabou para a mãe’, por mais que a gente já veja uma sociedade em que não é mais tão isso, de alguma forma essa ideia entra no nosso corpo, nas nossas células e no nosso pensamento. Bate um desespero. Quando você é uma artista independente que está investindo e batalhando pelo seu espaço, não tem emprego fixo e em construção como artista não é fácil.

A: O que mudou positivamente?

N: Tudo, porque quando a gente se permite viver essas transformações, por mais difíceis que sejam elas, elas nos ensinam. Um filho ensina tanto quando estamos abertas. Eu acho que a gente está vivendo uma nova geração que está criando filhos de forma diferente também, de forma mais consciente. Acredito que temos uma responsabilidade muito grande na vida de um filho, é de fato a nossa parte para fazer um mundo melhor.

Temos que investir tempo e energia na formação de um novo ser que vai para o mundo, é a nossa parte para ter um mundo melhor com seres humanos mais conscientes, menos carentes e não competitivos. Nós participamos efetivamente da construção de um ser humano que aprende muito, principalmente com a realidade dele. Então se você é um pai que grita o dia inteiro com uma criança, ela irá achar que aquilo é normal, e é a mesma coisa se a mãe trata mal as pessoas. Ele acha que aquilo é o mundo, então é o momento de você revisar se revisar inteira, porque tudo fica para a criança.

A: E sobre a paternidade e a criação que não perpetua o machismo?

N: O Dudu se esforça. Não faz parte do alicerce da estrutura primordial dos homens saber o quanto é importante participar igualmente da criação do filho, e então aprendemos quase ao mesmo tempo como educar um filho, um pai, e junto disso transformar uma mulher em mãe. E porque que é assim, né? Porque que a gente continua dando boneca para as meninas, e carrinho para os meninos? Porque um fogão com panela para as meninas, e um dinossauro para os meninos? Por quanto tempo que a gente vai perpetuar esses valores terríveis?

Isso contribui para uma ideia de que se a mãe é responsável pela criança, a mãe é responsável pela cozinha, a mãe é responsável por cuidar da casa, e este instinto materno nos é imposto desde crianças, enquanto os meninos estão se aventurando como super-heróis, salvando o mundo.

É uma responsabilidade enorme dos pais se reconstruírem também, e é claro que meu filho ganha o carrinho dele no aniversário, mas junto disso eu também posso incentivar que ele brinque com uma boneca, cuide do neném, e de alguma forma estar contribuindo para que isso possa se transformar na vida dele.

Eu trago meu filho para fazer as coisas de casa comigo, ele tem 1 ano e 3 meses, mas tem a forma dele de fazer. Ele faz a maior zona do mundo, e mais bagunça do que ajuda, mas estando ali ele começa a entender também que a bagunça faz parte, e isso colabora para construção de um ser humano melhor, vai crescer com a noção de que um dia ele vai lavar a louça. Sim, filho, você vai lavar louça! Você vai cuidar do fogão!

A: Como foi, para você, dar uma pausa na carreira para ser mãe?

N: Todos os meus desejos, meus sonhos, os meus anseios estão aqui comigo, sabe. E necessitam ser ouvidos, se não acho que uma mulher adoece. A gente vê muitas mulheres adoecidas porque parece que as mulheres tem que fazer uma escolha: ou elas vão cuidar dos filhos, ou elas vão trabalhar. É difícil até a escolha de ter uma babá e não participar tanto como a geração anterior fez na criação. Por outro lado se você se torna uma mãe e não tem mais a sua profissão, você se torna muito frustrada porque você abdicou da sua profissão.  Este balanço é o que penso sempre: como ser mulher, mãe, presente, forte, uma mãe que existe, e como construir a carreira naquilo que eu amo fazer?

O pai é uma pessoa que precisa contribuir também nesse lugar de desconstrução, junto com a mulher, para ela poder investir nela e na carreira dela né. Cabe à nós desconstruir essa imagem de que a maternidade é a coisa mais linda do mundo. Como tudo na vida, tem seus dois lados, a recompensa é maravilhosa, de fato difícil colocar em palavras de quantos momentos lindos e serenos de amor profundo a gente sente, mas por outro lado é preciso paciência.  Mães precisam de tempo para elas e de tempo descansadas, para exercer a criatividade também.

A: E hoje nos palcos, como estes dois mundos, o de ser mulher e mãe, se unem ao seu lado artístico?

N: Eu preparo sempre a logística né, porque não é fácil e quero ele sempre perto de mim e nossa sociedade tem sim muita dificuldade em aceitar as crianças, senti isso depois que tive o José. Nós nos tornamos militantes. A maternidade faz ver cada vez mais que o mundo é bem maior que o nosso umbigo. A maior revolução está dentro da gente e passa por colocar em prática tudo o que acreditamos ser positivo, pois há um ser que se espelha na gente e nos usa de exemplo.

A maternidade me trouxe toda essa consciência,a gente quer que nossos filhos vivam num mundo melhor também, então temos que fazer a nossa parte. Como cantora o que eu estou buscando hoje em dia é trazer isso cada vez mais para minha mensagem artística. Dar para o mundo e para o palco essa força que eu ganhei depois de ser mãe. Eu tenho recebido muito carinho e isso me alegra, eu vejo também que a energia de qualquer ambiente melhora quando as crianças estão presentes e elas tem que estar presentes. Eles trazem muita alegria, muita suavidade.

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS

A poeta e o monstro

A poeta e o monstro

“A poeta e o monstro” é o primeiro texto de uma série de contos de terror em que o Café com Muriçoca te desafia a descobrir o que é memória e o que é autoficção nas histórias contadas pela autora. Te convidamos também a refletir sobre o que pode ser mais assustador na vida de uma criança: monstros comedores de cérebro ou o rondar da fome, lobisomens ou maus tratos a animais, fantasmas ou abusadores infantis?

110 anos de Carolina Maria de Jesus

O Café com Muriçoca de hoje celebra os 110 anos de nascimento da grande escritora Carolina Maria de Jesus e faz a seguinte pergunta: o que vocês diriam a ela?

Quem vê corpo não vê coração. Na crônica de hoje falamos sobre desigualdade social e doença mental na classe trabalhadora.

Desigualdade social e doença mental

Quem vê corpo não vê coração.
Na crônica de hoje falamos sobre desigualdade social e doença mental. Sobre como a população pobre brasileira vem sofrendo com a fome, a má distribuição de renda e os efeitos disso tudo em nossa saúde.

Cultura não é perfumaria

Cultura não é vagabundagem

No extinto Reino de Internetlândia, então dividido em castas, gente fazedora de arte e tratadas como vagabundas, decidem entrar em greve.