Conecte-se conosco

cracolândia

COMO SEMPRE, A POLÍCIA DIZ QUE HOUVE TROCA DE TIROS

Publicadoo

em

Por Jornalistas Livres, com reportagem de Kátia Passos, Joana Brasileiro, Lucas Martins, Terremoto Ary, Luiza Rotbart, Martha Raquel, Laura Capriglione, Sato do Brasil e Flávia Martinelli

A Polícia Militar matou, hoje pela manhã, o jovem Leandro de Souza Santos, de 19 anos, na Favela do Moinho, no centro de São Paulo. Foram cinco tiros: dois no abdome, um no ombro, outros dois nas costas. O rosto do jovem ficou irreconhecível. Seus joelhos, muito machucados. Na cena do crime, foi encontrado um martelo sujo de sangue. Há buracos de balas na cozinha do barraco onde a polícia o encurralou. De acordo com o boletim médico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Leandro chegou ao hospital inicialmente sem identificação e desde o início do atendimento estava sem sinais vitais. “Na entrada do pronto-socorro foi constatado o óbito”, diz o documento.

A morte de Leandro foi resultado de uma operação conduzida pela Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), uma tropa do Comando Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, na favela que fica na região próxima à Cracolândia. O comandante da operação, o tenente coronel Miguel da Fara, afirmou que a ordem foi “sufocar o tráfico e impedir a venda de drogas”. O comandante é o mesmo que conduziu a ação de desmonte da Cracolândia, há cerca de um mês, e afirma que houve troca de tiros com suspeitos na Favela do Moinho. Nenhum morador confirma essa versão.

O que se sabe é que a morte de Leandro foi confirmada só depois das 17 horas e ele foi retirado da favela por volta das 11h. Os Jornalistas Livres viram o corpo do jovem no necrotério da Santa Casa de Misericórdia.O rosto do rapaz está desfigurado, seus joelhos, machucados, e o peito, alvejado. A bochecha tem um corte fundo. As pernas estão inchadas, muito.

A ação da polícia na Favela do Moinho começou hoje cedo pela manhã. Por volta das 10 horas, Leandro foi perseguido por policiais e refugiou-se na casa de uma moradora chamada Lucimar Oliveira Santana. Segundo relatos, os PMs a tiraram do local e ficaram a sós com Leandro no quarto dos fundos, onde ele teria sido morto. “Ouvi dois tiros e fui correndo lá”, diz o irmão de Leandro, Lucas Santos. Os PMs isolaram o barraco e não permitiram que ele e a mãe entrassem no local.

O relato de Lucas é detalhado: “E aí, não teve ambulância nem perícia. Vi os policiais colocando meu irmão num saco prateado e colocando numa perua Kombi branca. Depois, entrei na casa e vi buraco de tiro. Tinha um martelo no chão com sangue espirrado. Meu irmão usa droga, é usuário, não é traficante. Ele não sabe usar arma, nunca teve arma. O Águia da polícia filmou e se mostrar na câmera vão ver que ele tava correndo sem nada”, completa.

Quanto à Lucimar, dona da casa, foi levada à força pela policia para local não informado. Só depois das 17hs ela saiu da Corregedoria da Polícia Militar sem dar entrevista.

A equipe dos Jornalistas Livres registrou em fotos o barraco de Lucimar. Há um buraco de tiro numa geladeira e outro num armário na cozinha. No chão, ao lado de um martelo, há rastros e respingos de sangue. O fogão também foi respingado. (Veja as galerias de fotos).

 

 

Diversas entrevistas foram feitas com os moradores, que não são identificados por questões de segurança. Todos confirmam ter ouvido o barulho de pelo menos dois tiros. Chama a atenção também a quantidade de testemunhas oculares do transporte de Leandro do barraco em saco plástico prateado para a Kombi branca, sem identificação.

“Era a Rota aqui. E quando a Rota chega é para matar, não vem para conversar. A gente sabe que levaram o corpo dele lá para o fundão [local ermo da favela] e vão arrumar uma arma para colocar na mão dele”, disse uma moradora.

Também foram relatadas agressões à família de Leandro, que abordou os policiais para saber do paradeiro do rapaz. “Bateram na mãe, no irmão Lucas e na cunhada”. Lucas confirma que sua mulher, cunhada de Leandro, foi derrubada e teve a cabeça chutada. “Ela acabou de ter um filho, está no resguardo.”

Para a mãe de Leandro, a polícia disse que teria que ver o filho no Pronto Socorro. “Falaram que ele estava vivo mas não disseram para onde iriam encaminhá-lo”, conta Lucas. Na porta da Santa Casa de Misericórdia, muito antes do laudo médico, ela já dava a morte do filho como certa. “Não tem como ele estar vivo, todo mundo viu que ele saiu no saco prateado e depois de ver como ficou a casa onde ele tava deu pra perceber que ele apanhou de soco, chute, martelada e por último, tiro.”

A favela foi fechada pela polícia por volta das 10h30. Indignados, clamando por Justiça, os moradores fecharam a linha do Trem que passa no local. Foram novamente violentados com o policiamento ostensivo e repressão. A perícia foi feita em 15 minutos.

Hoje, às 18 horas os moradores pretendem ocupar as ruas do centro pedindo justiça mais uma vez. Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública (SSP) ainda não se manifestou.

 

Continue Lendo
3 Comments

3 Comments

  1. Pingback: COMO SEMPRE, A POLÍCIA DIZ QUE HOUVE TROCA DE TIROS | Jornalistas Livres | METAMORFASE

  2. Pingback: COMO SEMPRE, A POLÍCIA DIZ QUE HOUVE TROCA DE TIROS – bita brasil

  3. Victoria

    29/06/17 at 14:53

    Triste, mas é necessário entender como o país está.
    Polícias são assassinados todos os dias e quase ninguém se importa com isso, pelo contrário vêem apenas como um efeito colateral da profissão.
    O que resta a eles então? Se não entrarem assim em uma favela dominada pelo tráfico sairão mortos com toda a certeza.
    A Polícia se tornou mais violenta porque os bandidos estão se tornando cada vez piores!

Leave a Reply

Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

cracolândia

Cracolândia: Guarda Municipal joga bomba na fila para pegar comida

Publicadoo

em

marmita

TRETA NA CRACOLANDIA, EM SP.

A Guarda Civil Metropolitana atacou com bombas uma fila de pessoas que aguardava a distribuição de marmitas, por um grupo de voluntários na Cracolândia hoje (23/4).

Depois de fecharem todos os equipamentos de atendimento à população vulnerável na região, Covas e Doria aumentaram a repressão policial na Luz. A ordem é matar de fome, de sede e de doença.

Imagens feitas pelo Irmão do Pão

Continue Lendo

Arte

Poesia: Angústia da certeza

Publicadoo

em

Poesia: Fábio Rodrigues

Esta poesia que dá luz a realidade da população em situação de rua, é de Fábio Rodrigues (@prazer.poeta) – poeta e morador do território da Cracolândia.

Fábio decidiu viver de sua poesia, – poesia de rua, do fluxo. E agora, em tempos de pandemia, vê-se em quarentena a força criadora da poesia. Sem poder transitar e manguear, sua sobrevivência está em xeque.

O poeta necessita do apoio de corações carinhosos para que possa continuar ajudando, escrevendo e sobrevivendo em meio ao caos.

“Qual a saída para o poeta

que prioritariamente se apoia no comunicar,

se o momento pede distância –

até pelo simples ato de falar.

E o mais urgente premente,

onde poder recluso ficar,

se esse mesmo poeta,

por sinal mambembe

não dispõe do advento de um lar”

Ajude Fábio na caminhada, por mais poesia e informação nas ruas.
Qualquer quantia é válida!

Conta:
Pedro Bernardino Martine S
Bradesco: 237
Agência: 1236
C/c: 4603-5
CPF: 391.666.828/51

Texto: @prazer.poeta
Vídeo: @gustavoluizon, @_pedrosanti, @tarikelzein
Áudio: @606gama606

Fábio Rodrigues

Fábio Rodrigues

Continue Lendo

Assistência Social

Prefeitura de SP aproveita-se da pandemia para “limpar” a Cracolândia

Publicadoo

em

Gentrificação: tangidos como animais, povo pobre que vive na Cracolândia foi enviado para a Várzea do Glicério - Foto de Lina Marinelli

Por Laura Capriglione e Katia Passos

 

A Prefeitura de São Paulo, sob o comando de Bruno Covas, desfechou hoje mais uma ação com o propósito de “limpar” a região conhecida como Cracolândia da presença miserável dos usuários de crack. Assim, cerca de 160 seres humanos paupérrimos, muitos idosos, vários não-dependentes químicos, foram tangidos como animais para dentro de três ônibus e despachados para a baixada do Glicério, na várzea do rio Tamanduateí. Outras 50 pessoas preferiram ir a pé, seguindo para o mesmo endereço dos primeiros: Rua Prefeito Passos, 25, em um dos bairros mais degradados da cidade, região de cortiços, alta concentração de moradores de rua, de imigrantes e refugiados. O Glicério fica a dois quilômetros de distância da atual Cracolândia.

 

Acabar com o constrangedor desfile dos usuários de drogas envoltos em cobertores imundos, sempre em busca das pedras de crack, tem sido uma obsessão de vários prefeitos e governadores do PSDB em São Paulo. O atual governador João Doria Jr, ainda na condição de prefeito da cidade, protagonizou em 2017 cena desastrada que por pouco não se transformou em tragédia. Deu-se que, para posar de destemido adversário do crack, Doria ordenou a derrubada de casas na região. Quase matou por soterramento três pessoas que moravam em uma delas e que ficaram feridas. Covas aproveita-se do fato de todos estarem focados na pandemia de Covid-19 para tentar mais uma vez.

Chama-se “gentrificação” o processo de transformação de centros urbanos através da mudança dos grupos sociais ali existentes. A idéia é expulsar a população de baixa renda e substituí-la por moradores de camadas mais ricas. É isso o que está em curso no centro de São Paulo: Gen-tri-fi-ca-ção.

Único lugar a prover meios de higiene, alimentação e descanso para moradores em situação de rua, o Atende-2 foi fechado hoje

Único lugar a prover meios de higiene, alimentação e descanso para moradores em situação de rua, o Atende-2 foi fechado hoje – Foto de Lina Marinelli

Para acabar de uma vez com a Cracolândia, a idéia dos “geniais” urbanistas que trabalham para a Prefeitura foi simples: retiraram de lá o único equipamento ainda existente para acolhimento, higiene, alimentação e encaminhamento médico para dependentes químicos vivendo em situação de rua no centro da cidade. Era chamado de Atende-2, e ficava na rua Helvétia, epicentro dos usuários de crack.

Crueldade das crueldades, fecharam o Atende-2, que atendia 185 pessoas, e fizeram isso em plena pandemia de Covid-19. Nem uma pia restou para lavar as mãos naquele pedaço. Segundo a Prefeitura, o mesmo serviço que era feito pelo Atende-2 será oferecido na Baixada do Glicério, agora rebatizado de Siat 2 (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica).

Resta saber se o tráfico de drogas, que acontece hoje nas barbas das polícias Civil e Militar, da Guarda Civil Metropolitana e do Corpo de Bombeiros, todos com bases no território da Cracolândia, topará também migrar seu negócio milionário para o Glicério. Se não topar, se continuar havendo oferta de drogas baratas nas ruas da Cracolândia, o fluxo de usuários certamente voltará para lá –agora, sem banho, sem lugar para dormir, sem pia, sem médicos. E isso em plena pandemia, quando se sabe que se trata de população que já é ultra-vulnerável: 9,5% têm tuberculose, 6,3% têm HIV e quase 10%, sífilis. Será morticínio certo.

Se o tráfico topar mudar o rolê para o Glicério, haverá alguma chance de que se torne realidade o sonho tucano de restaurar um pouco que seja do brilho quatrocentão do antigo bairro dos Campos Elíseos, onde viveu boa parte da elite paulistana até meados no século passado, e que é o território onde hoje se situa a Cracolândia.

Nesse caso, o bairro tentará esquecer seus dias de miséria e dará lugar a novíssimas torres de prédios, que farão a festa das empreiteiras, incorporadoras e bancos. Doria e Covas poderão usar a imagem daquelas ruas (antes, com o comércio de drogas a céu aberto, e depois, “limpinhas”) em suas propagandas eleitorais, que os apresentará como “vencedores”.

A venda e o consumo de crack, entretanto, continuarão com antes. Só terão mudado de endereço. Em vez do Centro, a várzea invisível. Mais do que Doria e Covas gostariam de admitir, o futuro do território onde está a Cracolândia depende muito mais do tráfico de drogas do que do poder público. E é o tráfico o próximo a jogar os dados…

EM TEMPO:

Quando essa reportagem estava concluída, a juíza Celina Kiyomi Toyoshima decidiu liminarmente impedir o fechamento da unidade Atende-2, situada na rua Helvétia. Ela determinou o restabelecimento das atividades na unidade fechada. A Prefeitura ainda pode pedir a revisão dessa decisão.

Aqui a decisão da juíza:

“Tendo em vista que o estabelecimento em questão é o único ponto de atendimento na região central da cidade, que concentra uma grande parte de pessoas vulneráveis, e tendo em vista o perigo da demora, já que a medida está prevista para a data de hoje, defiro por ora a liminar, para que não sejam tomadas quaisquer medidas visando o fechamento da unidade ATENDE, localizado na Rua Helvétia, nº 57.
Caso já tenha se iniciado o fechamento, as atividades deverão ser, por ora, reestabelecidas.
Oficie-se.
Após a vinda da contestação, a medida poderá ser revista.”

 

Leia também:

Governo ameaça fechar o ATENDE 2, último equipamento público na Cracolândia

O amor em tempos de crack

Como a linda Adélia Batista Xavier, morta na Cracolândia, de vítima transformou-se em bandida

 

Continue Lendo

Trending